Emendas parlamentares ignoram a crise sanitária
11 de abril de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - A saúde perdeu espaço nas emendas parlamentares, recursos carimbados por deputados e senadores no Orçamento federal, apesar da pandemia de covid-19. De todas as emendas aprovadas em 2021, 37% vão para a saúde, patamar praticamente igual ao registrado no ano passado (36%), quando o Orçamento foi elaborado antes da crise do novo coronavírus.
Nos investimentos diretos, o setor ficou com apenas 14% das emendas, enquanto as obras do Ministério do Desenvolvimento Regional abocanharam 40%.
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Os números mostram a estratégia dos parlamentares para controlar uma fatia maior do Orçamento federal e destinar recursos para obras e projetos de interesse eleitoral em seus redutos nos Estados e municípios.
O valor destinado às emendas parlamentares até aumentou em relação a anos anteriores, mas não recebeu o mesmo esforço destinado ao aumento de verbas para outras áreas. A pandemia de covid-19 avança no País com índices mais altos de casos e mortes do que em 2020.
Neste ano, parlamentares carimbaram um total de R$ 47,4 bilhões em emendas, além dos recursos colocados no guarda-chuva do Executivo. O presidente Jair Bolsonaro avalia vetar parte dessas verbas, mas é pressionado pela cúpula do Congresso a sancionar integralmente o que foi aprovado na Câmara e no Senado.
O valor foi reservado especificamente para indicações de deputados e senadores, conforme o destino escolhido pelos congressistas. O repasse é negociado pelo governo ao longo do ano em troca de apoio no Congresso.
O pagamento é obrigatório, o que pressiona o Executivo em um cenário de crise fiscal, mas o momento da liberação depende de decisão dos ministérios, o que coloca essas verbas no centro de uma negociação política por votos no Legislativo.
De todo o volume de emendas aprovadas para 2021, R$ 17,5 bilhões vão para a saúde. São recursos para reformas de hospitais, manutenção de postos de saúde e compra de equipamentos para Unidades de Terapia Intensiva (UTI), por exemplo.
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), comandando por Rogério Marinho e vitrine eleitoral de Bolsonaro, recebeu R$ 14,5 bilhões e poderá usar o dinheiro em obras de infraestrutura, saneamento e projetos de irrigação, entre outros. O total da verba de emendas destinada para investimentos diretos nessas áreas, ou seja, desconsiderando os recursos para custeio, teve um tratamento inverso: o MDR recebeu R$ 13,3 bilhões e a saúde ficou com R$ 2,3 bilhões.
‘Obra é saúde’, argumentam parlamentares
Desde o ano passado, o Congresso garante uma reserva específica para emendas indicadas pelo relator do Orçamento, sem nenhum critério estabelecido de prioridades. A escolha atende a interesses dos parlamentares. Neste ano, são R$ 29 bilhões em recursos indicados diretamente pelo relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), a maior parte para obras. Além disso, há emendas indicadas pelas bancadas estaduais e pelas comissões, também sem critério de distribuição.
Durante a discussão do Orçamento, congressistas admitiram a articulação para turbinar os recursos de obras em plena pandemia. Reservadamente, líderes ouvidos pelo Estadão/Broadcast argumentavam que “obra é saúde” pois gera emprego e permite às pessoas terem renda no contexto de crise provocado pela covid-19.
No início do ano, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que o Congresso criaria uma reserva específica para o combate à pandemia no Orçamento. Isso realmente foi feito, mas apenas R$ 1,1 bilhão em emendas foi colocado para essa destinação. Por outro lado, uma ação do Desenvolvimento Regional para tocar obras pelo País recebeu R$ 5,8 bilhões das indicações.
A destinação provocou críticas de quem ficou à margem das negociações. “Não faz o menor sentido porque é uma distribuição política, sem critérios técnicos. Tem de investir em desenvolvimento regional, é importante, mas é preciso fazer um orçamento realista”, afirmou o líder do Cidadania no Senado, Alessandro Vieira (SE).
O senador do Cidadania faz parte de um grupo de parlamentares que questionou o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as manobras e pressiona o governo para vetar parte das emendas e evitar um furo no teto de gastos. O argumento é que, se Bolsonaro sancionar o projeto como saiu do Congresso, ele comete crime de responsabilidade e dá base jurídica para um processo de impeachment.
