Eleitor se moveu para a direita, e derrota de Bolsonaro é impressão, afirma Haddad à Folha
Para Fernando Haddad (PT), 57, o centro não foi o grande vitorioso em 2020. Ele vê um deslocamento do eleitorado para a direita e para a extrema direita e não crava uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Bolsonaro administra tudo muito mal. Inclusive o próprio prestígio de que ainda goza”, diz em entrevista à Folha.
Haddad afirma trabalhar para que o ex-presidente Lula (PT) seja candidato à Presidência em 2022 e evita se colocar no jogo, embora tenha sido o plano B em 2018.
O ex-prefeito petista diz que houve frustração em seu partido com a eleição municipal, embora avalie que a sigla mantém seu tamanho —mesmo após perder prefeituras. Foram 652 cidades conquistadas em 2012, contra 256 em 2016 e 183 neste ano. Em 2020, a população governada pelo PT se manteve nos cerca de 6 milhões registrados em 2016.
A avaliação entre políticos de é a de que, na eleição de 2020, o bolsonarismo e o petismo perderam, enquanto o centro cresceu. Concorda? A minha avaliação é outra. Bolsonaro administrou mal seu próprio cacife político, e isso passa a impressão de que ele foi o grande derrotado. Mas, se considerarmos que o bolsonarismo é uma recidiva do período autoritário com requintes de obscurantismo, vamos verificar que os partidos que, de alguma forma, descendem da matriz autoritária foram os que mais cresceram. O PT ficou no tamanho de 2016, com uma leve vantagem. PSDB, MDB e PSB foram os partidos que mais perderam espaço.
Houve um deslocamento do eleitorado para a direita e para a extrema direita, mas menor do que eu esperava. O que coincide com um período em que o bolsonarismo não está tão mal avaliado, com aprovação na casa de um terço. E obviamente isso tem muito a ver com o regime fiscal do combate à pandemia, foi despejado muito dinheiro na economia —contrariando o próprio governo, que queria investir muito menos.
Quais partidos de tradição autoritária cresceram? O PP, o próprio PSL, Republicanos, DEM. Estou falando em número de votos no primeiro turno.
É prematuro dizer que Bolsonaro pode não ser reeleito? É prematuro. Os próximos dois anos estão envoltos em indeterminações, porque o ano de 2020 foi atípico. Foram investidos quase meio trilhão de reais para sustentar a economia numa situação dramática.
Políticos de centro dizem que a população rejeitou radicalismos, mencionando PT e Bolsonaro. Como vê o PT na cadeira de radical? É uma técnica de comunicação, mais do que uma definição. Qualquer cientista político sabe que o PT é um partido de centro-esquerda, sempre foi tratado dessa maneira. Se o jogo político fosse limpo, continuaria sendo tratado assim. Faz parte da narrativa desses partidos de ter escolhido um extremista em 2018. É um pouco para limpar o currículo, dizer que estavam entre dois extremos, mas isso é uma fantasia, é pouco verossímil.
Por que Bolsonaro não emplacou quem ele indicou? Há um aumento da rejeição a Bolsonaro, mas isso não contradiz o fato de que houve um deslocamento do centro para a direita, sobretudo do eleitorado do MDB, PSDB e PSB. Bolsonaro administra tudo muito mal. Inclusive o próprio prestígio de que ainda goza. Ter um terço de aprovação sem nenhuma entrega é considerável. Até por inexperiência, ele está ocupando a Presidência da República, não está exercendo o cargo.
Por outro lado, o PT e a esquerda encolheram. Não acho. O PT teve um número um pouquinho maior de votos do que em 2016 —nos grandes centros, justamente onde o bolsonarismo teve aumento de rejeição. O PT decresceu nas pequenas cidades, onde o auxílio emergencial faz muita diferença. Tudo somado, o PT ficou do mesmo tamanho.
