Técnicos da Economia já veem prorrogação de calamidade e Orçamento de guerra em 2ª onda da Covid
Técnicos do Ministério da Economia trabalham com a possibilidade de prorrogar o estado de calamidade e o Orçamento de guerra caso ocorra uma segunda onda da Covid-19. Sem as medidas, não haverá espaço para ampliar gastos.
O ministro Paulo Guedes (Economia) defende a volta do Orçamento de 2021 à normalidade. No entanto, membros da área técnica da pasta, reservadamente, já reconhecem que o governo terá de afrouxar regras fiscais se a pandemia se agravar.
Entre especialistas, a percepção é que serão necessários gastos extraordinários mesmo que os casos da doença caiam. Para eles, haverá demanda por serviços de saúde e necessidade de comprar e distribuir vacinas.
A Folha ouviu membros da área técnica do Ministério da Economia sobre os caminhos para o Orçamento em 2021. Os integrantes são responsáveis por monitorar as contas do governo e elaborar o plano de despesas da União.
O estado de calamidade pública acaba no dia 31 de dezembro. O Orçamento de guerra suspende normas fiscais. Sem recorrer a essas medidas, eles dizem que não será possível implementar ações sem descumprir o teto de gastos, a regra de ouro e a meta fiscal.
A regra do teto impede o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior. A regra de ouro barra a alta do endividamento. A meta fiscal define o quanto o governo terá de rombo ou superávit nas contas públicas.
Medidas como o auxílio emergencial, por exemplo, teriam de acabar com o fim do estado de calamidade. A última parcela do benefício será a de dezembro, no valor de R$ 300. No início da pandemia, eram R$ 600.
O mesmo ocorre com o programa de suspensão de contrato de trabalho e redução de jornada e salário, que só poderia continuar com uma prorrogação ou um novo decreto de calamidade pública.
A avaliação dos técnicos diverge de declarações do ministro e membros do gabinete.
Em aparições públicas, e mesmo em conversas internas na pasta, Guedes tem afirmado que o governo estará pronto para agir em caso de segunda onda da doença. Porém, ele diz que esse não é o cenário colocado na mesa no momento.
O ministro afirma que o governo não espera ser necessário acionar medidas para uma forte ampliação de gastos, como foi feito neste ano.
Guedes e auxiliares próximos buscam tratar a segunda onda como improvável. Para eles, a doença vem recuando e a economia está em recuperação, o que dispensaria inclusive a prorrogação do auxílio emergencial.
As autoridades trabalham ainda com a hipótese de não haver perspectiva de um fechamento tão forte da economia como a que ocorreu no meio deste ano.
Nos últimos dias, no entanto, o ministro passou a reconhecer internamente que a segunda onda pode se tornar uma realidade se os números da doença continuarem subindo. Dados do Ministério da Saúde mostram que o país está em trajetória de alta de casos e mortes.
Membros do gabinete do ministro afirmam que a estratégia de ação do governo em 2021 vai depender da intensidade da doença. Eles esperam que não seja necessário adotar medidas drásticas, como as deste ano.
Entre as justificativas para evitar novos gastos está a disparada da dívida pública, que pode chegar a 96% do PIB (Produto Interno Bruto).
Guedes e secretários querem a retomada de medidas de ajuste fiscal e a redução de gastos obrigatórios, com a reforma administrativa, que muda a estrutura do serviço público, e a PEC Emergencial, que aciona gatilhos para cortar gastos.
Para o enfrentamento da pandemia em 2020, o governo abriu os cofres e liberou quase R$ 600 bilhões em medidas emergenciais.
Para 2021, porém, sem calamidade e sem Orçamento de guerra, as travas fiscais serão retomadas. Isso significa que o governo não terá liberdade para gastar além do previsto no Orçamento.
A peça orçamentária de 2021 ainda está em discussão no Congresso, com tramitação atrasada. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou em diferentes ocasiões que o decreto de calamidade não será prorrogado.
Mas, restando pouco mais de três semanas para o encerramento do ano, técnicos do ministério dizem acreditar que dificilmente será possível ampliar gastos em 2021 sem manter as medidas.
A visão interna é que diferentes gastos terão de ser feitos por meio de créditos extraordinários, que podem ser usados para despesas urgentes e imprevisíveis, como em calamidade. Entraria nessa rubrica, por exemplo, a vacinação.
