Agronegócio bate recordes e cidades do interior veem salto no consumo de luxo
Vinicius Neder e Bruno Villas Bôas, O Estado de S.Paulo
RIO - Produtor de soja na divisa do Maranhão com o Pará, Gerson Kyt decidiu fixar a residência da família no condomínio Alphaville Flamboyant, residencial de luxo em Goiânia (GO), a “capital do agronegócio”. Para encurtar o deslocamento para suas fazendas, comprou em junho um avião turboélice da americana Piper, modelo Matrix. Kyt é um exemplo da ascensão de riqueza vivida nos grandes polos de agronegócio do País, após anos de safras recordes e preços nas alturas.
Esse ciclo de bonança teve sua força renovada neste ano. A receita agrícola com a produção de grãos e culturas perenes deve chegar a R$ 787,9 bilhões – um salto de 53% sobre 2020, segundo projeções da consultoria MacroSector, que leva em conta dados de produção do IBGE e de preços da FGV. Os produtores de grãos devem puxar a expansão da renda, com faturamento de R$ 594,1 bilhões, alta de 68% ante o ano anterior.
Toda essa riqueza extra se reflete em mais vendas de carros, aviões e também no varejo. O desempenho do comércio de janeiro a maio em todo o País foi de alta de 7,2% sobre igual período do ano passado, segundo Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA). Nos polos do agronegócio, essa alta foi de mais de 18%. O desempenho das vendas de veículos também é bem superior à média nacional nas principais cidades do setor agrícola. Essa prosperidade ainda se reflete no comércio de luxo e na venda de jatos executivos.
No caso de Kyt, o avião vai ajudar a economizar tempo de deslocamentos até suas fazendas no Maranhão, onde ele planta 13 mil hectares de soja.
E ele não está sozinho nessa tendência. O pecuarista e empresário Arlindo Vilela, 52 anos, pretende comprar nas próximas semanas um avião turboélice, na faixa de R$ 4 milhões, para substituir dois monomotores. “As distâncias são grandes e as estradas, bem ruins. O avião dá agilidade. Não é barato, mas tem muita serventia. Os passageiros usam botina no avião, ninguém entra de salto”, disse Vilela, que é dono de uma fazenda em Rondonópolis (MT).
Influência
O topo da renda do agronegócio tem levantado voo de outros mercados de luxo. Os emplacamentos de carros “premium” – como Audi, Mercedes, BMW, Land Rover – cresceram em duas “áreas operacionais” de Mato Grosso: Rondonópolis, ao sul de Cuiabá, e Sinop, ao norte, mesma região de Lucas do Rio Verde e Sorriso. A demanda do agronegócio está no radar da alemã BMW, que foca em produtores, profissionais liberais e comerciantes das regiões, informa a marca.
De Brasnorte, noroeste de Mato Grosso, o pecuarista Aldo Rezende Júnior mede a evolução do poder de compra dos produtores em bois. Nas contas dele, há três anos, eram necessários cerca de 60 bois gordos para comprar uma picape. Hoje, são 35. “A valorização do boi, nesse sentido, permitiu ao produtor trocar a picape por uma mais nova, reformar a casa”, conta.
E a influência do agronegócio não para por aí. Consultor de marcas de luxo, Carlos Ferreirinha, ex-presidente da Louis Vuitton no País, afirma que a geração de renda do agronegócio respondeu por mais de 65% do crescimento do setor no País nos últimos seis anos. “O impacto positivo não fica restrito às regiões produtoras, uma vez que os agricultores têm um segundo endereço em grandes cidades”, afirma.
As áreas de alta renda dos bancos perceberam a tendência e têm voltado sua atenção aos endinheirados do interior, com mais de R$ 3 milhões para investir. Dados da Anbima, associação do mercado financeiro, mostram que o setor “private” cresceu 32% de dezembro de 2015 a dezembro de 2020 no Centro-Oeste. Na média nacional, o avanço foi de 11%.
