Brasil retoma posto de maior produtor de soja do planeta
Com a supersafra deste ano, revisada para cima pelo IBGE ontem, o Brasil retoma dos Estados Unidos o posto de maior produtor mundial de soja. As projeções americanas indicam que o Brasil se consolidará na posição também na próxima safra, reforçando o bom desempenho da agropecuária brasileira, mesmo em meio à pandemia de covid-19.
No total, o Brasil deverá colher um recorde de 247,4 milhões de toneladas de grãos na safra que se encerra neste ano, 2,5% acima de 2019, conforme o IBGE. Para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), cujas estimativas atualizadas foram divulgadas também ontem, a produção total da safra 2019/2020 deverá atingir o recorde de 251,4 milhões de toneladas. O IBGE espera as maiores safras da história também para o café e para o algodão.
A produção de soja será a principal responsável pela supersafra deste ano. Na estimativa do IBGE, foram colhidas 119,9 milhões de toneladas na safra encerrada ainda no primeiro semestre, 5,6% acima da produção de 2019. Já nos cálculos da Conab, foram 120,88 milhões de toneladas, aumento 5,1% ante a safra de 2018/2019.
Em 2018, o Brasil já havia batido os Estados Unidos como maior produtor mundial de soja, mas por uma diferença muito pequena. Ano passado, os produtores brasileiros de soja enfrentaram problemas climáticos e perderam para os americanos – o recorde na produção nacional total foi garantido pelo milho. Agora, a produção americana de soja na safra 2019/2020 foi de 96,68 milhões de toneladas, na estimativa mais recente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês, equivalente a um ministério).
Para a próxima safra, 2020/2021, o Brasil deverá ficar novamente na frente, já que os Estados Unidos deverão produzir 112,3 milhões de toneladas de soja, enquanto os produtores brasileiros deverão colher 131 milhões de toneladas, renovando o recorde, ainda nas projeções do USDA, que abrangem o mercado global – as primeiras projeções do IBGE e da Conab para a safra 2020/2021 deverão sair no fim deste ano.
O Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) de junho, do IBGE, elevou em 0,5% a estimativa do total de soja colhido no Brasil este ano. A produção recorde de soja só não foi ainda maior porque, nos últimos meses, o LSPA veio reduzindo suas estimativas para a colheita no Rio Grande do Sul. Na estimativa de junho, a produção gaúcha ficou em 11,2 milhões de toneladas, tombo de 39,3% em relação a 2019.
“Era para o Brasil ter colhido uma safra muito maior de soja. O problema todo foi que o Rio Grande do Sul sofreu muito com a falta de chuvas, de dezembro a maio”, afirmou Carlos Antônio Barradas, analista de agropecuária do IBGE. “Não fosse a seca no Rio Grande do Sul, a produção de soja passaria de 125 milhões de toneladas”, completou o pesquisador.
A disponibilidade de terras e a tecnologia de ponta, que leva eficiência ao campo, ajudam a explicar os sucessivos recordes na produção agrícola nos últimos anos, segundo Barradas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo./ istoé
WhatsApp barra contas do PT por disparos em massa; partido vê 'interesse'
O PT teve nove de suas contas no WhatsApp desativadas nas duas últimas semanas por envio automatizado de mensagens, em um processo que envolveu denúncias de spam político.
As duas ações são proibidas pelos termos de uso da plataforma. O partido confirmou ao UOL que estes eram todos os canais que tinham no WhatsApp e eles foram tirados do ar a partir de 25 de junho. Desde então, quatro foram restabelecidos.
Ao ser procurada pela reportagem para comentar a suspensão, a presidente do partido, Gleisi Hoffman, disse que a punição acontece dentro de um contexto maior: a batalha em torno do polêmico "PL das Fake News" —apoiado pela legenda, mas duramente criticado pela empresa em alguns de seus pontos.