Um dos elaboradores do Orçamento explica que a abertura de créditos extraordinários tem entraves. Embora esses recursos não sejam contabilizados na regra do teto, que limita o crescimento de gastos do governo à variação da inflação, eles afetam a meta fiscal e a regra de ouro.
Abrir esses créditos em 2021 sem afrouxar regras fiscais, portanto, exigiria o corte de gastos em outras áreas do governo.
A visão é compartilhada por um componente do Tesouro Nacional. Para ele, é consenso na área técnica que não será possível usar créditos extraordinários livremente.
"É muito difícil a gente não ter nenhum impacto nas contas em 2021. Na melhor das hipóteses, vamos gastar com vacinação e despesas do SUS. Dificilmente vamos ter uma situação controlada", diz Daniel Couri, diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado).
"Faltam três semanas para 2021 e vamos continuar com muitos casos e pessoas hospitalizadas", afirma Couri. Ele também vê uma chance elevada de ser necessária nova prorrogação do auxílio emergencial.
Para o economista, o caminho mais fácil para viabilizar os gastos extras em 2021 é a prorrogação das regras de calamidade pública e do Orçamento de guerra. Ele diz ser possível contornar regras fiscais sem o uso desses mecanismos, mas seria necessário combinar diferentes estratégias.
Para Couri, inicialmente, o governo teria de apresentar uma meta fiscal "confortável". E, se necessário, alterá-la no próximo ano.
No caso da regra de ouro, seria preciso pedir autorização ao Congresso para ultrapassar o limite da norma. Para não afetar o teto de gastos, as despesas adicionais teriam de ser feitas por meio dos créditos extraordinários.
Couri pondera que não há consenso sobre a possibilidade de uso desses créditos em 2021. Isso porque a pandemia pode não ser mais considerada inesperada, já que está em curso há meses.
De qualquer maneira, embora não atinja o teto, o uso de créditos extraordinários impacta a meta e a regra de ouro. Tudo isso precisaria entrar na conta do governo.
Questionado sobre qual o plano do governo para os gastos adicionais em 2021, o Ministério da Economia não havia respondido até a conclusão deste texto.
Regras fiscais
Teto de gastos
Limita por 20 anos o crescimento dos gastos do governo federal à variação da inflação
Meta fiscal
É o esforço que o governo promete fazer para evitar o crescimento da dívida pública. O valor estabelecido corresponde à diferença entre as receitas e despesas previstas pelo governo para o ano, exceto o gasto com juros
Regra de ouro
Impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como salários, Previdência e benefícios assistenciais
As soluções em 2020
Calamidade pública
Decreto liberou o governo para gastar mais e descumprir a meta fiscal do ano. Com isso, não foi necessário cortar gastos de ministérios para compensar as despesas com a pandemia
PEC de guerra
Criou uma espécie de Orçamento paralelo, voltado ao combate da pandemia. Dispensou o cumprimento da regra de ouro e flexibilizou regras para contratações, obras e serviços
Créditos extraordinários
São recursos adicionais destinados a despesas consideradas urgentes ou imprevisíveis. Não afetam o teto de gastos, mas impactam a regra de ouro e a meta (que foram suspensas em 2020)
Para 2021
O que Guedes deseja
O ministro argumenta que a doença está cedendo e a economia, se recuperando. Por isso, defende a retomada da agenda de reformas estruturantes, ajuste fiscal e medidas de estímulo ao emprego. Afirma, porém, que o governo agirá em caso de segunda onda da pandemia, o que considera improvável
O que técnicos do Ministério da Economia afirmam
Não haverá espaço para gastos extraordinários. A única brecha foi aberta pelo TCU, que autorizou o governo a usar recursos do Orçamento deste ano em 2021, na forma de restos a pagar. Em caso de necessidade de despesas adicionais, o caminho será prorrogar a calamidade pública e o Orçamento de guerra
Eleito presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão terá concurso como desafio
O deputado estadual Evandro Leitão (PDT) foi eleito, ontem, por unanimidade, presidente da Assembleia Legislativa para os próximos dois anos. Do total de 46 deputados estaduais, 44 marcaram presença na sessão e votaram a favor dele. Evandro assumirá a Mesa Diretora em 2021com alguns desafios, entre eles o de retomar o concurso público da Assembleia, suspenso neste ano por causa do novo coronavírus.