Nos bastidores, o argumento é de que o recurso para pandemia deve ser aberto por crédito extraordinário, fora do teto de gastos e da programação inicial do Orçamento. Esse mecanismo, porém, aumenta o endividamento da União e tem impacto no resultado primário, a conta que o governo tem que fechar no fim do ano entre despesa e arrecadação. Bittar foi procurado, mas não quis comentar.
Novas regras do Código de Trânsito entram em vigor amanhã; veja o que muda
Nesta segunda-feira (12/4), entra em vigor a Lei nº 14.071/2020, sancionada em outubro do último ano, que altera regras do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Dentre as principais mudanças estão a extensão da validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e novos limites de pontuação para a sua suspensão.
O texto da norma prevê ampliação da validade do exame de aptidão física e mental para renovação da CNH. O prazo passa a ser de dez anos para condutores com menos de 50 anos de idade; cinco anos para condutores entre 50 e 70 anos; e três anos para condutores acima de 70 anos.
Outra validade alterada é a do exame toxicológico. Ele continua sendo obrigatório para as categorias C, D e E a cada dois anos e seis meses, mas essa obrigação se estende para condutores menores de 70 anos, independentemente da validade da CNH.
Há aumento do limite de pontos para a suspensão do direito de dirigir, no prazo de 12 meses. Até então, eram 20 pontos, independentemente da gravidade. Com as novas normas, esse número se mantém apenas para quem tiver cometido duas ou mais infrações gravíssimas. Quem tiver apenas uma gravíssima, terá limite de 30 pontos. Para quem não tiver nenhuma, o limite é de 40.
Também passam a valer mudanças quanto aos equipamentos de retenção — a famosa "cadeirinha" no banco traseiro. Antes, o objeto era obrigatório para crianças menores de 10 anos. A idade foi mantida, porém apenas para crianças que não tiverem atingido 1,45 m de altura.
Parar em ciclovia ou ciclofaixa passa a ser infração grave, sujeita a multa de R$ 195 e cinco pontos na CNH. Quem não reduzir a velocidade ao ultrapassar algum ciclista passará a cometer infração gravíssima e estará sujeito a multa de R$ 293.
O recall de concessionárias — convocação para substituição ou reparo de veículos — passa a ser um requisito para o licenciamento anual dos automóveis após um ano. A nova lei também cria um Registro Nacional Positivo de Condutores (RNPC), que possibilita concessão de benefícios fiscais a condutores que não tiverem cometido infração de trânsito nos últimos 12 meses — a medida ainda está sujeita regulação do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Quanto ao processo de habilitação, a lei extingue a necessidade de aulas práticas noturnas. Além disso, acaba com o prazo de 15 dias para novo exame em caso de reprovação.
Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2021, 8h20
Bolsonaro se alimenta do ódio e da mentira
Camilo Santana é um político da nova geração. A fala suave e calma revela um estilo de quem não precisa se impor. O governador do Ceará está sempre mais atento às oportunidades de conciliar do que de divergir. O petista, de 52 anos, está no segundo mandato e teve na última eleição, em 2018, 79,96% dos votos no primeiro turno. Santana foi lançado candidato ao governo do Estado pelo irmão de Ciro Gomes, o ex-governador Cid Gomes. Ele é um trunfo para uma possível reaproximação entre Lula e Ciro para 2022. Crítico de Bolsonaro, a quem acusa de estimular o contrário do que a ciência orienta para combater a Covid, o governador tem como maior orgulho da sua administração os bons índices na educação. Entre as dez melhores escolas públicas do País, nove são cearenses conforme Ideb de 2019. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Santana é categórico ao afirmar que o partido já devia ter feito autocrítica em 2018.
O País é o epicentro da pandemia. Qual é o principal motivo para a consolidação desse desastre?
Primeiro, houve falta de uma coordenação nacional. O Brasil está há um ano sem uma diretriz nacional para o enfrentamento da pandemia. Isso exigiu que os governadores e prefeitos tomassem medidas, muitas vezes difíceis. A troca de quatro ministros da Saúde em um ano é a prova mais cabal do quanto a condução dessa pandemia foi negligenciada. Mais do que a falta de diretriz, há uma orientação contrária. Enquanto os governadores tomam medidas baseadas na ciência para reduzir a transmissão do vírus, a maior liderança desse País, o presidente Bolsonaro, toma ações no sentido contrário. Bolsonaro estimula o contrário do que a ciência orienta.
