‘Nem Ciro Nogueira consegue recomeçar um governo que apodreceu’, diz Renan
27 de julho de 2021 | 15h06
BRASÍLIA – Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse que o colega Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas, é muito hábil na política, mas não vai conseguir arrumar o governo de Jair Bolsonaro, mesmo ocupando a chefia da Casa Civil.
“Ciro é um político talentoso e habilidoso, mas terá muita dificuldade. Nem Ciro consegue recomeçar um governo que apodreceu pela corrupção”, afirmou Renan.
Na sua avaliação, o “link” entre o governo e o Congresso, atualmente, não se chama Centrão, mas, sim, orçamento secreto. “Só tem um link agora com o Parlamento, que é esse orçamento. Isso não resiste a nenhuma avaliação de constitucionalidade”, disse o relator da CPI. A prática do orçamento secreto, que esconde acordos feitos para divisão das emendas de relator, sob o carimbo de RP9, foi revelada pelo Estadão.
Para Renan, nem com a distribuição de recursos o governo tem situação confortável na Câmara. “O Arthur não despacha o impeachment porque teme perder na própria Câmara”, afirmou o senador, numa referência ao presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), de quem é adversário.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Ter o senador Ciro Nogueira como ministro da Casa Civil ajuda o governo Bolsonaro a driblar a CPI da Covid?
Ciro é um político talentoso e habilidoso, mas terá muita dificuldade. Nem Ciro consegue recomeçar um governo que apodreceu pela corrupção, incompetência, falta de projeto para o País. Eu não vejo alteração, não vejo como recomeçar um governo que apodreceu. Não é tarefa fácil, sobretudo se o Supremo Tribunal Federal desfizer o único link que existe do Executivo para o Legislativo, que é o orçamento secreto. Isso não pode continuar, isso é uma involução. Tiraram todas as regras de transparência, de coletividade e controle social do orçamento. Virou uma peça de alguns.
O orçamento secreto tem segurado o governo?
Não tem segurado. O governo é minoritário no Senado. O Arthur (Lira, presidente da Câmara) não despacha o impeachment porque teme perder na própria Câmara. Por que você acha que ele não despacha o impeachment? Ele poderia recusar os pedidos. Mas, nesse caso, cabe recurso ao plenário e eles (aliados) temem não ter mais maioria. Só tem um link absurdo agora com o Parlamento, que é esse orçamento. Isso não resiste a nenhuma avaliação de constitucionalidade.
O relatório da CPI será apresentado antes do prazo final da comissão?
Não pretendemos gastar esses 90 dias. Talvez tenhamos que antecipar (o fim da CPI), mas o relatório é no final dos trabalhos. Todas as linhas foram comprovadas, essa da vacina indiana Covaxin também foi (resultando no rompimento do laboratório Bharat Biotech com a Precisa Medicamentos). Tudo foi irregular: da mensagem do presidente, em 8 de janeiro, ao primeiro-ministro indiano – no momento em que o governo recusava a Pfizer – até o cancelamento do contrato (com a vacina Covaxin).
O senador Flávio Bolsonaro está mesmo na mira da CPI?
A CPI tem procurado investigar fatos. Não estamos investigando pessoas. Continuaremos investigando fatos com absoluta isenção.
Um desses fatos é a reunião virtual no BNDES, na qual o senador Flávio apresentou Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos?
Ele (Flávio) fez uma intervenção informando que na reunião não foi tratado da Precisa, mas, sim, de uma outra empresa (Xis Internet Fibra). Confessando (fazer parte da rede de relacionamentos do dono da Precisa).
O rompimento da Bharat Biotech com a Precisa muda algo na CPI?
O cancelamento do contrato da Bharat com a Precisa é o reconhecimento da indústria indiana das irregularidades apontadas pela CPI. As investigações serão aprofundadas. Não muda nada. Já temos a prevaricação do presidente (Bolsonaro) e vamos responsabilizar todos que participaram dessa ignomínia com a vida dos brasileiros.
Não é estranho a farmacêutica indiana ser a única a ter uma empresa intermediária no contrato com o governo e só agora decidir negociar diretamente com a Anvisa?