O Santander busca o público do agronegócio ativamente. Hoje, o setor responde por 2% a 3% do segmento de fortunas do banco, mas a intenção é escalar essa fatia para 15% a 20%, explica o diretor do Santander Private Banking, Vitor Ohtsuki. Além do Centro-Oeste, os alvos são o interior de São Paulo e o Sul. “Temos um projeto de crescer o ‘private banking’ como um todo e estamos aumentando a equipe em 60 pessoas. Um dos focos desse crescimento é o agronegócio, exatamente porque é um dos setores que mais crescem no País, mesmo em período de crise econômica.”
Receita do agronegócio se reflete no varejo e em serviços
Mesmo com a crise da covid-19, o agronegócio conseguiu impulsionar as vendas do varejo em geral e do segmento de serviços, como bares e restaurantes, nas regiões produtoras no ano passado. O resultado foi superior ao da média nacional, conforme o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), indicador da empresa de cartões com base nas transações que passam pelas maquininhas, levantadas a pedido do Estadão.
Segundo o indicador, as vendas nacionais nominais (sem descontar inflação) recuaram 10,4% em 2020, efeito do baque da covid-19. Já as 20 cidades líderes da produção agropecuária tiveram alta de 6,2% em relação a 2019. A diferença se manteve em 2021, com alta acumulada de 7,2% até maio, na média nacional, ante salto de 18,4% nos municípios agrícolas. “Se não tivesse a pandemia, o crescimento das vendas nas cidades do agronegócio teria sido ainda melhor? Talvez, mas, mesmo com a pandemia, o desempenho nelas é melhor do que no País como um todo”, afirma Pedro Lippi, chefe de Inteligência da Cielo.
O movimento do agronegócio na economia regional se dá de diferentes formas, segundo especialistas. Produtores e empregados das fazendas gastam no comércio, nos restaurantes e nos salões de beleza das cidades próximas. Fabricantes de maquinário instalam escritórios comerciais e contratam vendedores – que também consomem no varejo. Plantas de beneficiamento da agroindústria, como usinas de etanol e frigoríficos, geram empregos industriais, incrementando mais a demanda.
“O uso da renda que sobra depois dos investimentos no próprio setor vai movimentar a região, incluindo os demais setores. O agronegócio pode criar emprego nos serviços na medida em que gera consumo”, diz o professor Geraldo Barros, coordenador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP.
/ COLABOROU MÁRCIA DE CHIARA, DE SÃO PAULO
CPI da covid: baixa no ‘G7’ estremece grupo de senadores que pressiona Planalto na comissão
Natália Portinari, Julia Lindner e Paulo Cappelli / O GLOBO
BRASÍLIA — Grupo composto por senadores independentes e de oposição ao governo que atuam na CPI da Covid, o chamado “G7” perdeu um integrante. Ainda assim, essa ala, que costuma dar dores de cabeça ao Palácio do Planalto, mantém a maioria na comissão, que tem 11 titulares. Integrantes do agora “G6” estão convencidos de que o senador Eduardo Braga (MDB-AM) abandonou o bloco após sofrer assédio por parte do governo e, também, por ter se desentendido com seu conterrâneo Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, durante uma das sessões.
Quem é quem: Atravessadores, coronéis, reverendo, fiscal, saiba quem são os envolvidos nas denúncias que a CPI apura
A briga ocorreu após Aziz defender a aprovação de requerimentos que envolviam questões do Amazonas e poderiam expor aliados de Braga. Sem acordo no próprio grupo, Aziz cancelou, na segunda-feira, as votações de todos os requerimentos que estavam previstos para serem apreciados no dia seguinte.
Antes mesmo da desavença entre os amazonense, alguns dos componentes do grupo já viam com desconfiança a participação de Braga nas reuniões. Parte deles atribuiu a Eduardo Braga o vazamento para o governo de uma estratégia que buscava obter informações da gestão Bolsonaro por meio de um antigo aliado do Palácio do Planalto. O plano havia sido traçado na casa de Aziz durante uma reunião e chegou ao conhecimento dos governistas dias depois. Na última quinta-feira, durante uma live, Bolsonaro chegou a afirmar que o “G7” tinha se transformado em “G6”.
Relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), no entanto, ainda tenta fazer com que Braga permaneça unido aos que vêm torpedeando o governo. Além de eles serem correligionários, Renan é grato ao colega de partido pelo fato de Braga tê-lo apoiado para ocupar a relatoria da comissão. O posto de destaque vem garantindo a Renan uma exposição que ele jamais havia tido, como o próprio Renan costuma reconhecer.
De arrepiar – Internauta mostra um verdadeiro 'mar de motos' em Porto Alegre
Naquele que talvez seja o vídeo mais emocionante e impressionante da motociata realizada neste sábado em Porto Alegre, o internauta Júlio Schneider flagrou o verdadeiro mar de motos, que ocupou uma das avenidas de Porto Alegre, de ponta a ponta.
O barulho é ensurdecedor, mas arrepia todo patriota de verdade, que quer o bem do Brasil e apoia Jair Bolsonaro. Jornal da Cidade Online
Considerações sobre a flexibilização da Lei de Improbidade Administrativa
A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, foi construída com o objetivo de regulamentar o artigo 37, §4º, da Constituição Federal, o qual prevê que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível". Dessa forma, o Lei de Improbidade Administrativa (LIA) materializou o desejo do constituinte de aplicar sanções a quem cometesse práticas ilícitas em desfavor da Administração Pública.
Durante quase 30 anos, a LIA foi fundamental para prevenção/repressão à corrupção e, sobretudo, para o combate à perda patrimonial do Estado decorrente de escolhas administrativas indevidas, inapropriadas, ilegítimas e desprovidas de critérios técnicos.
Apesar dos inequívocos avanços em favor da tutela da probidade administrativa, a Lei nº 8.429/92 precisava de ser aprimorada e, dessa forma, desde 2018 tramitava na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 10.887, de autoria do deputado federal Roberto Lucena (Podemos-SP). Referida proposta legislativa foi fundamentada por estudos e pesquisas realizados por uma comissão de juristas, presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Mauro Campbell.
Durante meses diversas audiências públicas foram realizadas para a oitiva de profissionais variados, entre advogados públicos e privados, professores, membros do Ministério Público, magistrados e outros especialistas. Nessas oportunidades foram apresentadas aos parlamentares percepções multidisciplinares sobre a aplicação da LIA e a necessidade de avanços, sempre com o propósito de contribuição com o processo legislativo.
A redação do PL 10.887/2018 recebeu críticas e elogios tanto dos órgãos de controle quanto de parte da advocacia que milita na área em questão. Isso é bom, pois mostra que a proposta, ao ser criticada pelos "dois lados da mesa", se mostrava equilibrada.
Mesmo após todos os debates e gasto de energia e de recursos públicos, o relator da matéria, o deputado federal Carlos Zaratini (PT-SP), decidiu ignorar essas discussões e, após contratar (com recursos públicos) uma consultoria privada de um escritório de advocacia, apresentou um substitutivo que desconfigurou praticamente tudo o que fora construído de forma coerente e democrática durante a tramitação do PL 10.887/2018.
O substitutivo aprovado a "toque de caixa" no último dia 16 de junho, em regime de urgência, diversamente do franco debate travado por ocasião da tramitação do PL 10.887/2018, se mostra um risco às conquistas já alcançadas em relação à tutela da moralidade e do patrimônio públicos.
Na perspectiva dos órgãos de controle, a proposta, tal qual aprovada, representa um inegável retrocesso ao combate à corrupção e ao uso indevido e desmedido dos recursos públicos. Entre os pontos criticados podem ser citados: a extinção da modalidade culposa dos atos de improbidade administrativa; a criação de uma espécie de prescrição intercorrente, que limitará em 180 dias corridos (prorrogável por igual período, mediante justificativa fundamentada) o prazo para a finalização do inquérito civil pelo Ministério Público, fato que, na prática, inviabiliza a maioria das investigações; a limitação, como regra, da perda da função pública apenas ao vínculo que o agente público ou político detinha com o Estado na época do cometimento da infração; a exigência de ocorrência de perda patrimonial em situações de fraudes à licitação; a condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade, em clara afronta às regras do microssistema do processo coletivo.