Como os governadores podem se opor ao presidente?
Nós, reunidos em torno do fórum dos governadores, temos sempre colocado que nosso interesse é colaborar e contribuir por um momento de união desse País. O nosso inimigo é o vírus. Esse é um momento de deixar questões políticas, partidárias e ideológicas de lado. Já passamos de 340 mil mortos no Brasil e somos o epicentro da Covid no planeta. Temos uma imagem destruída internacionalmente, fruto da falta de diretriz da maior autoridade desse País. Houve uma iniciativa recentemente de se criar um conselho, onde se excluiu os governadores e prefeitos. Eu acho que esse governo age por conveniência. Parece que é uma busca apenas pensando nas questões eleitorais.
O senhor está sendo ameaçado de morte?
Vivemos um momento de estímulo à intolerância e ao ódio no País. Algumas pessoas têm reagido às medidas contra a Covid que estamos tomando. Isso tem feito com que aqueles que negam a pandemia reajam. É um grupo pequeno, mas existe. A inteligência da polícia detectou recentemente uma pessoa, por meio de gravações, ameaçando o governador. A polícia prontamente investigou, uma pessoa foi levada à delegacia e descobriu-se que ela tem uma ficha de antecedentes criminais, inclusive com estupro entre os delitos. As providências estão sendo tomadas de forma legal e esta pessoa vai responder pelas ameaças na Justiça.
O que o senhor pensa sobre a liberação dos cultos religiosos concedida pelo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, durante a pandemia?
Acho uma decisão equivocada. Todas as decisões tem que ser tomadas a partir da ciência. No Ceará estamos há um ano com um comitê científico. Nos reunimos toda semana, inclusive com a participação dos poderes: Poder Judiciário, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Assembleia Legislativa, equipe da saúde e professores universitários. Avaliamos os números do Estado e todas as decisões são tomadas por orientações técnicas. É claro que é importante levar em consideração as questões econômicas e sociais, mas a prioridade é a vida das pessoas. Acho legítimo o desejo das pessoas frequentarem os cultos, mas foi uma decisão equivocada a liminar de Nunes Marques, ele ignorou a gravidade da pandemia.
Qual o propósito das trocas de ministros?
O governo está tão instável que isso acaba criando um vácuo. Não sei se isso é uma estratégia do governo federal para ampliar sua base de apoio. O Centrão está aproveitando e ocupando espaços pela instabilidade e fragilidade do governo. Bolsonaro tem perdido apoio popular no início do terceiro ano, principalmente pela crítica da população diante das medidas de enfrentamento da pandemia. O lado mais ideológico do governo está perdendo espaço.
O que o senhor acha do presidente utilizar a Lei de Segurança Nacional contra seus adversários?
É lamentável. Eu tenho até dito que o governo Bolsonaro se alimenta do ódio e da mentira, procura inclusive estimular o confronto, tentando colocar os prefeitos e governadores contra a própria população com informações inverídicas, isso é lastimável. Nós precisamos reagir fortemente e combater as atitudes do presidente que confrontem a democracia.
Há um custo no País chamado Bolsonaro?
Sem dúvida. O Brasil está com a imagem destruída.A confiança dos investidores internacionais diante da instabilidade política é muito ruim. Isso tem um custo econômico e social. Além da pandemia, há problemas com questões ambientais e relações diplomáticas. A China é o país que mais poderia estar ajudando o Brasil, mas o governo criou situações difíceis por posições errôneas tomadas pelos próprios filhos do presidente. Bolsonaro errou e apostou muito na relação com Trump.
A decisão do STF sobre a anulação da condenação do ex-presidente Lula movimentou muito o cenário político. Como o senhor analisa as perspectivas para 2022?
