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Até 12 mil pessoas podem morrer de fome por dia no mundo até o fim de 2020 por causa da pandemia, alerta Oxfam

Marina Gonçalves / o globo

 

Até 12 mil pessoas podem morrer de fome diariamente no mundo até o final de 2020, devido às consequências da pandemia de Covid-19 — mais do que pela doença em si —, alerta a ONG humanitária Oxfam em um relatório divulgado nesta quarta-feira. O documento estima que até 122 milhões de pessoas podem ser levadas à beira da fome este ano, como resultado dos impactos sociais e econômicos do novo coronavírus.

Iêmen, República Democrática do Congo (RDC), Afeganistão, Venezuela, a região do Sahel na África Ocidental, Etiópia, Sudão, Sudão do Sul, Síria e Haiti são os dez países e regiões mais impactados pela fome extrema, mostra o estudo. Mas novos locais também estão sendo gravemente atingidos, inclusive em países de renda média como Índia, África do Sul e Brasil, que experimentam níveis de fome que vêm crescendo rapidamente, empurrados pela pandemia.

— Os países que ja vivenciavam uma situação de fragilidade por causa de conflitos internos vivem agora o agravamento de uma situação que já era muito ruim. O acesso a alimentos se tornou muito mais difícil. Por isso, uma das soluções propostas no relatório é um cessar-fogo temporário, para ajudar a retomada da ajuda humanitária — afirma ao GLOBO Maitê Gauto, gerente de programas e campanhas da Oxfam Brasil.

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Segundo estimativas do Programa Mundial de Alimentos (PMA), da ONU,  o número de pessoas em situação de fome subirá para 270 milhões antes do fim do ano —  um aumento de 82% em relação a 2019. Isso significa que, até dezembro, de 6.100 a 12.200 pessoas poderão morrer de fome por dia. Dentre as causas estão a dramática desaceleração da economia global, combinada com as severas restrições impostas à circulação de pessoas, o que levou a uma perda maciça de empregos em todo o mundo nos últimos meses. 

— A receita para equilibrar os impactos causados pelo distanciamento social e as restrições econômicas são os programas emergenciais de ajuda, implementados na grande parte dos países. Cabe aos Estados garantir a sobrevivência dessas pessoas e, ao mesmo tempo,  dar condições para que o isolamento seja posto em prática — afirma Gauto.

Ao redor do mundo, os governos responderam à interrupção das atividades econômicas instituindo políticas de proteção social que variam consideravelmente em alcance e escala. No Brasil, por exemplo, onde dezenas de milhões de trabalhadores em situação de pobreza não têm recursos para se protegerem durante o período de distanciamento social, apenas 47,9% do montante destinado ao auxílio emergencial foram distribuídos até o início de julho. O país está entre os prováveis epicentros da fome no mundo, juntamente com Índia e África do Sul, onde milhões de pessoas estão à beira da grave insegurança alimentar e pobreza extrema.

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— Nesses países, temos a dificuldade adicional de que vamos levar um tempo de recuperação pós-pandemia. Assim, os Estados precisarão continuar mantendo ações emergenciais, porque a tendência é que nesses países elas não possam acabar quando a pandemia estiver resolvida. Precisaremos de um tempo de suporte estatal para sustentar a retomada econômica e o crescimento —  afirma. — No Brasil, é importante ressaltar que essas ações precisam de aprimoramento e de uma estratégia de médio e longo prazo. Não pode haver negligência ou deficiência estatal ao longo desse processo. Estruturamos pela primeira vez uma ação humanitária no país, o que indica o grau de severidade da situação. Vamos lidar com os impactos da pandemia por mais tempo do que gostaríamos.

Por conta da pandemia, a organização resolveu realizar pela primeira vez uma ação de ajuda direta no país. A meta é atingir mil famílias em situação de vulnerabilidade nas cidades de Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal, que receberão, durante quatro meses, cartões de vale-alimentação entre R$ 259 e R$ 320.

Mulheres e agricultores são mais afetados

A insegurança alimentar é maior para mulheres do que para homens em todos os continentes —  e as maiores diferenças são encontradas na América Latina. Além da discriminação sistêmica, que faz com que elas recebam menos do que homens pelo mesmo trabalho, as mulheres também são maioria no grupo de trabalhadores informais, que no Brasil representa cerca de 40% da população economicamente ativa.

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— A questão é anterior à pandemia. Muitas vezes, trabalhadoras rurais não têm condições de comprar os próprios alimentos que produzem. E temos a questão da desigualdade de gênero, que impacta as mulheres que ganham menos e geralmente têm contratos menos duradouros. Essa condição de desigualdade ficou ainda pior — diz a gerente de programas e campanhas da Oxfam Brasil. — Fora do campo, sabemos que um peso maior do trabalho doméstico e do cuidado com filhos recai sobre as mulheres, e é preciso considerar isso na retomada do trabalho presencial, antes da volta às aulas. As mulheres devem participar da construção de soluções, de maneira a garantir condições mínimas para que não percam seus empregos

As restrições impostas a viagens para conter a disseminação do coronavírus também impediram muitos produtores e pequenos agricultores de semear ou colher suas lavouras e de acessar mercados para vender seus produtos ou comprar sementes e ferramentas. Em alguns países, comunidades pastoris não têm conseguido deslocar seus animais até fontes sazonais de alimentos e água, afetando sua saúde e valor de venda, aponta o relatório. 

Uma pesquisa realizada pela Oxfam com pequenos produtores rurais em Uganda, Hong Kong, Nepal, Guatemala e Zâmbia revelou alguns dos impactos das restrições impostas a viagens em resposta à pandemia. Pequenos agricultores da Zâmbia disseram que não estavam conseguindo vender seus produtos devido ao fechamento dos mercados locais ou porque estavam preocupados com a possibilidade de contraírem o vírus. Os que estavam conseguindo comercializar estavam recebendo menos que o normal.

A prestação de assistência humanitária também se tornou mais difícil com a pandemia. Em países como Chade e Mauritânia, na África Ocidental, as agências de ajuda humanitária foram forçadas a reduzir ou suspender suas atividades em decorrência da pandemia.

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