A nova ordem mundial - ISTOÉ
A pandemia de coronavírus marca uma guinada definitiva na história da civilização. Ela pode ser o acontecimento inaugural de um ciclo catastrófico ou o ponto de inflexão para uma mudança profunda. Rendidos pelas forças da natureza, como diante de um dilúvio ou de um terremoto, nunca fomos tão frágeis. Tememos a morte, não sabemos para onde vamos e as previsões de longo prazo que tentávamos traçar ruíram, tanto na vida pessoal, como nos planos estratégicos de governos e empresas.
Alguns estudiosos chegam a dizer que se trata do colapso do capitalismo industrial. Outros falam que o modelo de Estado-Nacional, construído no final do século 18, está sofrendo um golpe fatal. Seja como for, o que se verifica, neste momento, é o fortalecimento do Estado como força protetora dos cidadãos. E em meio ao caos — confinados no aconchego do lar — temos a oportunidade de aproveitar o tempo para colocar em prática a máxima do filósofo grego Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”, estampada, há 2,5 mil anos, no oráculo de Delfos, um dos epicentros espirituais da Antiguidade.
A tendência mais imediata, necessária e óbvia relacionada à pandemia de Covid-19 é a redução da mobilidade. De uma hora para outra, o direito de ir e vir tornou-se relativo. A determinação da autoridade de saúde passou a prevalecer sobre qualquer vontade pessoal. O transporte público ficou ameaçador, um lugar de contágio. Há restrições para caminhar pelas ruas. As barreiras sanitárias entre cidades, estados e países aumentaram e continuarão elevadas por meses ou anos. Será difícil cruzar qualquer fronteira no mundo sem um teste negativo de coronavírus.
A tendência mais imediata, necessária e óbvia relacionada à pandemia de Covid-19 é a redução da mobilidade. De uma hora para outro o direito de ir e vir tornou-se relativo
Isolamento até 2022
Ficará dessa crise uma inibição da livre circulação de pessoas, seja no meio urbano, dentro dos países ou entre as Nações. Um estudo da Universidade de Harvard, publicado na revista Science, mostra que o isolamento, ainda que intermitente, deve se perpetuar até 2022 em várias partes do mundo, se não surgir uma vacina. “O vírus nos colocou em casa e nos obrigou a se virtualizar. E quando esse ciclo acabar, a gente vai ter muita vontade de abraçar, beijar e fazer carinho”, diz a filósofa Viviane Mosé. “Mas o importante agora é a boa convivência. Vamos falar em nome do amor, ele que deve reinar”.
A crise e o isolamento permitem desenvolver novas habilidades sócio-emocionais, como disciplina, persistência e auto-controle
As pessoas vão se acostumar com o isolamento, que não significa solidão. Laços familiares podem ser reforçados ou, por outro lado, romper-se a partir da convivência forçada. Amizades verdadeiras podem nascer. Como disse o filósofo chinês Confúcio, para reconhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. “No sucesso, verifica-se a quantidade e na desgraça, a qualidade”, afirmou. Já vivemos o sucesso na fase áurea do capitalismo digital e agora é hora de enfrentar o infortúnio, a crise civilizacional, a fragilidade humana diante de uma ameaça microscópica. É na doença, que se reconhecem os verdadeiros amigos ou pelo menos quem se preocupa por nós. “Somos seres competitivos por natureza, o que tem um alto custo emocional, e agora temos oportunidade de nos tornar mais colaborativos”, afirma o psiquiatra Ricardo Moreno, diretor do grupo de estudos de doenças afetivas do Hospital das Clínicas da USP. “Todos temos a capacidade de criar estratégias e mecanismos para se adaptar a um novo estilo de vida e superar o estresse e a depressão”.
Outra mudança inevitável é que as pessoas passarão a trabalhar, estudar e se relacionar cada vez mais remotamente. O aprendizado do período de isolamento servirá para sustentar uma mudança profunda no sistema de produção de conhecimento e de bens de consumo, com a utilização de impressoras 3D. O amor e a convivência em tempos de peste oferecem a oportunidade das pessoas conversarem mais e se conhecerem melhor. O que sustenta um relacionamento agora é a qualidade da conversa remota. O distanciamento pessoal se reproduz em todas as esferas – nos negócios, na educação, na saúde e nas relações interpessoais. Para o empresário Ricardo Semler, autor de uma experiência pioneira, há 26 anos, que encaminhava as pessoas para o trabalho home office na Semco Partners, grandes tragédias mostram uma solução para antigos desafios. A necessidade de trabalhar em casa durante a Covid-19 reabriu a discussão sobre a questão. Para o empresário Ricardo Semler, o trabalho em casa será a solução para muitas empresas sobreviverem depois do coronavírus. As empresas vão descobrir que, em muitos casos, o resultado do trabalho será até mais eficiente. “Pós-coronavírus, o mundo avançará 5 anos em 1”, afirma.