Noutra vertente, sob a lente de quem atua na defesa dos agentes públicos acusados da prática de ato de improbidade administrativa, a aprovação do novo texto foi comemorada, sob o argumento de se combater as injustiças decorrentes de uma atuação politizada do Ministério Público, que sempre optava por ajuizar as ações às vésperas dos processos eleitorais (importante lembrar que no Brasil há eleições a cada dois anos e, invariavelmente, ações serão propostas em períodos próximos ao pleito), bem como para permitir que "pessoas com boas intenções" tenham o desejo e a coragem para assumir cargos públicos, uma vez que a redação original da LIA afastava do serviço público os possíveis "bons gestores".
Inegável que em poucos aspectos a proposta aprovada efetivamente apresentou uma evolução, sobretudo no que tange à extinção da desnecessária fase de defesa preliminar em sede das ações de improbidade, o que importa em um duplo contraditório, com reflexos na morosidade da prestação jurisdicional e em uma proteção deficiente à tutela do patrimônio público, bem como em relação à regulamentação do acordo de não persecução cível (ANPC), algo que já tinha sido tratado por meio da Lei nº 13.964/2019 (pacote "anticrime"), porém restou vetado pela Presidência da República.
Por fim, chama a atenção um fato quase raro no Parlamento brasileiro: o próprio autor da proposta, o deputado federal Roberto Lucena, votou contrariamente ao projeto. Ao ser questionado, o mesmo justificou que "a proposta de minha autoria que tinha como objetivo separar o joio do trigo foi o resultado de um trabalho sério coordenado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Mauro Campbell Marques; de juristas; do Ministério Público; e de técnicos e especialistas no tema. O substitutivo prestou-se a ser um cavalo de Tróia para inserir no texto o atendimento a interesses injustificáveis".
Rodrigo Monteiro da Silva é doutorando em Estado de Derecho y Gobernanza Global (Universidad de Salamanca, Espanha); mestre em Direitos e Garantias Fundamentais (Faculdade de Direito de Vitória – FDV); especialista em Combate ao Crime Organizado, Corrupção e Terrorismo (Universidad de Salamanca, Espanha); especialista em Direito Público (Universidade Gama Filho), instrutor do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD), membro associado do IDASAN –Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro, autor de obras jurídicas e promotor de Justiça no Espírito Santo.
Revista Consultor Jurídico, 11 de julho de 2021, 9h13
Bolsonaro, Trump, a CPI e os generais americanos
11 de julho de 2021 | 03h00
O Brasil destacou-se em Cannes, mais uma vez, com o diretor Spike Lee, presidente do júri do festival de cinema, igualando o presidente Jair Bolsonaro a Donald Trump e a Vladimir Putin. Trump, ídolo do presidente brasileiro, foi derrotado ao tentar a reeleição, mas, antes de partir, estimulou uma invasão do Congresso. Seu discípulo anotou a lição e já anunciou algo parecido no Brasil. Em 7 de janeiro, um dia depois do ataque ao Capitólio, Jair Bolsonaro ameaçou: “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que o dos Estados Unidos”. Na ocasião, ele voltou a falar de fraude na eleição de 2018 – sem prova, como sempre, e pondo em dúvida, como de costume, a seriedade da Justiça Eleitoral.
Como Trump, Bolsonaro fracassará na tentativa de reeleição, se o resultado no próximo ano refletir as atuais pesquisas de intenção de voto. Além disso, a derrota será por diferença bem maior que a verificada nos Estados Unidos. Lula, segundo as sondagens, será o mais votado, com folga, no primeiro turno. No segundo, o atual presidente será batido por qualquer dos principais concorrentes.
As chamadas forças de centro ainda poderão juntar-se para apoiar um nome promissor. De fato, talvez nem haja candidatura Bolsonaro, em 2022, se o presidente da Câmara desengavetar os pedidos de impeachment. Em dois anos e meio de atos e palavras irresponsáveis, de mistura de assuntos familiares com assuntos públicos, de mentiras e desgoverno, acumularam-se razões mais que suficientes para a extinção de um mandato desastroso. Mas em relação a seu guru americano o presidente Bolsonaro tem alguma vantagem – vantagem para ele e para sua família, sem dúvida, e imensa desvantagem para os cidadãos empenhados em ganhar a vida seriamente.