Em comparação com 2016, seu pior momento. O PT imaginava que fosse angariar um apoio maior do que teve em 2016 e isso não aconteceu. Mas quando se fala que não ganhamos em nenhuma capital… Nós ganhamos Rio Branco (AC) em 2016, que é menor que as quatro cidades onde ganhamos no segundo turno em 2020. O PT teve um desempenho melhor nas médias e grandes cidades e perdeu apoio nas pequenas, ficou do mesmo tamanho. O que frustrou as expectativas, já que o partido imaginou que fosse recuperar pelo menos uma parte do que perdeu em 2016 .
Não vê erros de condução na direção do partido? Pode ter havido em campanhas específicas, mas um erro geral, não.
Considerando Boulos em São Paulo, não faltou renovação no PT? Mas o PT lançou um candidato novo também [o ex-secretário municipal e ex-deputado Jilmar Tatto].
Um nome que está na política há mais tempo, não é a juventude que Boulos representa. Foi uma eleição que favoreceu muito o recall. O fato de Boulos ter sido candidato a presidente deu uma vantagem a ele muito grande. Ele tinha uma rede social já muito bem estruturada. Boulos conta com apoio do PSOL muito entusiasticamente, é um candidato que está sendo trabalhado pelo partido como um todo. Ao contrário do PT que não trabalha em torno de figuras específicas e sim mais no global. Teve muita migração de votos do PT para Boulos.
Como as chances eram de repetir em São Paulo o que aconteceu no Rio, muita gente resolveu apostar as fichas em alguém que fosse mais representativo desse pensamento progressista. Como Tatto era menos conhecido e Boulos largou na frente, acaba acontecendo isso. O que aconteceu com Boulos em 2018 foi exatamente isso, com sinal trocado. Ele teve 0,6% dos votos.
O PT errou ao lançar Tatto? Achava difícil o PT, que governou a cidade em três mandatos, não lançar um candidato. Sempre vai haver essa discussão. Recife, São Paulo e Rio vão ser discutidos futuramente sobre a condução da direção do partido.
Era melhor ter feito aliança com PSOL e PC do B? Para isso, teríamos que ter partido do tabuleiro nacional. Não poderia ter sido uma negociação cidade a cidade.
Qual o papel de Boulos agora? Eu gosto muito dele. Um bom quadro, uma boa novidade para a esquerda.
Pode ser candidato à Presidência? Compor chapa com o PT? A minha posição sobre 2022 está muito ligada ao fato de eu estar lutando muito para que Lula recupere seus direitos políticos, sobretudo depois da desmoralização de Sergio Moro. Espero que o Judiciário faça justiça e nós possamos seguir com Lula candidato.
Esse HC [habeas corpus] tem dois anos que foi pedido e é uma demanda jurídica que tem precedência sobre as outras. Acumulam-se evidências e provas de parcialidade do [então] juiz. Eu não sei mais o que precisa acontecer para que o sistema de justiça reconheça que houve clara violação de direitos fundamentais.
Boulos disse à Folha que vai trabalhar pela união da esquerda. Acho muito difícil o PSOL e o PC do B abrirem mão de candidatos próprios em função da cláusula de barreira. A união mais relevante é a de segundo turno, é garantir que quem quer que vá para o segundo turno derrote Bolsonaro. Para não acontecer o que aconteceu em 2018, quando setores democráticos resolveram apoiar a extrema direita para prejudicar o PT.
A centro-direita apoiaria a esquerda contra Bolsonaro no segundo turno? Temos [Luciano] Huck, Ciro [Gomes] e [João] Doria. Tem que perguntar para eles se votariam no Bolsonaro. Acho engraçado que o jornalismo não pergunte isso para aqueles que votaram no Bolsonaro em 2018. Se eles nos acusariam de extremista para justificar o voto no verdadeiro extremista ou não. Conheço tucanos que não repetiriam o voto no Bolsonaro e tucanos que repetiriam. Isso é relevante para mostrar quem é de fato extremista.
E se o PT tiver que apoiar qualquer um desses três contra Bolsonaro? Para não fazer exercício de futurologia, o PT declarou voto no Eduardo Paes [no Rio], que é do DEM. Em tese, a gente sabe distinguir um fascista de um não fascista. Aparentemente, quem não sabe é a direita.