Eu já havia afirmado lá atrás que a questão do Lula foi um processo político. Isso ficou claro com a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Isso muda muito o cenário para 2022. Eu tenho defendido que é preciso mais diálogo e maturidade para arregimentar as forças de centro-esquerda para um caminho mais democrático. Fiz um esforço muito grande para reunir, depois de tanto tempo, o ex-presidente Lula e o ex-governador Ciro Gomes num encontro em setembro do ano passado. Eu testemunhei esse encontro. Eles têm mais convergências do que divergências. São dois líderes importantes. Lula foi um dos melhores presidentes da história desse País e tem muito a contribuir, assim como Ciro. Mas não dá para cada um agir sozinho. O projeto do País deverá estar acima de nomes, sem mágoas, sem vaidades e olhando para um horizonte de futuro. A briga das esquerdas e do centro só fortalecerá esse projeto extremista de poder em andamento.
Existe um assunto adormecido que é a autocrítica do PT. Ela vai acontecer em algum momento?
Eu já defendia que o PT fizesse uma autocrítica dos fatos que ocorreram. Acho que teria que acontecer. Me lembro bem de uma reunião no segundo turno da eleição do Haddad. Sugeri que ele deveria dizer que foram cometidos muitos acertos, mas também foram cometidos erros. Falei da importância de unir o Brasil naquele momento. Não é demérito assumir os erros. Eu mesmo já fiz autocrítica do meu governo. Se uma decisão não foi correta eu faço um recuo com a maior humildade. Fazer a autocrítica é um caminho de quem quer construir o melhor.
Além do ex-presidente Lula, há outras lideranças que o partido possa apoiar?
Acho que o projeto do País deverá estar acima de nomes. Para construção desse projeto é importante a participação de várias lideranças e não tenho dúvida que Lula sempre será um grande nome. Também tem o Ciro Gomes, o Guilherme Boulos e outras pessoas de partidos de centro-esquerda. Acho que é preciso ter mais clareza do projeto que se quer construir a curto, médio e longo prazo. Estou falando não de política de governo, mas de política de Estado. Pra mudar, principalmente, o perfil da população miserável.
Qual seria o limite de composição do PT para 2022?
Qualquer partido que queira contribuir com um projeto novo será sempre bem-vindo. Para mudar esse desastre é preciso somar forças. São forças republicanas em favor do País.
As últimas eleições mostraram a derrota dos extremos. Isso perdurará até a próxima eleição?
A população enxerga a importância da experiência dos políticos. Recentemente, muitos países mostraram o sucesso a partir do conhecimento dos seus governantes. No Brasil, isso ficou muito claro, até por conta da decepção que estamos assistindo com Bolsonaro. A população vai avaliar experiência, passado, história e credibilidade. Bolsonaro falava em ser o novo, mas, na prática, nada do que ele disse se concretizou. Ele fez a mais velha e lastimável política da história do Brasil.
A pandemia acelerou os problemas que já aconteciam. O que fazer para acelerar o desenvolvimento do Brasil?
Precisamos fortalecer segmentos importantes. Temos uma indústria na área da saúde que tem um potencial importante, inclusive, para o mercado consumidor. A pandemia mostrou a dependência dessa área por falta de investimento em ciência e tecnologia. Outra área é a da energia renovável. Podemos ser um centro da produção de hidrogênio no planeta. Temos o setor do agronegócio, que pode alimentar parte do mundo. Precisamos reunir as grandes mentes que tenham estudado e planejado nosso desenvolvimento. O Brasil perdeu a cultura de planejar. O projeto de Estado precisa ser independente de quem seja o futuro presidente. Aqui, nós fizemos o projeto Ceará 2050, conduzido pela Universidade Federal e que prosseguirá com quem quer que seja o próximo o governador.
Como fica a educação, já que o Ceará conta com um bom crescimento nos índices de avaliação?
Há treze anos, o Ceará tinha um dos piores resultados do País na questão educacional. Nós construímos uma política meritocrática com indicadores de rendimento, distribuição de ICMS de acordo com os perfis e hoje temos os melhores frutos do Brasil nas últimas séries do ensino fundamental. Transformamos projetos em leis e quem quer que seja o próximo o governador terá que seguir a política de Estado. Entre as dez primeiras escolas, nove são do Ceará em todo o Brasil, conforme o último Ideb de 2019.
Reserva de mercado - Por Merval Pereira
O ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), levou à luz uma discussão jurídica que os criminalistas que defendem condenados na operação não gostariam de reabrir. O “Prerrogativas”, ou “Prerro” para os íntimos, formado por advogados criminalistas que se julgam proprietários da verdade jurídica, reagiu com rispidez a uma entrevista que Fachin deu à revista Veja, como se ele anunciasse “uma manobra com objetivos políticos”.