Foram eleitos para a nova Mesa Diretora os deputados estaduais Fernando Santana (PT) para a primeira vice-presidência; Danniel Oliveira (MDB) para a segunda vice-presidência; Antônio Granja (PDT) para o cargo de primeiro-secretário; Audic Mota (PSB) para o cargo de segundo-secretário; Érika Amorim (PSD) para o cargo de terceira-secretária, e Apóstolo Luiz Henrique (PP) para o cargo de quarto-secretário.
A chapa encabeçada por Evandro Leitão foi a única que concorreu à eleição que acabou consensual, ou seja, sem a disputa de outros parlamentares. Na sessão de votação, estiveram ausentes apenas os deputados André Fernandes (Republicanos) e Aderlânia Noronha (SD). A nova Mesa Diretora tomará posse no dia 1º de fevereiro de 2021.
O cargo é estratégico não apenas no Parlamento, mas também no Executivo. Os dois últimos prefeitos eleitos da cidade saíram da presidência da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE).
Acordo
Um fator que contribuiu para a unanimidade em torno do nome de Evandro Leitão foi o acordo que ele fez com os deputados de oposição. O grupo pressionava por indicação de cargos na Mesa Diretora e tentou, na última hora, antes da chapa de Evandro Leitão ser anunciada, na última segunda-feira (7), formar um bloco partidário na Casa.
Como eles não conseguiram registrar a tempo o bloco partidário, o grupo de oposição formado pelos deputados Delegado Cavalcante (PSL), André Fernandes (Republicanos), Soldado Noélio (Pros), Fernanda Pessoa (PSDB) e Vitor Valim (Pros) tentou se articular com Evandro Leitão para conquistar espaços e conseguiu uma vaga de suplente na Mesa para Fernanda Pessoa.
Discurso
No primeiro discurso após ser eleito presidente da Assembleia, Evandro Leitão agradeceu o apoio dos parlamentares citando os nomes dos colegas de partido, Sérgio Aguiar, Tin Gomes e Salmito Filho, que estavam cotados para a indicação à Presidência no PDT.
O presidente eleito disse que vai estimular a produção legislativa e realizar parcerias com os Poderes Executivo e Judiciário, que, segundo ele, teria o objetivo de estar mais próximos dos “cidadãos cearenses”. No início da gestão, destacou que vai priorizar a construção de um plano de retomada dos trabalhos na Assembleia, em 2021, no período pós-pandemia e apontou outras prioridades.
“Vamos implantar o Departamento de Saúde, que está em fase final. Depois, tudo que está sendo feito de acessibilidade na Casa. Terceira ação que vamos priorizar é o Regimento Interno. Nós vamos trabalhar bastante para que a gente possa finalizar os trabalhos e quarta ação a questão do canal (de diálogo) com a sociedade”, disse.
Desafio
Um dos desafios que Evandro Leitão terá quando assumir a Mesa Diretora no ano que vem é a realização do concurso público, que foi suspenso, neste ano, por causa da pandemia. O certame oferta 100 vagas na Assembleia Legislativa e teve cerca de 30 mil inscritos.
“É uma das nossas missões nós fazermos esse concurso. Nosso presidente José Sarto iniciou esse processo, mas que devido à pandemia teve que ser suspenso. Mas, logo que possível, sempre respeitando as autoridades sanitárias, nós iremos dar prosseguimento e o quanto antes iremos lançar esse concurso”.
Evandro assumirá a presidência no lugar do deputado Sarto Nogueira, eleito prefeito de Fortaleza. Sarto tem até o dia 31 de dezembro para renunciar ao mandato e ao cargo na Mesa Diretora.
O concurso foi um dos projetos de Sarto. Ele chegou a afirmar que o certame seria realizado ainda neste ano, mas não foi possível devido as consequências da pandemia da Covid-19. LETICIA LIMA/ DN
STF apenas suspendeu o golpe sujo no Congresso
09 de dezembro de 2020 | 03h00
A apertada vitória – por 6 a 5 e 7 a 4 – da democracia, garantida pela Constituição, que desautorizou a reeleição dos presidentes do Senado e do Congresso, David Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, deve ser recebida com alívio. Mas não pode ser comemorada como definitiva. Não apenas pela margem, mas principalmente por circunstâncias e motivações do placar vitorioso.