O PT só trabalha com a hipótese de Lula candidato? Essa discussão ainda não está instalada, a não ser nessa semana que dois petistas se declararam candidatos, Jaques Wagner e Rui Costa. Mas não tem movimentação para calendário de prévias, o que seria razoável.
O sr. é candidato ao Planalto? Vamos ter um primeiro semestre decisivo, porque acredito que o Supremo vai pautar o julgamento. Se, como eu espero, o Supremo reconhecer que Sergio Moro não julgou de forma imparcial o presidente Lula, acho que as coisas se resolvem de uma maneira. Caso contrário, a direção nacional vai estabelecer alguma forma de consulta.
Se Lula puder ser candidato, vai ser ele, sem discussão? Ele teria que ser ouvido. No PT, por unanimidade ele seria ungido representante até por toda a violência que ele sofreu.
O PT precisa se libertar de Lula? PT e Lula são eventos indissociáveis e mutuamente dependentes.
O PT ter tido um resultado aquém do esperado com Lula solto indica enfraquecimento dele? É muito difícil transferir voto para a ponta. Eleger um sucessor é uma coisa, eleger governador e prefeito depende de mil condicionantes locais.
O PT se perdeu na sua burocracia ou está no rumo certo? O PT tem 40 anos. Já é um milagre a existência do PT no Brasil. O PT não estava no roteiro histórico desse país e, de certa maneira, o antipetismo se impõe por isso. E ele vai errar e acertar e pra isso que se faz balanço interno. O Brasil sem o PT tem o passado pela frente.
Insistir em Lula não é um erro, não se mover pra frente? O erro é aceitar uma arbitrariedade como essa. É trocar um eventual, duvidoso e imoral ganho de curto prazo imaginando que nós não seremos julgados pela história quando tudo ficar devidamente esclarecido.
Em 2022, o PT pode abrir mão de ser cabeça de chapa? O PT nunca impôs nada, isso é fantasia. Ninguém pergunta ao PSDB se ele tem vocação hegemônica. Eles ficaram em que lugar em 2018? O PT e o PSDB estruturaram a política pós redemocratização. Eu acho impossível o PSDB não ter candidato à Presidência. O PT já abriu mão de vários estados em função de alianças nacionais. Acho muito difícil PT e PSDB não terem candidatos.
Moro agora trabalha numa consultoria que atende a Odebrecht, ele ainda tem condição de ser candidato? No Brasil, nada se enterra. Não conseguimos enterrar nada, a escravisão, a monarquia, o Estado Novo. Esse país tem enorme dificuldade de se resolver. Então você vai vivendo com zumbis.
Ele pode ser candidato? Não tenho a menor ideia. Pode. O que eu sempre entendi é que ele era ambicioso.
E Luciano Huck? Projeto pessoal as pessoas podem ter. Uma celebridade sempre tem uma afinidade com uma parte da opinião pública.
O sr. foi colocado na campanha, quando Covas, por exemplo, falava do rombo do caixa na prefeitura. Como se viu na campanha? Lamentei. Covas não precisava ter mentido, ele foi desmentido três ou quatro vezes por agências de checagem. Achei meio vergonhoso para justificar um grande fracasso dessa gestão, que é reduzir em 50% o nível de investimento com muito dinheiro em caixa. Se não fosse a minha gestão, São Paulo estaria na mesma situação do Rio.
Não vou pedir pra ninguém reconhecer isso agora. É bom que esteja no jornal, porque alguém vai ler essa entrevista daqui 20 anos e vai dizer: é verdade. Não peço para reconhecer porque a verdade virou uma brincadeira, não tem aderência.