Os gargalos da saúde - ISTOÉ
UTIs lotadas, médicos correndo pra lá e pra cá, falta de respiradores e outros tipos de equipamentos. Este cenário de horror já vivido dentro de muitos hospitais brasileiros pode não ser o que de pior acontecerá durante a pandemia de coronavírus no País. Novos gargalos começam a surgir na área da saúde à medida que o tempo passa. Os médicos e os laboratórios já sentem falta de equipamentos de proteção individual, os chamados EPIs, há também uma grande dificuldade para se conseguir reagentes para realização dos exames junto aos fornecedores internacionais, devido à forte demanda global, e ainda por cima podem faltar medicamentos devido aos atrasos na chegada de insumos básicos vindos da Ásia.
residente do Instituto Coalizão Saúde e do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Claudio Lottenberg. Segundo ele, o setor emprega hoje cerca de 5 milhões de pessoas e mais de 2 milhões de temporários, o que corresponde a quase 10% da população economicamente ativa no País. E muitos deles estão sendo contaminados pelo vírus. “Estamos indo para uma guerra e os soldados estão sendo os primeiros abatidos”, diz Lottenberg.
Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o coronavírus já contaminou pelo menos 237 profissionais de enfermagem no país, segundo balanço divulgado no dia 13 de abril. Destes, 14 morreram com a Covid-19 e 223 recuperam-se da doença. Outros 2.321 profissionais têm suspeita de contaminação e 12 mortes estão sendo investigadas pelas autoridades sanitárias. “É uma situação grave, que exige medidas imediatas para evitar o adoecimento em massa de profissionais, que pode ser catastrófico para o sistema de Saúde”, diz em nota o presidente do Cofen, Manoel Neri. Segundo Lottenberg, nos hospitais, além da lotação das UTIs, há problemas com a lotação dos leitos comuns. Antes muitos deles operavam com 85% da capacidade, com atendimento de procedimentos eletivos e agora as unidades estão basicamente voltadas para os doentes da Covid-19, que ocupam cerca de 60% dos leitos.
Falta de testes
Nos laboratórios, o atraso na chegada dos testes para o coronavírus eleva a fila dos exames. Em São Paulo, o número de pessoas que esperam resultados foi de 12 mil para 17 mil na última semana. O estoque de testes do governo estadual esgotou na semana anterior, segundo o secretário de Saúde, José Henrique Germann. Os exames têm sido feitos apenas por clínicas particulares, que são pagas pelo governo estadual para fornecer os resultados. Mas mesmo os laboratórios particulares enfrentam problemas, como a falta de reagentes para fazer exames e dos equipamentos de proteção para os profissionais, que manuseiam material contaminado, segundo a diretora executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Priscilla Franklin Martins, “A demanda pelos testes cresceu muito, não só no Brasil como no mundo”, explica.
O STF não permitirá a farra fiscal - ISTOÉ
A cinco meses de encerrar seu mandato como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli comemorou o feito de ter estruturado o tribunal para realizar a primeira sessão plenária de sua história por videoconferência, na última quarta-feira, 15. Foi uma operação inédita na Justiça mundial. Todos os ministros, à exceção dele — que compareceu à Corte —, ficaram em suas residências, de onde deram os seus votos eletronicamente. E foi em um dos casos mais sensíveis da República: os ministros decidiram, por unanimidade, que compete aos estados e municípios estabelecerem as normas para o isolamento social. Mais uma derrota para Bolsonaro, que desejava que a União estabelecesse esses critérios. Aos 52 anos, Toffoli defende as medidas de isolamento, por entender que elas têm surtido efeitos positivos, e é contra a Justiça autorizar o uso de cloroquina para o tratamento de doentes com a Covid-19. Na questão da liberação dos recursos bilionários da União aos estados e municípios, o ministro também se posiciona a favor das medidas aprovadas na Câmara: “O dinheiro está sendo liberado com responsabilidade. Acabou a farra fiscal que havia antigamente e gerava inflação”, diz em entrevista exclusiva à ISTOÉ.