O governo botou um atravessador, botou a Precisa. O Bolsonaro, quando mandou a mensagem ao primeiro ministro da Índia, pediu para comprar (a vacina) já com a Precisa na Índia. Depois o Élcio (Franco, ex-secretário executivo da Saúde) pediu, em março, mais 50 milhões de doses. E ainda não responderam sobre esse pedido adicional. Além disso, houve a questão das clínicas privadas, que a Câmara aprovou e o Senado não apreciou. Tudo no mesmo pacote.
Polícia Legislativa faz perícia em câmeras do prédio de Joice e envia caso ao MPF
27 de julho de 2021 | 14h28
BRASÍLIA – A Polícia Legislativa da Câmara (Depol) afirmou nesta terça-feira, 27, ter feito a perícia em 16 câmeras do prédio onde fica o apartamento funcional da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) e a oitivas de funcionários que trabalham no local. No entanto, não informou oficialmente se encontrou algo suspeito ou não nas imagens analisadas. Em nota, o departamento diz ter enviado inquérito sobre o caso para o Ministério Público Federal. “Caberá ao Procurador da República oferecer ou não a denúncia à Justiça Federal”, informa.
A assessoria da Câmara disse que há segurança nos locais onde se localizam os apartamentos funcionais dos parlamentares. “Os prédios possuem vigilância armada e porteiros, ambos 24 horas por dia, 7 dias por semana. Além disso, há câmeras de segurança e rondas ostensivas, com viatura caracterizada”, diz a nota.
“Demais informações sobre a investigação do caso da deputada Joice Hasselmann, no âmbito do Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados, são sigilosas, conforme artigo 20 do Código de Processo Penal”, diz a nota.
A nota foi divulgada depois de circularem informações extraoficiais de que as câmeras não teriam registrado a entrada de estranhos ou a saída da deputada no fim de semana do incidente.
Ainda nesta terça-feira, 27, a Polícia Civil realizou uma perícia no apartamento da deputada e, na segunda, o carro dela foi vistoriado pelas autoridades.
Também na segunda-feira, 26, Joice prestou depoimento por mais de duas horas na Polícia Civil do Distrito Federal sobre os ferimentos no seu corpo – ela sofreu fraturas e hematomas e relatou ter acordado, ensanguentada, domingo retrasado em seu apartamento funcional, em Brasília.
Com 60% da população vacinada, mortes e casos de covid-19 caem 40%
Com a vacinação de mais de 96 milhões de brasileiros contra a covid-19 com, pelo menos, a primeira dose do imunizante, o número de casos e de óbitos pela doença caíram cerca de 40%, em um mês, de acordo com dados do LocalizaSUS, plataforma do Ministério da Saúde.
Os números consideram a média móvel de casos e mortes de 25 de junho a 25 de julho deste ano. No caso das mortes, a queda é de 42%: passou de uma média móvel de 1,92 mil para 1,17 mil, no período. O número de casos caiu para 42,77 mil na média móvel de domingo (25), o que representa redução de 40% em relação ao dia 25 de junho, segundo o Ministério da Saúde.
Vacinas
O Brasil ultrapassou a marca de 60% da população vacinada com, pelo menos, uma dose de vacina contra a covid-19. Nessa situação já são mais de 96,3 milhões de brasileiros, dos 160 milhões com mais de 18 anos. Apesar da boa marca de primeira dose, segundo dados do vacinômetro do Ministério da Saúde, o número de pessoas com ciclo de imunização completo, ou seja, que tomaram duas doses da vacina ou a dose única é de 37,9 milhões de pessoas. Para que as vacinas sejam de fato eficazes, as autoridades de saúde alertam que é necessário que as pessoas tomem as duas doses. "A medida reforça o sistema imunológico e reduz as chances de infecção grave, gravíssima e, principalmente, óbitos em decorrência da covid-19", destaca o Ministério.
Ainda segundo balanço da pasta, das 164,4 milhões de doses enviadas para os estados, 81,5 milhões são da AstraZeneca/Oxford, 60,4 milhões são da CoronaVac/Sinovac, 17,8 milhões de Pfizer/BioNTech e 4,7 milhões da Janssen, imunizante de dose única. “Todas as vacinas estão devidamente testadas, são seguras e têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para serem aplicadas nos braços dos brasileiros”, destacou o Ministério.