Fernando Haddad, 57
- É bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia pela USP
- Foi ministro da Educação de 2005 a 2012, nos governos Lula (PT) e Dilma (PT)
- Foi prefeito de São Paulo de 2013 a 2016
- Em 2018, foi candidato a presidente pelo PT e ficou em segundo lugar, com 45% dos votos
Eleição na Assembleia deve ocorrer até dia 10
A eleição para a nova Mesa Diretora da Assembleia deve acontecer nesta semana, até quinta-feira (10). Este será o ato contínuo após o anúncio que deve ocorrer nesta segunda-feira (7) de um acordo entre os parlamentares para a nova composição do comando da Casa para os próximos dois anos.
O deputado Evandro Leitão (PDT) deve ser mesmo o novo presidente da Casa. O partido, aliás, terá dois cargos estratégicos na nova composição como tem na atual. O outro posto será o de 1º secretário, cujo nome deve ser o de Antônio Granja, embora algumas articulações de última hora ainda estejam em andamento. O esforço em todo o fim de semana foi tentar acomodar todos os interesses para o anúncio oficial.
Mais cargos
Os parlamentares teriam até o dia 15 para resolver a situação, mas a articulação, avançada, ensejará, muito provavelmente, uma antecipação desses atos formais.
De acordo com os útimos entendimentos, o PT continuaria com a vice-presidência, cuja indicação seria de Fernando Santana. O MDB ficaria com a 2ª vice-presidência. Os entendimentos envolveram também cargos de comando nas comissões temáticas da Casa.
Acordo verbal
Nas negociações da composição da Mesa anterior ficou dito que a composição atual não se candidataria aos cargos de comando nesta eleição. Alguns parlamentares, principalmente os que tinham interesse em compor os cargos de comando, questionaram o descumprimento desse acordo. Durante os últimos dois anos, entretanto, alguns dos próprios parlamentares duvidavam que esse entendimento verbal fosse cumprido na prática.
Na política não parece ser o forte o cumprimento de acordos como este, principalmente quando há questões maiores em jogo.
Câmara municipal
A Presidência da Câmara Municipal de Fortaleza também caberá ao PDT. O nome é de continuidade. Antônio Henrique, como também antecipamos nesta coluna, tem a preferência do prefeito eleito, Sarto Nogueira (PDT), e já conta com o apoio de, pelo menos, 28 vereadores, uma maioria que garante a permanência dele no comando da Casa. O presidente terá papel ainda mais estratégico neste mandato que se inicia, pois a oposição está em maior número e pode causar dificuldades ao governo eleito. INÁCIO AGUIAR / DN
Amin Maalouf: ‘O mundo está sem uma bússola moral’
06 de dezembro de 2020 | 05h00
A nova guerra fria entre Estados Unidos e China, o crescimento do ódio e da violência em diferentes partes do mundo e uma “floresta Amazônica de informação”, em referência à quantidade de notícias que inundam o cotidiano nos tempos atuais. Esses são alguns exemplos que o escritor libanês Amin Maalouf usa para descrever o momento pelo qual passa o mundo.
Esta semana, Maalouf fez uma palestra no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Depois, concedeu entrevista ao Estadão, na qual abordou a disputa entre China e EUA, a ausência de liderança internacional, o futuro do populismo e até o lugar do Brasil no mundo.
Meu sentimento é de que existem dois riscos principais: a incapacidade de lidar com várias crises, em todos os níveis, e o fato de estarmos caminhando em direção a uma nova guerra fria. Se olharmos para a pandemia, não há resposta mundial. Se pegarmos as preocupações ambientais e todos os fenômenos ligados ao meio ambiente, não há uma mobilização global para enfrentá-las. Enquanto isso, caminhamos para uma nova corrida armamentista, agora entre EUA e China. No momento, vivemos sob a neblina da pandemia. Não temos uma bússola moral. Mas este momento em que o mundo parou é o correto para fazer uma reflexão sobre para onde estamos indo e como corrigir o rumo.
Como o sr. descreveria essa nova guerra fria?