"Não dá para a gente afirmar que seja uma represália, mas com certeza o Facebook tem lado, um posicionamento político e um posicionamento em relação ao PL. Não devem estar contentes com ele", afirmou ela. O projeto, no entanto, foi votado dia 30 de junho, cinco dias depois do bloqueio das contas.
Aprovado no Senado na semana passada, com o voto favorável dos seis senadores petistas, o texto obriga que redes sociais peçam documento e telefone para quem quer ter uma conta e que aplicativos de bate-papo registrem o caminho que uma mensagem percorreu ao ser encaminhada. Para o WhatsApp, este último ponto é o mesmo que "colocar uma tornozeleira eletrônica nos usuários"
O partido acusa o Facebook de não ser transparente. Para Hoffman, "o bloqueio desses canais ocorreu justamente dias depois que iniciamos o abaixo-assinado pelo impeachment [do presidente Jair Bolsonaro], com muitos apoiadores e entidades."
"De nossa parte, temos muita desconfiança do que está acontecendo", falou, ressaltando que o partido está migrando sua comunicação para o Telegram e desenvolvendo sua própria plataforma para não depender de outras companhias
Vale ressaltar que Facebook e Instagram já apagaram posts de Bolsonaro por julgar que o conteúdo ia contra sua política.
Em carta encaminhada nesta segunda-feira (6) ao Facebook, a presidente do PT ameaça com processo judicial caso a empresa não responda aos questionamentos sobre o motivo das contas terem sido apagadas.
"É importante sabermos do que estão nos acusando. Até agora, Facebook e WhatsApp não mandaram. Se há hipocrisia aqui é da parte deles, que acobertaram milhões de fake news na campanha de 2018, não denunciaram, fizeram vistas grossas a um monte de coisas e agora vem querer dar uma de lisura total. Acho que eles é que têm de explicar a lisura deles. Acho que são pouco confiáveis", disse ela.
O envio de spam não é proibido pela lei brasileira, mas pelas regras do WhatsApp, que desativa quem "enviar mensagens em massa ou automatizadas que violam nossos termos de serviço" —2 milhões de contas são banidas por mês em todo mundo.
A atividade de parte dos canais do PT foi classificada como suspeita pelos sistemas de aprendizado de máquina usados para detectar essas práticas pelo WhatsApp. "Se você está enviando mais de 100 mensagens por segundo, obviamente não é um ser humano que está por trás. Isso é automaticamente banido pelos sistemas", explicou uma fonte próxima ao caso, que não quis se identificar.
Quando faz essas remoções automáticas, o aplicativo não registra de quem é a conta. Mas, como alguns usuários denunciaram que receberam conteúdo repetidas vezes, o comportamento foi classificado como spam. Neste caso, as pessoas precisam encaminhar capturas de tela e, por isso, o WhatsApp passou a acompanhar as contas que dispararam as mensagens. Detectou, então, que elas faziam uso de algum sistema semiautomatizado. Por entender que elas estavam espalhando spam político, decidiu removê-las
Para pessoas de dentro do WhatsApp, tratava-se de um movimento coordenado. Cerca de 30 contas, também removidas, foram detectadas direcionando usuários para os perfis do PT. Na mesma semana, outro comportamento estranho de centenas de contas administradas por uma só empresa foi notado.
O PT disse que contratou mesmo uma companhia especializada em disparo em massa de mensagens pelo WhatsApp, a LEADWhats, de Curitiba, e isso já ocorre há pelo menos quatro meses. Segundo Hoffman, os envios não são feitos indiscriminadamente, mas com o objetivo de distribuir conteúdos para a base de filiados —são eles, segundo o partido, que formam as várias listas de transmissão gerenciadas pela LEADWhats.
A presidente do PT defende que os participantes das listas não só aceitam receber as mensagens como cadastram o número do WhatsApp da legenda em seus celulares. "Eles têm de provar que é fake news. Isso é comunicação oficial do PT, e nós temos responsabilidade com o partido. Fake news, que eu saiba, não é feita oficialmente, as pessoas fazem no submundo da internet. Se o PT está fazendo fake news, a pessoa tem que nos processar e requerer direitos sobre danos de imagem", afirmou.