Critica-se muito, e com toda a razão, a votação virtual, quase nunca virtuosa, de turmas e plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). No caso, contudo, não é de todo improvável que o resultado fosse o inverso, ou talvez com um pouco mais de folga, se ela tivesse sido presencial. Os repórteres responsáveis pela cobertura do Judiciário não se enganaram quando previram a aprovação do relatório de Gilmar Mendes, que abriu larga margem na quinta-feira e só foi revertido no domingo à noite, no fechamento (ainda provisório) da questão. Protegida pelo anonimato de fonte, a posição de ministros que votaram a favor da questão apresentada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sob a égide do delator do mensalão, Roberto Jefferson, não a assumiram, mas expressaram, em confiança, explicitamente.
Talvez numa sessão presencial esses ministros não tivessem mudado sua opção por mais um abandono de seu dever funcional de manter a letra da Carta Magna com a intenção de impor uma nova derrota humilhante ao presidente da República, Jair Bolsonaro, que só queria o impedimento da reeleição do filho de César Maia. A péssima repercussão desse lance de xadrez, contudo, os fez perceber que o motivo real do golpe poderia ser, de fato, seus membros não se arriscarem à abertura de processos de impeachment por algum deputado que ocupasse o lugar do atual presidente, que já deu provas de não estar disposto a abrir o processo contra o chefe do Executivo, e também contra alguns deles.
A reação à virada de mesa com o tabuleiro junto, da forma como foi feita, serviu para lhes mostrar que votar a favor do atropelamento da ordem constitucional vigente terminaria por dar mais força ao relator Gilmar. E reduzir o poder institucional do presidente neste biênio, Luiz Fux. A quem, aliás, restou decidir, em voto de Minerva. Ainda que tais conjeturas não passem de conversa de “perus” (que rondam rodadas de pôquer sem mexer nas cartas nem apostar), a votação à distância, tal como feita, permitiu pôr em questão algumas conclusões apressadas a respeito do comportamento nada ético dos componentes atuais do pretório que nada tem de excelso.
Alguns ingênuos incautos que acreditam em duendes na floresta e desconhecem a sabedoria popular, que reconhece que de boas intenções os cemitérios são lotados, reproduzem a baboseira de que a natureza vitalícia do posto supremo reduz a gratidão dos afilhados pela própria escolha por seus padrinhos. Com pressa natural em marinheiros de primeira viagem, o noviço da grei, Kassio Nunes Marques, fez tudo o que o patrono, Jair Bolsonaro, mandou e o padrinho, Gilmar Mendes, abençoou: retirar Maia do páreo e nele manter o fiel Alcolumbre. A vitaliciedade não garante a lealdade, mas interesses comuns inspiram obediência de afilhados. Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes seguiram o relator com a desfaçatez própria de quem se sabe inalcançável pela cobrança cidadã.
Gilmar não se tornou adversário impenitente do combate à corrupção por zelo pela Constituição, mas por amor à própria gula. Toffoli é o principal avalista da aliança sórdida de Bolsonaro, seu amigo recente, e Lula, seu paraninfo desde sempre, de lhes garantir condições para disputarem segundo turno, conveniente, quiçá indispensável, para ambos, em 2022. Chegou a votar contra a própria decisão monocrática que interrompeu por seis meses as investigações de crimes financeiros contra o erário para evitar que Flávio Bolsonaro e Gilmar fossem investigados. Lewandowski associou-se a Kátia Abreu para permitir a Dilma Rousseff disputar (e perder feio) eleição para o Senado em Minas. Moraes nunca se desculpou por ter decretado censura vexatória à revista Crusoé para acudir o então presidente do STF, que lhe deu plenos poderes para investigar, julgar, condenar e punir a ousadia de publicar um documento de fé pública.
O decano Marco Aurélio Mello abriu a dissidência óbvia em favor do pedido do PTB e da letra constitucional, não por amor à plebe difusa e, para ele, ignara, que desprezou ao soltar o traficante André do Rap e ratificar seu voto na oportunidade de mudá-lo. Rosa Weber apegou-se à literalidade da regra, assim como antes dera voto decisivo para negar a possibilidade de prender condenado em segunda instância. Na presidência do STF, Cármen Lúcia permitiu a Renan Calheiros cuspir na decisão da Corte de desalojá-lo da linha sucessória presidencial.
Em 12 de julho, Bolsonaro terá mais uma chance de nomear um ministro do Supremo para chamar de seu. E este poderá dar o voto decisivo em eventual embate a se tornar necessário para enfrentar o acordão dos três Poderes pela impunidade dos compadritos desta republiqueta do conchavo.
JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
Aplicativo, a volta do lotação
09 de dezembro de 2020 | 03h00
A facilidade de usar, como o ar, e o caráter espetacular e simples da invenção tem sido um entrave para entender o ataque a padrões civilizatórios que está por trás do casamento da informática com a internet.
A rede e suas ferramentas tomaram o lugar da cautela e da cultura. Sob a capa de parcerias técnicas e funcionais, o aplicativo nem sempre é o que parece. Cega o poder, muda o tutor da burocracia, viola a obediência às leis e ao dever de observar o interesse público.
O deslumbramento com a informatização de tudo, sem controle, fiscalização, garantia de qualidade e atendimento, encobre o fato de que o uso desregulamentado da tecnologia aumenta a falha humana na parte principal que nos distingue dos predadores, a ética e o interesse coletivo. Um aplicativo pode ser um veículo rápido de um crime perfeito. Ou fazer o ilegal parecer legítimo.
A competição pela superioridade dentro dos governos pode levar bons ministros ao exagero. O mais frequente é o elogiado não aceitar ponderação e diálogo que perturbem seu conforto. A boa autoridade da área da regulação sabe que a verdade sempre suporta um exame. E se a nova verdade não constar da Constituição, ela não pode ser implantada por decreto. E de nada adianta usar a expressão “liberdade de mercado” para esconder o desejo de conceder autorizações individuais. Liberdade, a liberdade costuma fingir que é anjo para poder agir como fera.
Se a autoridade desconhece a Constituição e assim leva outras autoridades à ilegalidade, a corrosão da vida em sociedade é certa, como a ferrugem deteriora o ferro. Um governo liberal não é um governo inconstitucional. O liberal sabe que o liberalismo não significa tolerância com atividades econômicas tocadas de forma desregrada.
Observe os constantes e rotineiros acidentes mortais com ônibus. Aguarde o ônibus-aplicativo, a evolução do descontrole que produziu os desastres de Itaguaí e João Monlevade. O que está acontecendo são tragédias programadas pela improvisação e a confusão regulatória que não protege o cliente, desconhece a respeitada tradição das empresas sérias, compara regras para concessão de ferrovia com rodovia, trilho com estrada, carga com passageiro, commodities com lotação.
Ao autorizar um serviço regular inadequado de transporte de passageiros, pressionado pelo lobby do ônibus sem rodoviária, visto como lotação fretado por aplicativo, o governo mira na força de atração do potencial do mercado desregulado, no lucro de só sair lotado e numa viagem só, por itinerários próprios e rotas superpovoadas. Pura extorsão de demanda. Não estamos falando de transporte público, muito menos do interesse social do usuário. Não é também fretamento contínuo de empresas e escolas para trabalhadores e estudantes ou fretamento eventual ou turístico, já regulamentados.
O que está em vigor é o precário e dirigido critério da autorização para impulsionar a competição predatória. Autorizar a não ter responsabilidade pública e poder fugir de rotas impopulares, de horários regulares e de ter de sair com poltronas vazias. Sem falar no risco que correm os passageiros e do caráter clandestino que pode rapidamente caracterizar a modalidade.
O decreto que deu origem a essa precariedade regulatória tem como objetivo instituir a exploraçãio do serviço público de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros pelo regime de autorização. Como a Constituição diz expressamente que o regime de concessão e permissão se fará sempre por licitação, toda a iniciativa é inconstitucional e desorganizadora do sistema de transporte coletivo.
Como está travada sua discussão no Ministério da Infraestrutura, no Senado e no Supremo, revela a gravidade do jogo não cooperativo que prevalece entre os três Poderes, pondo em risco a garantia de deslocamento e o direito à locomoção segura do cidadão. Se a visão do governo prevalecer., o que teremos no País é o princípio da escolha livre dos itinerários. Não é preciso dizer que somente os lucrativos serão ofertados à̀ população. Os passageiros de localidades que não forem consideradas economicamente viáveis perderão o direito de andar de ônibus.
Evidente que chamar isso de livre concorrência ou regime de liberdade de preços é uma boa maneira de dizer que não haverá obrigatoriedade de manter o serviço seguro e adequado, nem o controle público das tarifas cobradas dos usuários.