Temos um poder que ainda é o principal, os EUA, militarmente, economicamente e também tecnologicamente. A China vem atrás, mas muito rápido e com muitas cartas na mesa. Claro que também tem fraquezas, mas há realmente um risco de colisão e conflitos em todas as formas: comerciais, tecnológicas, políticas. Provavelmente, haverá uma corrida armamentista, já existe uma disputa para conquistar aliados. Está claro que existe alguma aliança entre China e Rússia, e uma coalizão de países que temem a expansão chinesa, como Japão, Austrália e Índia. Há muitos países e movimentos interessados em ter uma relação forte com a China. E é preciso lembrar que o mundo hoje não é governado por uma ordem global. Tudo hoje é mais fluido e ambíguo. A China não carrega uma ideologia, como a União Soviética tinha, mas há claramente um modelo de sociedade e de escolhas políticas. O que é novo é a posição econômica da China, sem as fraquezas soviéticas, que pode ter um papel que a URSS não conseguiu ter.
Voltando à ideia da bússola moral. Por que ela acabou?
Um dos elementos é a ausência de liderança. Não acho que os EUA ofereceram um exemplo de liderança moral nos últimos anos. Ainda há o elemento da democracia, mas a credibilidade não está lá. E a Europa não está tendo esse papel. Ela não teve capacidade e poder para exercer esse papel. Então, ninguém o exerce. É muito difícil enxergar onde estão os valores. De certo modo, é uma lei da selva. Olhe o que ocorreu no Cáucaso, entre Armênia e Azerbaijão, uma guerra sem intervenção de nenhuma autoridade internacional. Há ausência de uma autoridade que evite guerras e resolva problemas.
Quando Hungria e Polônia desafiam a democracia podemos dizer que a UE está em crise?
A construção do bloco atravessa um momento difícil. O que aconteceu com o Brexit é um alarme real que pode ocorrer em outros países. Ela deveria ter sido construída sobre uma base mais sólida, quase como uma federação, que elegesse o seu presidente por voto popular, que tivesse um chefe do Executivo. Ela precisa da capacidade real de ter um papel e tomar decisões. Mas, infelizmente, é impossível.
Qual o papel da ONU?
No mundo ideal, a ONU deveria ter um papel mais importante, o que não é o caso hoje. Muitos fatores contribuem para seu enfraquecimento. Mas acredito que a ONU seja a única autoridade possível. Uma ONU revigorada, com mais poderes, capaz de intervir de maneira eficiente para resolver problemas. Mas isso depende dos principais poderes. É preciso reformar a ONU, torná-la menos burocrática, revisar seus métodos de tomada de decisão. Ela ainda é um organismo muito interessante.
Como o sr. avalia o aumento da radicalização islâmica?
É muito preocupante. Esse fenômeno está mudando a atmosfera política e intelectual de muitos países na Europa. Países que já tiveram atitudes tolerantes, como Holanda, Dinamarca, Suécia, agora têm certa impaciência com o que está acontecendo. São problemas que estão ficando maiores e ninguém parece ter a solução. A radicalização, por si só, é mais fraca do que já foi há 10 anos, mas há uma violência residual muito difícil de parar. Um jovem influenciado por propaganda, pega uma faca, sai à rua e mata alguém. É difícil evitar isso, mesmo com a melhor polícia e a melhor inteligência.
O sr. diz que a derrota de Trump não foi uma derrota do populismo. Pode explicar melhor?
Fiquei satisfeito de ver que muitos americanos decidiram mudar de governo, pois estava desconfortável com Trump, principalmente por sua personalidade. Mas é preciso olhar a realidade com objetividade: o apoio a Trump foi muito importante. Ele perdeu depois da pandemia e da crise econômica que destruiu tudo o que ele conquistou. Não fossem esses dois fatores, ele provavelmente teria vencido. Então, apresentar o que aconteceu como uma histórica derrota do populismo não parece verdadeiro. Foi um revés para um presidente cujo estilo não agrada a todos, que enfrentou uma situação única. O que ocorreu nos EUA não será determinante para o desaparecimento do populismo.
O sr. diz que vivemos em uma "floresta Amazônica de informação". Como sobreviver nessa selva?