Novas doses
Até o fim de 2021, a expectativa é de que mais de 600 milhões de doses de imunizantes contra o novo coronavírus, contratadas por meio de acordos com diferentes laboratórios, sejam entregues ao Programa Nacional de Imunizações. Somente para o mês de agosto, a previsão é de que a pasta receba, pelo menos, 63 milhões de doses.
Produção local
A partir de outubro, o Brasil deve entrar em uma nova fase em relação à vacinas contra a covid-19 com a entrega das primeiras doses 100% nacionais. É que o Brasil assinou um acordo de transferência de tecnologia da AstraZeneca para a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) que permitirá a produção nacional do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) da vacina de covid-19. Atualmente, o Brasil só produz vacina com o IFA importado.
Edição: Valéria Aguiar e Kelly Oliveira / agência brasil
Por que essa é a reforma ministerial mais importante da gestão Bolsonaro
Por Alessandra Azevedo, de Brasília / exame
Ainda em negociação, a reforma ministerial prometida pelo presidente Jair Bolsonaro deve sair do papel nos próximos dias. O impacto deve ser não só na articulação política, mas também no Ministério da Economia, com perspectiva de desmembramento do "superministério" comandado por Paulo Guedes.
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Não é a primeira vez que o presidente faz uma dança das cadeiras na Esplanada para acomodar o Centrão. Em março deste ano, ele colocou a deputada federal Flávia Arruda, aliada do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no Palácio do Planalto, no comando da Secretaria de Governo.
A diferença é que, dessa vez, o movimento esbarra diretamente na Economia. A ideia é recriar uma pasta que havia sido extinta no início do governo: o Ministério do Trabalho. A mudança sinaliza o fim da era do "superministério" de Paulo Guedes, que uniu Fazenda, Trabalho, Planejamento e Indústria e Comércio na mesma redoma, a da Economia.
Recriar o Ministério do Trabalho significa tirar poder de Guedes e entregar para um aliado de longa data do presidente, Onyx Lorenzoni, que está ainda no comando da Secretaria-Geral da Presidência da República. Com pretensões eleitorais no Rio Grande do Sul, Lorenzoni não deve se manter no cargo por muito tempo, o que abre mais uma brecha no ano que vem.
O Ministério do Trabalho foi criado em 1930, no governo de Getulio Vargas, e extinto por Bolsonaro em 2019. Agora, as atribuições da pasta serão retomadas por conveniência política, o que pode acabar sendo positivo para o governo, na avaliação de Cristiano Noronha, analista da Arko Advice.
"A recriação do Ministério do Trabalho, num primeiro momento, serve pra acomodar um aliado que está sendo deslocado, mas ele também pode acabar tendo um benefício para o governo: dar visibilidade a determinadas ações voltadas para geração de emprego, que sem dúvida vai ser uma das maiores cobranças em 2022", diz Noronha.
O destino da Secretaria-Geral ainda é incerto. A primeira opção era entregá-la a Luiz Eduardo Ramos, hoje chefe da Casa Civil, que ficaria com o senador e um dos líderes do Centrão Ciro Nogueira (PP-PI). Agora, o governo estuda manter Ramos na Casa Civil e colocar Ciro Nogueira na Secretaria-Geral ou na Secretaria de Governo, no lugar de Flávia Arruda.
Há dúvidas, entretanto, sobre a disponibilidade de Nogueira de aceitar uma das secretarias, em vez da Casa Civil, o "coração" do governo. "Vendeu-se para ele a Casa Civil, extremamente forte, então é preciso avaliar como a bancada do PP reagirá a um eventual recuo. Ele é presidente do partido, não é um nome qualquer", pondera Noronha.
Fim do "superministério"
"Podemos dizer que essa é a reforma ministerial mais importante até agora, porque, além de criação de ministério, mexe na Casa Civil e nas secretarias mais importantes, ao lado do gabinete presidencial. O jogo ficou mais sério", avalia o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.
Para especialistas, a disposição do governo de desmembrar o superministério de Guedes, mesmo que, no momento, seja apenas para voltar com o Ministério do Trabalho, abre precedente para uma ideia que já é ventilada há algum tempo: a recriação do Ministério do Planejamento.
O entendimento do mercado é que a pasta do Trabalho é relevante, mas pode ser tocada separadamente. Já o Planejamento seria, de fato, uma perda de força mais intensa para Guedes. A área é responsável por decisões envolvendo o Orçamento da União, considerada um dos mais importantes do governo.