Parte dessa vantagem é a relação entre governo e Forças Armadas, um vínculo muito diferente, na gestão Bolsonaro, do previsto na Constituição brasileira e do observado nos Estados Unidos. Exemplo: em junho do ano passado, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas americanas, general Mark Milley, pediu desculpas por haver acompanhado o presidente Trump numa caminhada até uma igreja próxima da Casa Branca. Diante da igreja, o presidente posou empunhando uma Bíblia. A polícia abriu caminho para o presidente dispersando com violência um protesto contra o racismo.
“Eu não deveria estar lá”, disse o general. “Minha presença causou a impressão de que os militares estão envolvidos em política interna. Precisamos”, acrescentou, “honrar um princípio essencial da República: o de que as Forças Armadas não são políticas.” As tentativas de Trump de envolver militares na repressão a manifestações de rua foram criticadas por seu secretário da Defesa, por ex-secretários e por mais de 80 altos oficiais. As Forças Armadas dos Estados Unidos mostram seu poderio, todos os dias, em boa parte do mundo, mas são discretas em casa e respeitam a democracia.
No Brasil de Bolsonaro, um general da ativa foi nomeado ministro da Saúde, encheu sua pasta de militares, todos ou quase todos sem competência para as novas funções, e resumiu numa frase escandalosa sua fidelidade ao chefe: um manda, outro obedece. Outros ministérios e secretarias já haviam sido entregues a pessoas de origem militar.
Confiado ao general Pazuello, ao coronel Elcio Franco (secretário executivo) e a figuras como a Capitã Cloroquina, o Ministério da Saúde atuou de forma desastrosa durante a pandemia. O envio do “kit covid” a Manaus talvez tenha sido a obra-prima da gestão Pazuello. O kit famigerado continha maravilhas como hidroxicloroquina e ivermectina, comprovadamente ineficazes contra a covid-19, mas as pessoas hospitalizadas precisavam de oxigênio para respirar. O conjunto da obra, no entanto, é muito mais impressionante que qualquer obra-prima, desde a militarização do setor de saúde.
Nomes de funcionários conhecidos pela patente militar, com destaque para o coronel Elcio Franco, foram citados por depoentes, nas sessões da CPI da Covid. As citações tornaram-se mais chocantes quando surgiram acusações de corrupção na negociação de vacinas – malandros tentando lucrar enquanto faltavam imunizantes e as mortes pela covid se multiplicavam. Numa das sessões, o presidente da CPI, senador Omar Aziz, falou sobre como “os bons das Forças Armadas” deveriam estar envergonhados com algumas pessoas envolvidas em falcatruas. Essas pessoas foram descritas como o “lado podre das Forças Armadas”.
Os comandantes militares, liderados pelo ministro da Defesa, repudiaram a fala de Aziz como “grave, infundada e irresponsável”. Nem infundada, nem irresponsável, de fato. O ministro e os comandantes voltaram-se contra o alvo errado, em vez de condenar o envolvimento de militares em escândalos e a desastrada militarização do governo pelo presidente Bolsonaro. Fariam muito melhor se aprendessem com a lamentável experiência recente, meditassem sobre o exemplo do general Mark Milley e se indignassem quando Bolsonaro usa a expressão “meu Exército”.
JORNALISTA
Corrupção na pandemia pode ser tarefa para anos, diz dirigente da OCDE
Os gastos emergenciais dos governos na pandemia criaram um terreno propício para situações de corrupção, diz o chefe do grupo antisuborno internacional da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Drago Kos.
À Folha ele afirmou que a falta de acompanhamento das autoridades de fiscalização na resposta à pandemia pode agravar o problema e disse ver com preocupação a situação do Brasil em relação à repressão a crimes de colarinho branco com a derrocada da Operação Lava Jato.
Sem tratar de algum caso específico relacionado à pandemia, Kos disse, por email: "Essas preocupações não são limitadas ao Brasil somente. No mundo inteiro, a necessidade de combater a pandemia foi caracterizada por esforços de governos em busca de material médico e equipamento de proteção feitos de duas maneiras: a mais fácil e a mais rápida."