É difícil distinguir o que é verdadeiro do que não é. Hoje, todo mundo pode se expressar e alcançar milhões. O único controle possível é pela educação, para permitir a uma pessoa olhar para uma informação e ter a capacidade de julgar se aquilo é sério ou não. É uma luta que temos de engajar as próximas gerações, pois não será decidida por governos e nem de uma vez por todas.
Qual a posição do Brasil no mundo hoje?
O Brasil tem uma posição interessante e um futuro brilhante. Ele está longe dos conflitos, não é afetado pelas disputas do mundo árabe. É um dos países emergentes que não é puxado por conflitos entre potências e é capaz de manter boas relações com ocidentais e países da Ásia. O Brasil pode evitar pagar o preço de conflitos e tem dimensões que lhe permitem isso, assim como reconstruir sua economia e avançar. Poucos países no mundo têm as vantagens geopolíticas do Brasil.
O ministro surge...e recua - Renata Cafardo*, O Estado de S.Paulo
Fazia alguns meses que não se ouvia falar do ministro da Educação. Depois de mais de um ano nos surpreendendo (no mau sentido) quase diariamente com Abraham Weintraub, o sumiço do novo parecia até um bom sinal. Mas o pastor Milton Ribeiro percebeu que as sombras não são o lugar ideal para quem quer agradar ao chefe do Executivo.
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Em Brasília, muitos já diziam que ele não passaria do começo de 2021. E então, sem sequer comunicar o secretário de ensino superior do Ministério da Educação, editou uma portaria sobre, justamente, ensino superior. Teve ajuda de seus assessores mais próximos que, como ele, pouco entendem como funciona a educação no Brasil. Nos primeiros dias no MEC, Ribeiro perguntou o que era o Fundeb, fundo que financia toda a educação básica no País e precisava de definições urgentes na época.
Na quarta-feira passada, o Diário Oficial publicou uma portaria que determinava que universidades federais e particulares voltassem a dar aulas presenciais a partir de 4 de janeiro. Confusão armada. Federais foram pegas de surpresa e avisaram o desatento ministro que elas têm autonomia em suas atividades acadêmicas. Alertaram também que a pandemia está piorando. E juristas apareceram para lembrá-lo da Constituição, das leis e das regras sanitárias.
O texto da própria portaria era tão confuso que ele mesmo dizia que, em cidades onde houver impedimento, tudo poderia voltar ao online. O objetivo maior parecia ser mesmo armar aquela balbúrdia típica em tempos de bolsonarismo - não importa se é legal, o que vale é estar alinhado com o que pensam o presidente e seu grupo mais fiel.
Na live da semana retrasada, Ribeiro já tinha dado o tom da sua nova fase. Sorridente ao lado de Jair Bolsonaro, contou que esteve no Exército e exaltou a volta do ensino presencial. Não alegou qualquer motivo educacional ou preocupação com as crianças.
Questionado pelo presidente sobre quantos alunos havia no ensino fundamental, nem ele nem seu secretário Carlos Nadalin souberam responder. Fizeram cara de paisagem, sorriram e deixaram o chefe chutar um número qualquer.
Ribeiro lembra Ricardo Velez, o primeiro a ocupar o MEC no governo Bolsonaro. O ministro colombiano chamava ensino fundamental de primário e ginásio. E ficou famoso logo no segundo mês de cargo ao enviar uma carta a todas as escolas do País, como revelou o Estadão, pedindo que os alunos cantassem o Hino Nacional e fossem filmados dizendo o slogan de campanha do presidente recém-eleito. A ideia, assim como a da portaria de agora, pegou de surpresa seus secretários e surgiu depois de uma conversa com Bolsonaro, que “queria ver algo acontecer na educação”.
E, também como Velez na época, Ribeiro voltou atrás. Ambos passam longe do perfil grosseiro de Weintraub. Sem xingar ninguém, o ministro disse que se confundiu e tudo seria corrigido. Avisou que revogaria a portaria horas depois de ser publicada, ouviu representantes de universidades. Mas até agora se espera o que, de fato, vai acontecer.