O que disse Fachin na entrevista? “O caso ainda não terminou”, referindo-se ao julgamento da próxima quarta-feira sobre sua decisão de enviar para a Justiça Federal em Brasília os processos do ex-presidente Lula. A medida cancelou as condenações já havidas, mas manteve íntegras as investigações e as provas coletadas na 13ª Vara de Curitiba.
Para ele, o plenário do Supremo pode rever a decisão da 2ª Turma que aprovou a suspeição de Moro por 3 a 2. Como relator, Fachin havia determinado que o processo de suspeição perdera o objeto, mas o ministro Gilmar Mendes, presidente da Turma, decidiu dar prosseguimento, com o apoio de 4 dos 5 ministros que a compõem. Diz Fachin: “Não seria inusual o plenário derrubar a suspeição da Turma”.
Ele lembra que vinha sendo constantemente derrotado, e que nos últimos anos “consolidou-se uma relatoria mais restrita da Lava-Jato no Supremo”. Por isso, levando em conta a maioria já fixada, considerou que deveria dar ao ex-presidente Lula o mesmo tratamento dado pela maioria a outros acusados em situação análoga.
A possibilidade de que o ex-juiz Sérgio Moro venha a ser reconhecido insuspeito pela maioria do plenário do Supremo parece assustar esses advogados, mas o coordenador do grupo acrescenta um comentário estranho: “Eleições devem ser disputadas nas urnas”. A que estaria se referindo? Já que o caso nada tem a ver com Lula, pois mesmo que Moro seja insuspeito, ele continuará elegível, quer impedir que Moro venha a ser candidato à presidência? Nesse caso, quem estaria pressionando o relator da Lava-Jato com fins políticos seria o próprio grupo “Prerrô”.
Outro dia escrevi uma coluna com o título “11 cabeças, uma sentença” na qual explorava algumas possibilidades da decisão do plenário, sobretudo sobre a de a maioria reverter a decisão de Fachin, levando de volta para a 13ª Vara de Curitiba os processos. O ministro Fachin pensa de outra maneira, de acordo com sua entrevista, e considera possível que a suspeição seja anulada se a maioria concordar com ele e decidir que Moro era incompetente para julgar os processos. Incompetente porque o foro natural seria o Distrito Federal, não Curitiba, mas não suspeito, como decidiu a 2ª Turma.
Na sequência da coluna, especulei sobre a possibilidade de o próprio Fachin votar contra seu relatório, já que disse na sua decisão que a tomava para obedecer à maioria, mas que divergia pessoalmente. Não sabia, como não sei, o que o ministro Fachin fará, apenas tratei de uma possibilidade. Foi o bastante para que os mesmos criminalistas vissem ridiculamente nessa especulação uma tentativa de pressionar ministros do STF, especialmente Fachin.
Ao aventarem tal possibilidade, estavam, eles sim, tentando pressionar ministros para que não mudem de posição, o que é mais comum do que fazem supor na sua falsa indignação. O que temem é perder a reserva de mercado, e que seus clientes, especialmente o ex-presidente Lula, percam vantagens que podem ter se o ex-juiz Sérgio Moro for considerado suspeito. Todos entrarão com recursos querendo anular suas condenações com a mesma base de suspeição de Moro. E prescrições de penas acontecerão.
Relembrarei um caso emblemático. A ministra Rosa Weber votou sempre contra a possibilidade de prisão em segunda instância mas, derrotada, passou a adotar a decisão da maioria em suas sentenças.
Quando houve novo julgamento no pleno do Supremo sobre o mesmo tema, ela voltou à posição anterior, explicando que acompanhara a maioria até ali, mas que sua posição pessoal sempre foi a favor da prisão apenas após o trânsito em julgado.
Com sua mudança, o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou a jurisprudência, e o ex-presidente Lula foi solto. Não vi esses criminalistas protestarem.
A lorota do comitê - FOLHA DE SP
Durante um dos surtos de indignação do país contra o desgoverno do combate à epidemia, Jair Bolsonaro anunciou a criação de um comitê de integrantes dos três Poderes a fim de atenuar o problema.