Ainda segundo Hoffman, quando o PT pediu informações a respeito das denúncias, a rede social disse não poder compartilhá-las para não infringir a privacidade dos usuários. Já o WhatsApp disse que avalia processar a LEADWhats: "Continuaremos a banir contas usadas para enviar mensagens em massa ou automatizadas e avaliaremos mais profundamente as nossas opções legais contra empresas que oferecem esses serviços, como fizemos no passado no Brasil."
O uso das "máquinas de spam", nascidas para espalhar conteúdo publicitário, foi associado a campanhas políticas durante as eleições de 2018. Reportagens de UOL e Folha mostraram que as campanhas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad recorreram a essas empresas para espalhar propaganda eleitoral. A do presidente eleito ainda espalhou desinformação sobre adversários —coisa que o "PL das fake news", por sinal, pretende proibir.
O WhatsApp passou a processar empresas que fazem disparo em massa como forma de tentar barrar esse tipo de uso da plataforma. Na semana passada, o UOL revelou que uma delas tem adotado manobras para driblar decisão judicial que a proibiu de atuar. Também noticiou que a Justiça condenou a SallApp com multa e fim de disparo de spam.
Câmara conclui votação de MP sobre remarcação de passagens e ajuda ao setor aéreo
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (8) a Medida Provisória 925/20, que disciplina o reembolso e a remarcação de passagens de voos cancelados durante a pandemia de Covid-19. O texto do relator da MP, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), seguirá para o Senado.
Entre outros pontos, a MP também prevê ajuda ao setor aeronáutico e aeroportuário; e acaba com o adicional de embarque internacional. Originalmente, a medida provisória apenas previa o reembolso em 12 meses sem penalidades e adiava o pagamento de parcelas de outorga de aeroportos. Todas as demais mudanças no texto foram incluídas pelo relator.
Arthur Oliveira Maia afirmou que a MP busca ajudar um setor essencial para a sociedade. “Cerca de 98% dos voos foram cancelados. As empresas estão sobrevivendo com imensa dificuldade”, declarou. Segundo ele, cerca de 40 mil trabalhadores podem perder os empregos se não houver apoio às aéreas.
Já o líder da Minoria, deputado José Guimarães (PT-CE), disse que a MP favorece as empresas aéreas em decisões judiciais contra o consumidor. “O ônus é maior para o consumidor”, criticou.
CNE aprova novo parecer sobre a volta às aulas presenciais
O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, por unanimidade, Parecer CNE/CP 11/2020 com orientações educacionais para a realização de aulas e atividades pedagógicas presenciais. O documento, aprovado na última terça-feira, 7 de julho, está em revisão para ser disponibilizado no site do CNE e encaminhado para homologação pelo Ministério da Educação (MEC).
Com base em experiências recentes de reabertura das escolas em diferentes países e em vários estudos sobre a situação das redes de ensino no Brasil, o documento apresenta sugestões aos sistemas de ensino, redes, escolas, professores e gestores em complementação ao parecer anterior do Conselho – Parecer CNE/CP 5/2020. Este foi homologado no dia primeiro de junho, e trata da Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia do coronavírus (Covid-19).
O CNE reafirma a importância do regime de colaboração entre União, Estados e Municípios e de ações intersetoriais entre as áreas da educação, saúde e assistência social, com observação dos protocolos de segurança sanitária de âmbito nacional e local. Entre os desafios a serem enfrentados na volta às aulas presenciais, o Conselho aponta a necessidade de assegurar condições de higiene e segurança nas escolas públicas, o acesso à internet aos estudantes de baixa renda, o investimento na infraestrutura das escolas e na formação dos professores para o uso de novas metodologias e de tecnologias. Na oportunidade, reforça ainda que tais medidas devem implicar aumento das despesas com a educação escolar neste ano letivo.