Também aguarda na mesa de Ribeiro desde outubro uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que recomenda que as escolas possam ter ensino remoto até dezembro de 2021. Mesmo se a pandemia estiver em situação melhor no País, o online é necessário para conseguir manter o distanciamento nas escolas, sem lotar as salas.
Bolsonaro chega ao meio de seu mandato mais uma vez com um MEC inoperante e atrapalhado. E ainda diante de uma crise educacional causada pelo coronavírus. É desolador ver como a manutenção no poder é tão mais importante que as crianças brasileiras fora da escola, sem alimentação, sem aprender nada durante um ano e que esperam ajuda para que possam se desenvolver de maneira digna.
*É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)
O velho casuísmo - Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
O Brasil precisa de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia no comando do Legislativo? Ambos e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal parecem crer que sim. Ou pior: parecem querer convencer o Brasil de que sim, mesmo sabendo que se trata apenas e tão somente de uma briga pela manutenção de um importante naco de poder, num momento especialmente delicado da vida nacional.
O fato é que não, o Brasil não precisa dos dois mais dois anos à frente do Senado e da Câmara, mas sim, caso eles permaneçam lá (com a ajuda suprema), as decisões que eles tomarem terão amplo impacto na vida do Brasil, e não apenas interna corporis das Casas que comandam. O que torna o casuísmo supremo ainda mais deletério para o nosso sempre adiado amadurecimento institucional.
Gilmar Mendes fez um voto tão longo quanto confuso para tentar convencer o País e seus pares de que Rodrigo Maia poderia tentar não o quarto, mas o segundo mandato como presidente da Câmara. E que Alcolumbre pode, sim, se candidatar a mais um biênio na cadeira azul do Senado quando outras raposas que o antecederam bem que gostariam de fazê-lo, se a regra fosse mesmo essa.
Trata-se, como escrevi no BR Político, de querer tratar a Constituição como as irmãs da Cinderella fizeram com o sapatinho de cristal: atochando num pé maior e cheio de joanetes e jurando que serve direitinho.
Acontece que o Brasil vive sob o governo de um presidente da República que já deu inúmeras demonstrações práticas de que gostaria de quebrar o sapato de cristal da Constituição e andar de botinas por aí.
É uma contradição grave que seja justamente a Corte que tantas vezes veio em socorro da sociedade, impedindo atos que atentavam contra o Estado democrático de direito, defendendo o princípio do pacto federativo, e prestes a decidir sobre algo importantíssimo, como a obrigação do Estado de garantir vacina em uma pandemia, resolva fazer um recreio para dar uma forcinha para os amigos do prédio vizinho na Praça dos Três Poderes.
Ao fazê-lo, o STF volta a episódios recentes de triste memória, como aquele em que fatiou o que diz a lei do impeachment de forma textual para assegurar a Dilma Rousseff a manutenção dos seus direitos políticos.
Não surpreende que Alcolumbre, que na própria eleição deixou até de ir ao banheiro para não se levantar da cadeira de presidente do Senado, se lance a essa aventura. Era um novato do baixo clero antes de comandar a Casa, se beneficiou da repulsa nacional a Renan Calheiros e agora quer gozar de mais dois anos de notoriedade. Iria a pé a Macapá por isso.
Mas e Rodrigo Maia? O presidente da Câmara já deixou o baixo clero há tempos. É visto pelo mercado e por setores da sociedade como um garantidor das normas, da legalidade e da previsibilidade. Como esses princípios se encaixam numa narrativa, qualquer que seja ela, para se perpetuar no poder pelo inacreditável período de 2016 a 2022?
Não importa que do outro lado da disputa esteja alguém com as credenciais fisiológicas de Arthur Lira. Isso é fulanizar a discussão. Os 513 deputados que se virem e cheguem a um nome capaz de comandar a Câmara diante do brutal desafio econômico, posto desde já.
Rodrigo Maia tem, até fevereiro, de conduzir a Casa para resolver o nó do fim do auxílio emergencial, da manutenção ou não do teto de gastos e da votação do Orçamento. São tarefas urgentes, que não coadunam com a busca egoica por mais dois anos de poder.