Ao que tudo indica, tratava-se apenas de permitir que o presidente escapulisse das críticas, escamoteasse sua responsabilidade pelo desastre e iludisse a opinião pública com nova promessa de coordenação sanitária nacional, com diálogo federativo e observância do aconselhamento científico.
Bolsonaro teve algum sucesso. Conseguiu a cumplicidade do comando do Congresso, fez propaganda para seus seguidores e abafou por uns dias parte das críticas.
O Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19, anunciado em 24 de março e criado por decreto no dia seguinte, por ora não passa de mais uma farsa para desviar a atenção da incompetência e das sabotagens presidenciais.
No anúncio dos resultados da primeira reunião do comitê, de 31 de março, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), preferiram dar ênfase à propaganda de projetos para facilitar a compra de vacinas pela iniciativa privada e ao financiamento privado de leitos de UTI com incentivo tributário.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que teria autonomia técnica, que enfrentaria os problemas de escassez de insumos e vacinas e que estava criando uma “secretaria extraordinária” para a epidemia, com o que reuniria os maiores especialistas no assunto.
O comitê reuniu-se uma vez. Segundo Bolsonaro, as reuniões seriam semanais. Ainda no mesmo dia do anúncio da criação do grupo, o mandatário retomou o ataque ao distanciamento social.
Não houve anúncio de oferta de mais vacinas —a vacinação depende em larga medida das doses do Butantan. Os estoques de medicamentos e equipamentos de tratamento intensivo escasseiam.
O ministro não propôs política de coordenação nacional ou mudança de rumos, nem demonstrou sua “autonomia técnica”. Parte da indignação nacional tomou a forma de uma Comissão Parlamentar de Inquérito a ser instalada por determinação do Judiciário.
Como se disse aqui, as CPIs dos últimos tempos conseguiram mais barulho do que resultados palpáveis. O Congresso não precisa desse instrumento extraordinário para fiscalizar e até investigar as ações do Executivo. Basta que seu comando não se omita nem se deixe cooptar pelo Palácio do Planalto.
Regras do jogo - folha de sp
A Lei de Licitações que acaba de entrar em vigor é resultado de um bem-vindo esforço para modernizar as regras que a administração pública deve seguir ao fazer compras e contratar obras e serviços.
Aprovado pelo Congresso no fim do ano passado, após a fusão de várias propostas apresentadas por deputados e senadores durante sete anos de debates, o texto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em 1º de abril.
É evidente no produto final a intenção de aperfeiçoar as regras, para tornar as licitações mais competitivas e transparentes, conferindo maior eficiência às ações governamentais e reforçando mecanismos de controle externo.
Uma de suas inovações torna obrigatório o seguro para projetos de maior vulto. Em obras com valor superior a R$ 200 milhões, caberá a seguradoras privadas fiscalizar o andamento dos trabalhos e garantir sua conclusão.
Uma nova modalidade de licitação, chamada de diálogo competitivo, foi criada para que governos busquem com o setor privado soluções mais econômicas para seus projetos. As reuniões deverão ser gravadas em áudio e vídeo, inibindo acertos a portas fechadas.
Introduziram-se dispositivos para fortalecer órgãos de controle, como os tribunais de contas da União e dos estados, e reduzir a insegurança jurídica que eles criam quando agem de forma descoordenada. Penas para quem fraudar licitações foram agravadas.
Com 193 artigos, a legislação substitui normas que estavam em vigor desde o início dos anos 1990 e incorpora outras que regulamentaram mais recentemente compras por pregões e o regime especial criado para estádios da Copa e outros grandes empreendimentos.
A exemplo de suas antecessoras, a nova lei é marcada por um detalhismo que parece excessivo. Ele amarra as mãos dos gestores públicos na esperança de assim evitar desvios e outros problemas na execução dos contratos.
Será preciso esperar pela aplicação das novas normas na vida real para avaliar seus benefícios. Como a experiência dos últimos anos demonstra, com frequência os excessos do legislador se revelaram inócuos para frear empresários e funcionários mal-intencionados.
Ao sancionar a lei, Bolsonaro vetou 21 dispositivos, incluindo mecanismos desenhados para fortalecer órgãos de fiscalização e um artigo que procura garantir a disponibilidade de recursos para que obras não sejam interrompidas. São decisões no mínimo duvidosas, que poderão ser sanadas quando o Congresso examinar os vetos.