"Existe o risco de voltar o Planejamento, porque, com a criação do Ministério do Trabalho, já trincou a Economia. Eventualmente, a pressão política pode se intensificar de tal forma que a criação de um novo ministério não pode ser descartada", avalia Noronha. Segundo ele, vai depender de como evoluir o relacionamento do governo com o Congresso, a partir da entrada de Nogueira.
Quanto mais pacificado o ambiente ficar, menor a chance de que o governo precise tirar de Paulo Guedes as atribuições relacionadas ao Planejamento, explica o especialista. "Turbulência política pode favorecer a criação de nova pasta ou uma nova mexida na equipe, para acomodar novos políticos", afirma Noronha.
Nesse contexto, a volta do Ministério da Indústria e Comércio também entra no radar. "Abre-se um precedente importante. Pode ser que essa reforma abra caminho para outras mudanças que afetem diretamente a Economia", diz César. As chances de que algum partido do Centrão fique com essa pasta, na avaliação dele, é grande.
César lembra que, embora Bolsonaro esteja abrindo espaço para os aliados políticos, há partidos que ainda não foram contemplados e devem querer projeção. E outros que perderam espaço e podem demandar uma recolocação, como o MDB, lembra Noronha. O partido perdeu com a saída de Osmar Terra do Ministério da Cidadania, em fevereiro.
Também por esse motivo, na visão de César, a ministra Flávia Arruda, do PL, deve ser mantida na Secretaria de Governo. "Ela não tem gerado problemas. E o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, do PL, tem se posicionado contra Bolsonaro. Acho difícil que o governo queira se indispor com o partido agora", avalia.
Fome de voto - Folha de SP
As pesquisas do Datafolha mostram com clareza que a perda de popularidade de Jair Bolsonaro foi mais intensa entre os eleitores de menor poder aquisitivo. Há, sem dúvidas, boas razões para tal.
Do início do ano para este mês de julho, a taxa de aprovação ao governo se manteve estável, em torno de um terço dos entrevistados, nas faixas de renda acima de cinco salários mínimos. Já no grupo com renda até dois salários mínimos, os que consideram a administração ótima ou boa caíram de 27% para 21% no período.
Mais: a maioria de 54% formada em defesa do impeachment do presidente decorre basicamente da opinião dos mais pobres, dos quais 60% são a favor do processo. Nos estratos mais abonados, esse apoio limita-se a 37%.
Os dados indicam, pois, um componente socioeconômico importante no desgaste de Bolsonaro, o que não exclui, claro, o impacto de sua negligência mortal na gestão da pandemia e outros desmandos.
A população de baixa renda é a mais afetada, obviamente, pelo desemprego decorrente da paralisação de atividades para o combate à pandemia. Esse contingente padeceu, no primeiro trimestre, com a interrupção do pagamento do auxílio emergencial, retomado em abril com valores menores.
Além disso, sofre com uma escalada inflacionária concentrada nos preços de alimentos e, assim, mais aguda para os pobres. Como noticiou a Folha com base em cálculos do Ipea, a inflação acumulada em 12 meses é de 9,24% para consumidores com renda até R$ 1.650,50 mensais, ante 6,45% para os que recebem acima de R$ 16.509,66.
Simbolicamente, itens tradicionais do cardápio brasileiro ficaram inacessíveis para muitos, casos do arroz (alta de 46,21% no período) e do feijão (48,19%, o fradinho). Em maio, 36% dos brasileiros na faixa até dois mínimos declararam que tiveram em casa comida abaixo do suficiente.
Tal cenário faz com que se misturem prioridades para a política pública e para a estratégia eleitoral de Bolsonaro —o contingente mais pobre e hostil, afinal, representa 57% dos ouvidos pelo Datafolha.
O governo fala abertamente na ampliação do Bolsa Família a partir de 2022, mas não está claro como ficaria o desenho do programa e qual seria a fonte dos recursos adicionais necessários. São decisões que fazem a diferença.
Ainda que o fortalecimento da seguridade social seja plenamente justificável neste momento, o enfraquecimento do mandatário e a proximidade da disputa presidencial elevam o risco de medidas demagógicas e imprudentes, que acabariam por prolongar a agonia econômica na qual o país está mergulhado há quase uma década.