Na volta às aulas, é prevista a possibilidade de continuidade das atividades não presenciais em conjunto com aulas presenciais e de retorno às atividades escolares com prioridade a determinadas etapas e níveis de ensino. Por exemplo, experiências internacionais indicam a prioridade de retorno às escolas dos alunos da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, além do final do ensino médio.
Atenção especial deve ser dispensada às crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, devido à importância da alfabetização na idade certa para a continuidade da aprendizagem ao longo da vida escolar. O CNE lembra a possibilidade de organização de um continuum entre duas séries ou anos escolares para integralização da carga horária mínima do ano letivo de 2020 no ano letivo de 2021. Além disso, ressalta que vários países, entre eles a Itália, e vários estados americanos, aprovaram leis que impedem a reprovação de alunos no ano de 2020.
Um dos desafios a serem enfrentados pelas redes de ensino será o de evitar o abandono escolar. Também precisarão ser adotadas medidas específicas para os alunos do quinto e nono ano do ensino fundamental a fim de que possam prosseguir seus estudos, ainda mais que é comum mudarem de escola ou mesmo de rede de ensino.
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) reforça a importância do planejamento por cada rede de ensino do retorno às aulas presenciais. Para isso, ressalta a necessidade do regime de colaboração entre os governos estaduais e seus Municípios e a leitura criteriosa dos atos normativos do Conselho Nacional de Educação.
Guedes quer destinar recursos do Fundeb para o Renda Brasil
Marcello Corrêa / o globo
BRASÍLIA - A equipe econômica quer destinar os recursos da ampliação do Fundeb, fundo de financiamento da educação básica, para criar um benefício adicional a crianças atendidas pelo Renda Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família.
A ideia precisa ser analisada pelo Congresso, que discute com o Executivo os termos da reforma do fundo, válido só até o fim deste ano, caso não seja renovado.
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A legislação atual prevê uma complementação da União de 10% sobre as receitas arrecadadas no sistema, irrigado por impostos estaduais, municipais e federais.
A ajuda é destinada a municípios que não conseguem alcançar o investimento mínimo por aluno, estabelecido anualmente. Para este ano, os repasses estão estimados em cerca de R$ 16 bilhões, segundo o Orçamento.
O projeto em discussão no Congresso prevê uma elevação gradual desse aporte federal até chegar a 20%. É sobre esse recurso extra — ou seja, acima dos atuais 10% — que a equipe econômica quer negociar, segundo fontes próximas ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
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O plano é usar o valor adicional para ampliar a transferência de renda a crianças que integrem o Renda Brasil, em vez de direcionar o dinheiro novo para as atribuições originais do Fundeb.
Considerando que a arrecadaçao para o Fundeb seja semelhante à de 2020 nos anos seguintes, isso significaria um reforço de R$ 16 bilhões para o programa social, voltado a lares em que a renda é de R$ 250 por pessoa.
Valor chegaria a R$ 200 por criança
No desenho original do Renda Brasil, em elaboração pela Secretaria de Política Econômica (SPE), o valor básico repassado por família deve ser de R$ 100, com um adicional de R$ 100 por criança de 0 a 15 anos.
O sistema seria semelhante ao do Bolsa Família, que é formado por um modelo de benefícios de R$ 41, pagos de acordo com o número de crianças e gestantes, por exemplo.
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Com a inclusão do dinheiro do Fundeb na conta do novo programa, o auxílio específico para crianças poderia ser maior. Assim, em vez de R$ 100 planejados inicialmente, o benefício poderia ser elevado para R$ 150 ou R$ 200, informou uma fonte.
A equipe econômica estava avaliando até criar um voucher de R$ 250 por mês para que crianças atendidas pelo novo progrma tivessem acesso a creches
O Renda Brasil deve substituir o Bolsa Família e começar a funcionar após o fim do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, pago a trabalhadores informais durante a crise do coronavírus.
O programa foi estruturado para atender ao grupo de pessoas fora da rede de proteção do Estado consideradas "invisíveis" até então pela equipe econômica.