Do jeito que está, o que acontece não é bem o compromisso com a competitividade leal e transparente, razão da exigência de processo de licitação. O que está havendo é um acúmulo de discricionariedade nos computadores da burocracia. Onde o gestor estatal, seguro de que tudo pode, anda escolhendo quem vai fazer parte do setor mais lucrativo do mercado de transporte do País. O que nunca será deficitário, pois só embarca quem lhe interessa.
Por mais modernos e legais que pareçam os critérios de escolha, além de não operarem sobre o mundo real do transporte de passageiros, simplesmente não são os previstos pela Constituição.
SOCIÓLOGO. E-MAIL: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
Sucessão no Senado: veja candidatos e disputa entre partidos após saída de Alcolumbre
Gustavo Maia e Julia Lindner / O GLOBO
Senadora Simone Tebet e o senador Tasso Jereissati durante sessão da CCJ da Previdência Foto: Adriano Machado / Reuters
BRASÍLIA - A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a possibilidade de reeleição nas Mesas Diretoras do Congresso embaralhou — ainda mais do que na Câmara — o processo de sucessão de Davi Alcolumbre (DEM-AP) no Senado. O atual presidente avisou a aliados que não vai recorrer da decisão e pretende trabalhar por um sucessor independente do governo, do qual era tido como o preferido até então.
Diferentemente de outros anos, a corrida pela eleição do Senado demorou a tomar forma, já que os parlamentares aguardavam a decisão do STF para marcar posição. Caso tivesse aval do Supremo, a vitória de Alcolumbre em eventual votação no plenário era o cenário mais provável, com respaldo de grandes partidos como MDB, PT e PP.
Bela Megale: Veto à reeleição de Maia e Alcolumbre acirra divisão no Supremo
Agora, o mesmo MDB, dono da maior bancada no Senado, com 13 parlamentares, tem pelo menos quatro nomes interessados na vaga, três deles alinhados ao Palácio do Planalto. A candidatura ou não desses senadores pode servir de termômetro para o apoio do governo na Casa. Devem pleitear uma candidatura os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (TO), além do líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM).
Com perfil mais independente, a senadora Simone Tebet (MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), não é alinhada à cúpula da legenda e já falou com pessoas próximas que vai entrar na disputa mais uma vez — em 2019, ela desistiu de concorrer ao ter o seu nome preterido pelo do senador Renan Calheiros (AL) pela maior parte da bancada do partido. Além de ser um nome que consiga reunir apoio de outras legendas, um dos principais desafios do eventual candidato do MDB será reunir consenso dentro da bancada.
Para um integrante do MDB no Senado, a sigla não pode cometer o mesmo erro de dois anos atrás, quando rachou ao ter que decidir entre Renan e Simone. Há, ainda, dúvidas sobre a possibilidade de o MDB perder votos de grupos como o Muda Senado se insistir num candidato alinhado do Planalto. Simone Tebet, neste cenário, surgiria como solução, embora tenha resistências na sua própria bancada.
Parlamentares que defendem o nome dela destacam que seria a primeira mulher a assumir o Senado. Recentemente, a senadora foi citada como possível candidata à Presidência da República em 2022 pelo presidente da legenda, deputado Baleia Rossi. O discurso faz parte da estratégia da sigla de tentar renovar sua imagem.
Pautas econômicas
Alcolumbre ficou incomodado com o apoio do Planalto ao abaixo-assinado de vários partidos contra a possibilidade de reeleição, que tinha o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como alvo. Ele considera que a pressão contra uma reeleição do presidente da Câmara e uma posição que seria pouco incisiva de Maia em negar uma nova candidatura acabaram por dificultar sua situação. O presidente do Senado disse a interlocutores que não pretende apoiar nomes ligados ao governo. Um dos nomes que tem sido citados por ele é o do atual vice-presidente da Casa, Antonio Anastasia (PSD-MG), que reluta. O PSD tem hoje a segunda maior bancada do Senado, com 12 congressistas.
Outro senador considerado independente ao governo, apesar de ter alinhamento em pautas econômicas, é Tasso Jereissati (PSDB-CE). Enquanto alguns de seus correligionários já anunciaram a sua candidatura, Tasso não formalizou a intenção de disputar a vaga e pode apoiar outro nome, como Tebet.
“Não está cedo nem tarde para trabalharmos o nome de Tasso Jereissati. Nós do PSDB temos 30 dias para mostrar que é o melhor nome nesse momento para aglutinar os apoios necessários”, escreveu o senador Plínio Valério (AM) no Twitter.