Se for bem sucedido na agenda e se mantiver o importante contraponto que tem feito aos abusos e erros do governo Bolsonaro, terá todas as credenciais para fazer seu sucessor sem precisar se enrolar no tapetão que o STF está disposto a estender diante de seus pés.
*EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTADORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA
O naufrágio - J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
Diante da comédia de circo montada em torno da “reeleição” do senador Davi Alcolumbre e do deputado Rodrigo Maia para os cargos que ocupam como presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, vale a pena sair um pouco da neura cultivada pelo noticiário político e pelas mesas-redondas na televisão e fazer algumas perguntas bem fáceis de responder. A primeira é: “Existe uma única pessoa, no Brasil e no mundo, que esteja pedindo a reeleição de qualquer dos dois – salvo eles próprios, suas famílias e seus amigos?” A resposta – não, não há ninguém pedindo nada – já resolve 90% da questão, não é mesmo? Se toda essa novela de terceira categoria se resume a atender aos interesses pessoais dos envolvidos, não faz o menor nexo violar abertamente a Constituição, em parceria com o STF, só para deixar contentes o senador e o deputado.
As outras perguntas possíveis são igualmente elementares. O que a população brasileira teria a ganhar na prática com a permanência, até o momento ilegal, de Alcolumbre e de Maia nos seus empregos atuais? Nada, outra vez. Qual a grande emergência nacional que poderia recomendar uma mudança na Constituição para legalizar os desejos desses dois cidadãos? Nenhuma. Enfim: qual seria o motivo de interesse público, mesmo teórico, para justificar essa “reeleição”? Nenhum. Conclusão: a história toda deveria ser encaminhada para o arquivo morto, e não sair mais de lá. Só que não: os presidentes atuais do Senado e Câmara continuam sendo tratados pela mídia, pelo mundo político e pelas elites como dois imensos estadistas empenhados no melhor desfecho de uma grave questão nacional. Não há questão nacional nenhuma. Há apenas uma tentativa de atender a interesses individuais.
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Governar para quê?
Nenhum dos dois, pelo que está escrito na lei, tem o direito de continuar no cargo. Alcolumbre, pelo menos, teve a sinceridade de admitir que está interessado no que é melhor para ele. Maia tem feito de conta que é apenas um patriota à espera de decisões superiores; tudo o que deseja é “cumprir a lei”, na condição de defensor número um do “estado de direito” que atribui a si mesmo. Assim sendo, o presidente do Senado pediu que o STF tomasse essa extraordinária decisão que frequentou as manchetes nos últimos dias: declarar que um artigo da Constituição é inconstitucional. O artigo em causa proíbe a reeleição dos presidentes das duas Casas do Congresso, nas condições em que estão os mandatos de ambos.
Mesmo deixando de lado a questão central – a absoluta falta de sentido da reeleição –, deveria estar claro, de qualquer forma, que uma mudança na Constituição só poderia ser feita por emenda constitucional, e só os 513 deputados federais e 81 senadores têm o direito de aprovar emendas constitucionais. Mas não é desse jeito que as coisas funcionam no Brasil de hoje. O Poder Legislativo aceita, com perfeita passividade, a sua submissão ao Poder Judiciário; em consequência, faz o que o STF manda.
Os atuais presidentes do Senado e da Câmara, quando se esquece a conversa fiada, estão em busca de uma coisa só: a manutenção dos poderes, dos privilégios e da vida de sultão à custa de dinheiro público que a Constituição Cidadã lhes garante – vantagens turbinadas pelas constantes “releituras” da lei que os membros do Congresso vivem fazendo em seu próprio favor. O STF, naturalmente, não vai decretar a reeleição dos dois – ou pelo menos não se sugeriu essa saída até agora. Mas é um atestado do naufrágio do Congresso brasileiro que seus comandantes peçam que a lei seja violada – e entreguem o futuro do Poder Legislativo a onze cidadãos que nunca tiveram um voto na vida.
*JORNALISTA