A ideia também é uma forma de estabelecer uma “marca social” do governo Jair Bolsonaro, enquanto o presidente se prepara para a disputa eleitoral de 2022.
Salários de professores
Usar dinheiro do Fundeb no Renda Brasil dependerá de negociação com o Congresso.
A proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre a reformulação do sistema de financiamento deve entrar em pauta na semana que vem na Câmara dos Deputados, enquanto o governo segue sem um titular no Ministério da Educação (MEC).
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A complementação da União é um dos principais pontos do debate sobre a reforma.
Hoje, ao menos 60% dos recursos do Fundo são destinados, por lei, ao pagamento de professores, de acordo com o regulamento do mecanismo.
A legislação também proíbe que o dinheiro arrecadado pelo sistema seja destinado para ações que não são diretamente relacionadas com a manutenção básica, como “programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica” e “outras formas de assistência social”.
Ainda não está claro se, na proposta do governo, os recursos para o Renda Brasil ainda seriam pagos por meio da estrutura do Fundeb, ou seja, se eles passariam pelo fundo antes de chegar aos beneficiários, ou se um acordo político permitiria não aumentar as verbas do fundo em troca de ampliar os repasses para as crianças atendidas pelo programa.
Incentivo a frequência escolar
O Fundeb responde por 40% do financiamento do investimento público em educação básica no país.
Embora o fundo tenha sido criado para financiar custos relacionados à manutenção da educação, a equipe de Guedes avalia que o dinheiro pode ser usado na redução da pobreza e incentivar que crianças frequentem a escola.
O Bolsa Família já prevê esse tipo de incentivo. Crianças de famílias beneficiárias devem manter uma frequência escolar de ao menos 85% para que o benefício seja pago.
Até 12 mil pessoas podem morrer de fome por dia no mundo até o fim de 2020 por causa da pandemia, alerta Oxfam
Marina Gonçalves / o globo
Até 12 mil pessoas podem morrer de fome diariamente no mundo até o final de 2020, devido às consequências da pandemia de Covid-19 — mais do que pela doença em si —, alerta a ONG humanitária Oxfam em um relatório divulgado nesta quarta-feira. O documento estima que até 122 milhões de pessoas podem ser levadas à beira da fome este ano, como resultado dos impactos sociais e econômicos do novo coronavírus.
Iêmen, República Democrática do Congo (RDC), Afeganistão, Venezuela, a região do Sahel na África Ocidental, Etiópia, Sudão, Sudão do Sul, Síria e Haiti são os dez países e regiões mais impactados pela fome extrema, mostra o estudo. Mas novos locais também estão sendo gravemente atingidos, inclusive em países de renda média como Índia, África do Sul e Brasil, que experimentam níveis de fome que vêm crescendo rapidamente, empurrados pela pandemia.
— Os países que ja vivenciavam uma situação de fragilidade por causa de conflitos internos vivem agora o agravamento de uma situação que já era muito ruim. O acesso a alimentos se tornou muito mais difícil. Por isso, uma das soluções propostas no relatório é um cessar-fogo temporário, para ajudar a retomada da ajuda humanitária — afirma ao GLOBO Maitê Gauto, gerente de programas e campanhas da Oxfam Brasil.
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Segundo estimativas do Programa Mundial de Alimentos (PMA), da ONU, o número de pessoas em situação de fome subirá para 270 milhões antes do fim do ano — um aumento de 82% em relação a 2019. Isso significa que, até dezembro, de 6.100 a 12.200 pessoas poderão morrer de fome por dia. Dentre as causas estão a dramática desaceleração da economia global, combinada com as severas restrições impostas à circulação de pessoas, o que levou a uma perda maciça de empregos em todo o mundo nos últimos meses.
— A receita para equilibrar os impactos causados pelo distanciamento social e as restrições econômicas são os programas emergenciais de ajuda, implementados na grande parte dos países. Cabe aos Estados garantir a sobrevivência dessas pessoas e, ao mesmo tempo, dar condições para que o isolamento seja posto em prática — afirma Gauto.