Antes mesmo da decisão do STF, os senadores Major Olímpio (PSL-SP) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) anunciaram suas candidaturas, mas têm pouca viabilidade.
No rio Paranapanema, seca prejudica também pesca, turismo e navegação
A barragem da Usina Hidrelétrica de Capivara, no Paraná, tem atraído a atenção dos moradores da região. Junto à “Ponte Caída”, divisa dos municípios de Sertaneja e Sertanópolis, o braço do rio Tibagi, que alimenta a usina, secou tanto que a ponte da antiga estrada, que tinha sido encoberta pelas águas da represa de Capivara, está completamente aparente.
Em épocas normais somente a parte da estrutura do lado mais alto da ponte podia ser visto e em épocas de cheia a ponte desaparecia completamente. Não só a ponte está à mostra, mas também dezenas de árvores mortas que ficavam submersas.
No local as águas recuaram mais de 100 metros em cada margem, transformando o leito da represa em pasto ou deixando o lodo rachado com fendas de mais de 20 centímetros de profundidade.
A situação do Tibagi, que é parte da bacia do rio Paranapanema, ilustra bem a gravidade da crise hídrica que se abateu sobre as principais bacias produtoras de energia do país em 2020, que vem obrigando o governo a acionar térmicas mais caras para poupar água nos reservatórios.
Considerado a principal caixa d'água do setor elétrico brasileiro, o subsistema energético que envolve as regiões Sudeste e Centro-Oeste está hoje com pouco mais de 16% de sua capacidade de armazenar energia em hidrelétricas.
Em entrevista nesta segunda (7), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que o governo vem tomando as medidas para garantir o abastecimento e negou possibilidade de racionamento de energia no país.
"Não há possibIlidade alguma de racionamento nem de blecaute por conta dessa situação hídrica", afirmou, destacando que os dois últimos meses tiveram os piores volumes de chuva da série histórica. Para dezembro, as autoridades do setor elétrico também esperam chuvas abaixo da média.
Um dos rios mais importantes de São Paulo, que faz a divisa do estado com o Paraná, o Paranapanema recebeu apenas em um mês de 2020 volume de chuvas equivalente à média histórica. Nos outros, os volumes ficaram bem abaixo, mantendo uma tendência que já vem sendo observada nos últimos anos.
"Vem um chuvisqueiro que serve só para manter a agricultura", lamenta Nicolas Carmona Carmona Nebreira, 68, que é proprietário de um pesqueiro na região e diz que a situação se repete pelos últimos cinco anos. Nebreira lembra que outras atividades econômicas, como pesca e turismo, também são afetadas pela crise.
“[O município paranaense] Primeiro de Maio é uma região turística do Paraná que depende das águas da represa", afirma. "E com o nível baixo o turismo é prejudicado e a cidade toda sofre. Tive uma retração de uns 60% em meu negócio."
Seu vizinho teve que interromper a atividade de aquicultura, pois não há oxigênio suficiente na água para a criação de peixes em tanques rede. Mesmo que sai de barco para pescar, só encontra peixes pequenos: os maiores fugiram em busca de mais água.
Os rios Tibagi e Paranapanema têm dez hidrelétricas, três delas com reservatório para armazenar água. A situação é ruim em todas: Chavantes está com 21,94% de sua capacidade, Jurumirim tem 14,89% e a maior delas, Capivara, tem 5,59%.
Flávio Santiago, 38, costuma frequentar a represa de Capivara para pescar e afirma que nunca tinha visto o nível das águas tão baixo. "Com o nível normal, as águas ficam a poucos metros da ponte, mas agora para chegar na beirada tem este barranco todo", aponta.
Marcas escuras nas pilastras de sustentação da ponte indicam que a água já chegou a bater uns 9 metros do nível atual. O baixo nível da represa de Capivara impede a saída de barcos a motor, diz o construtor autônomo Odair Valdivino, 54, pelos riscos de que as hélices batam no fundo do rio ou em barcos.
Valdivino costumava pescar e navegar de caiaque na represa, mas diz que atualmente, em muitos lugares só é possível chegar de caiaque. Ele usa a ponte da antiga estrada como exemplo do ineditismo da situação. "Em época de cheia não dá para ver nada", afirma. "Agora ela está toda fora d’água."