Ele afirmou ainda: "Isso criou um terreno fértil para corrupção em todos os países. Se não tiver havido acompanhamento com uma resposta preventiva das autoridades de fiscalização, temo que teremos que lidar com esses casos de corrupção ainda por muitos anos."
No Brasil, acusações de irregularidades na resposta à crise sanitária estiveram no centro do impeachment do governador do Rio, Wilson Witzel, e provocaram investigações em outros estados. Mais recentemente, o governo Jair Bolsonaro se viu envolvido em suspeitas relacionadas à compra da vacina indiana Covaxin, que incluem a pressão sobre um servidor para a finalização do contrato.
Kos, que chefia o grupo desde 2013, diz, em relação ao Brasil, que tem a sensação de que o impulso de combate à corrupção de anos atrás parece ter se dissipado.
Em 2020, a comissão que ele chefia na OCDE criou um subgrupo específico para monitorar o andamento de medidas anticorrupção no Brasil. O país pretende ingressar na associação, que reúne 38 nações, e é signatário de sua convenção para o combate a esses crimes transnacionais.
Ele disse que, em meio à crise sanitária, se o país se mobilizar para seguir as recomendações do órgão em relação a medidas anticorrupção, "sem dúvida isso terá efeitos também na capacidade de prevenir e combater irregularidades em tempos de pandemia".
"O que mais me incomoda é a impressão de que o impulso para combater a corrupção, ganho efetivamente ao longo da Operação Lava Jato, se enfraqueceu."
A comissão que ele coordena questiona uma série de questões no combate à corrupção transnacional pelo Brasil, sendo que o estopim foi liminar do Supremo Tribunal Federal, em 2019, que barrou o compartilhamento de dados de movimentações financeiras suspeitas sobre as quais não havia decisão judicial específica. A ordem, revista posteriormente, foi expedida pelo ministro Dias Toffoli em caso que envolvia o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
Naquele ano, o grupo antisuborno da OCDE emitiu notas questionando o governo brasileiro sobre mudanças na legislação que poderiam "comprometer seriamente a capacidade do país de cumprir suas obrigações" da convenção internacional.
Além da questão do compartilhamento de dados via Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a entidade citou na época a Lei de Abuso de Autoridade, sancionada naquele ano por Bolsonaro e entendida como ampla demais e com "conceitos vagos".
A criação do subgrupo para analisar o andamento da situação no país é interpretado como mais uma advertência.
Segundo Kos, o Brasil está cooperando e deverá apresentar uma resposta em outubro às observações feitas pela comissão.
"No altamente improvável caso de falta de cooperação ou em uma situação em que o Brasil não atenda às preocupações em relação aos pontos levantados pelo grupo antisuborno, espera-se que o subgrupo dê sugestões sobre medidas adicionais relacionadas ao Brasil", disse ele à Folha.
O dirigente da OCDE esteve em Brasília em 2019 e discutiu o assunto com o chefe da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, e o ministro Dias Toffoli, entre outras autoridades.
Em relação à recente mudança na Lei de Improbidade Administrativa, aprovada na Câmara dos Deputados e que ainda precisa ser apreciada pelo Senado, Kos afirmou que não poderia opinar sem verificar o texto. Mas disse não ter dúvidas de que o subgrupo deverá examinar o assunto.
Questionado sobre a perda de credibilidade da Operação Lava Jato desde que o então juiz Sergio Moro decidiu fazer parte do governo Bolsonaro, o dirigente da OCDE disse que quando esteve no Brasil não percebeu um abalo à reputação do ex-magistrado. Também considera que o saldo da operação se consolidará nos próximos anos.
A reportagem também perguntou se o combate à corrupção não tem como efeito colateral a ascensão de outsiders políticos e o enfraquecimento de partidos e instituições.
Kos, um esloveno que foi árbitro de futebol até 2006, respondeu: "O esforço anticorrupção nunca enfraquece instituições de estado ou partidos políticos honestos. Ele os fortalece. Políticos corruptos terão que omitir [o tema] corrupção como forma de atingir seus objetivos. Caso contrário, pagarão o preço nas eleições."