Ao redor do mundo, os governos responderam à interrupção das atividades econômicas instituindo políticas de proteção social que variam consideravelmente em alcance e escala. No Brasil, por exemplo, onde dezenas de milhões de trabalhadores em situação de pobreza não têm recursos para se protegerem durante o período de distanciamento social, apenas 47,9% do montante destinado ao auxílio emergencial foram distribuídos até o início de julho. O país está entre os prováveis epicentros da fome no mundo, juntamente com Índia e África do Sul, onde milhões de pessoas estão à beira da grave insegurança alimentar e pobreza extrema.
Mudanças: Cidades se reinventam para enfrentar o mundo pós-pandemia
— Nesses países, temos a dificuldade adicional de que vamos levar um tempo de recuperação pós-pandemia. Assim, os Estados precisarão continuar mantendo ações emergenciais, porque a tendência é que nesses países elas não possam acabar quando a pandemia estiver resolvida. Precisaremos de um tempo de suporte estatal para sustentar a retomada econômica e o crescimento — afirma. — No Brasil, é importante ressaltar que essas ações precisam de aprimoramento e de uma estratégia de médio e longo prazo. Não pode haver negligência ou deficiência estatal ao longo desse processo. Estruturamos pela primeira vez uma ação humanitária no país, o que indica o grau de severidade da situação. Vamos lidar com os impactos da pandemia por mais tempo do que gostaríamos.
Por conta da pandemia, a organização resolveu realizar pela primeira vez uma ação de ajuda direta no país. A meta é atingir mil famílias em situação de vulnerabilidade nas cidades de Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal, que receberão, durante quatro meses, cartões de vale-alimentação entre R$ 259 e R$ 320.
Mulheres e agricultores são mais afetados
A insegurança alimentar é maior para mulheres do que para homens em todos os continentes — e as maiores diferenças são encontradas na América Latina. Além da discriminação sistêmica, que faz com que elas recebam menos do que homens pelo mesmo trabalho, as mulheres também são maioria no grupo de trabalhadores informais, que no Brasil representa cerca de 40% da população economicamente ativa.
América Latina: Classe média se vê em risco diante da crise provocada pela Covid-19
— A questão é anterior à pandemia. Muitas vezes, trabalhadoras rurais não têm condições de comprar os próprios alimentos que produzem. E temos a questão da desigualdade de gênero, que impacta as mulheres que ganham menos e geralmente têm contratos menos duradouros. Essa condição de desigualdade ficou ainda pior — diz a gerente de programas e campanhas da Oxfam Brasil. — Fora do campo, sabemos que um peso maior do trabalho doméstico e do cuidado com filhos recai sobre as mulheres, e é preciso considerar isso na retomada do trabalho presencial, antes da volta às aulas. As mulheres devem participar da construção de soluções, de maneira a garantir condições mínimas para que não percam seus empregos
As restrições impostas a viagens para conter a disseminação do coronavírus também impediram muitos produtores e pequenos agricultores de semear ou colher suas lavouras e de acessar mercados para vender seus produtos ou comprar sementes e ferramentas. Em alguns países, comunidades pastoris não têm conseguido deslocar seus animais até fontes sazonais de alimentos e água, afetando sua saúde e valor de venda, aponta o relatório.
Uma pesquisa realizada pela Oxfam com pequenos produtores rurais em Uganda, Hong Kong, Nepal, Guatemala e Zâmbia revelou alguns dos impactos das restrições impostas a viagens em resposta à pandemia. Pequenos agricultores da Zâmbia disseram que não estavam conseguindo vender seus produtos devido ao fechamento dos mercados locais ou porque estavam preocupados com a possibilidade de contraírem o vírus. Os que estavam conseguindo comercializar estavam recebendo menos que o normal.
A prestação de assistência humanitária também se tornou mais difícil com a pandemia. Em países como Chade e Mauritânia, na África Ocidental, as agências de ajuda humanitária foram forçadas a reduzir ou suspender suas atividades em decorrência da pandemia.