Obsessão por eleições - O Estado de SP
26 de julho de 2021 | 03h00
Tendo sido deputado federal por sete mandatos, Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 presidente da República. Também conseguiu eleger, para vários cargos e por várias vezes, familiares e amigos. Não se pode dizer que o sistema eleitoral lhe seja prejudicial. Poucos grupos políticos tiveram tamanho êxito nas urnas eletrônicas como o clã Bolsonaro. Por exemplo, com mais de 1,8 milhão de votos, Eduardo Bolsonaro, o terceiro filho do presidente, é o deputado federal mais votado da história nacional.
Paradoxalmente, Jair Bolsonaro tem se dedicado, com intensidade crescente, a criticar as urnas eletrônicas. Pelo teor de suas falas, a pretensão é transformar o assunto em prioridade nacional. O País não vê o presidente da República trabalhando por mais vacinas, pela criação de empregos ou pela aprovação de reformas estruturantes. Mas o tema da suposta fraude eleitoral está constantemente em seu discurso.
Jair Bolsonaro não trouxe nenhuma evidência contrária à urna eletrônica, mas a sua crítica contra o sistema de votação vigente é cada vez mais forte. Não tem limites. Em um primeiro momento, o presidente Bolsonaro disse que as urnas eletrônicas eram suscetíveis de fraude. Era uma acusação grave, que difundia desconfiança. No entanto, sem estar amparada por nenhum indício, a denúncia da suposta fragilidade das urnas não produziu nenhuma comoção especial.
Então, Jair Bolsonaro subiu o tom, em descarada tentativa de criar confusão. Em março do ano passado, durante viagem aos Estados Unidos, o presidente Bolsonaro afirmou ter provas de que sua eleição, já no primeiro turno, em 2018, foi fraudada. “E nós temos não apenas palavra, nós temos comprovado, brevemente eu quero mostrar”, disse.
Até agora, Jair Bolsonaro não trouxe nenhuma prova da suposta fraude. No mês passado, foi instado pelo Supremo Tribunal Federal a prestar informações sobre suas declarações envolvendo as eleições de 2018. Também o Tribunal Superior Eleitoral deu prazo de 15 dias a Jair Bolsonaro para a apresentação de documentos e provas que fundamentem as acusações contra as urnas eletrônicas.
“Eu apresento (as provas) se eu quiser”, disse Bolsonaro a apoiadores. Até agora, repita-se, nenhuma prova contra as urnas eletrônicas foi apresentada. A rigor, tal omissão deveria invalidar a pretensão de suscitar dúvidas sobre o sistema eleitoral. Jair Bolsonaro disse que houve fraude e prometeu provas. Passado mais de um ano, as provas não apareceram e o assunto deveria estar encerrado.
No entanto, contrariando toda a lógica, o presidente Bolsonaro deu um passo além. Agora, afirma que, sem voto impresso, as eleições de 2022 serão necessariamente fraudadas. “Se não tiver o voto impresso, não interessa mais o voto de ninguém”, disse Jair Bolsonaro no início de julho.
Não é mais uma afirmação sobre uma suposta fraude ocorrida no passado ou de uma suposta fragilidade do sistema. É a peremptória declaração de que, sem voto impresso, a fraude será um imperativo. Sem deixar margens à dúvida, Jair Bolsonaro explicitou aonde queria chegar. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse no dia 8 de julho.
Gravíssima, a ameaça recebeu as devidas reprovações de diversas autoridades. O Congresso mobilizou-se para rejeitar a PEC do voto impresso, instrumento do braço parlamentar do bolsonarismo para a campanha difamatória contra as eleições. A proposta ainda não foi oficialmente negada – sua votação na comissão foi adiada para depois do recesso parlamentar –, mas até o presidente Bolsonaro reconheceu. “Eu não acredito mais que passe na Câmara o voto impresso”, disse no dia 19 de julho.
Mas Jair Bolsonaro não encerrou o assunto. No mesmo dia, insistiu na falácia. “Eleições não auditáveis não é eleição, é fraude”, disse. Isso não é opinião política, tampouco faz parte da “dinâmica eleitoral”, como disse certa vez a Advocacia-Geral da União, tentando explicar as declarações de Bolsonaro. Trata-se da campanha mais descarada e sórdida contra o direito de voto e o regime democrático a que o País assiste desde 1988.