Como o senhor tem se comportado durante a pandemia? Tem se mantido em casa?
Tenho ido ao Conselho Nacional de Justiça, que presido também, para realizar as sessões e vou ao Supremo. Nesta quarta-feira (dia 15), estarei lá para presidir a sessão plenária. Sou o único que tem ficado no plenário no CNJ. Os outros ficam em suas residências. No Supremo, os colegas ficam em suas casas, enquanto eu fico na bancada da presidência. Mas a maior parte do meu trabalho tem sido em casa. O fato é que 95% dos processos no Supremo são eletrônicos. Então, a natureza do nosso trabalho, de leitura das ações e despachos de decisões, é feita em casa. O uso da tecnologia facilita o trabalho. Como não precisamos ficar nos deslocando no trânsito, ganhamos mais tempo e a produção tem aumentado.
O STF está realizando as primeiras sessões plenárias por videoconferência. O sistema tem funcionado bem?
Desde que foi declarada a pandemia, no dia 11 de março, começamos a tomar as medidas sanitárias e de proteção necessárias. Entre outras coisas, começamos a estruturar a videoconferência para a realização das sessões do tribunal, em razão da dificuldade da presença física dos ministros no plenário. Atuamos como se estivéssemos fisicamente no tribunal, através do uso dos recursos tecnológicos, garantindo a participação também dos advogados e dos integrantes do Ministério Público, além da manutenção das transmissões públicas das sessões pela TV Justiça e a Internet. Ou seja, estamos dando toda a publicidade aos nossos atos, o que é uma marca do STF. A sessão por videoconferência é algo inédito na Justiça mundial.
O STF recebeu um grande volume de ações para dirimir divergências decorrentes da pandemia?
Já chegamos a 1.017 ações neste momento (até a manhã de quarta-feira,15). Desde que foi declarada a pandemia, passamos a catalogar as ações que têm relação com a Covid-19: habeas corpus, ações de inconstitucionalidade, as ações dos Estados para a suspensão de dívidas que o ministro Alexandre de Moraes deferiu, ações contra Medidas Provisórias que foram editadas. Começamos a classificá-las como preferenciais para que a tramitação seja mais célere.
Esse fato demonstra que há uma judicialização muito grande no Brasil?
É muito grande sim. O ideal é que a sociedade resolvesse esses conflitos através de outros meios. Mas o que temos é uma Constituição muito ampla. Ela permite a possibilidade de judicialização enorme. No processo da redemocratização, com a Constituição de 1988, havia uma desconfiança de que a Constituição não seria colocada em prática. Colocou-se o Ministério Público, vários agentes da sociedade, como a advocacia, as confederações nacionais e os partidos políticos, como legitimados a propor ações diretas no Supremo. Isso levou a um grande número de ações no STF, o que perdura até hoje. Durante esta crise da pandemia, os partidos entraram com inúmeras ações questionando atos da gestão. Para se ter uma ideia, nos EUA a Suprema Corte julga no máximo 120 ações por ano. Nós julgamos aqui em 2019 um total de 17.600 ações no plenário maior. Nós temos no Brasil hoje, entre a Justiça estadual, federal, militar, eleitoral e trabalhista, um total de 78 milhões de ações. São arquivadas um total de 32 milhões por ano. É uma quantidade de processos julgados muito alta. Há uma judicialização constante.
equipe da Globo volta a ser atacada durante entrada ao vivo
As entradas ao vivo da equipe de reportagem da TV Globo não têm sido fáceis nos últimos dias. Após Renato Peters ter sido interrompido no ar por uma simpatizante do presidente Jair Bolsonaro na última sexta-feira (10), a jornalista Mariana Aldano também não teve vida fácil para passar suas informações no SPTV1 desta terça-feira (14). Mariana estava na porta de uma agência da Caixa Econômica Federal em Francisco Morato, na Grande São Paulo, quando dois homens saíram da fila e começaram a gritar “Globo lixo”.
A imagem rapidamente foi cortada para o estúdio e o apresentador César Tralli demonstrou estar assustado com o situação que havia acabado de ocorrer. De acordo com profissionais da Globo ouvidos pelo site ‘Notícias da TV’, não houve nenhuma mudança em relação à segurança de repórteres após a agressão a Renato Peters.
Durante a tarde, a repórter Mariana Aldano tranquilizou seguidores no Twitter dizendo que estava “tudo bem” após o ataque ao vivo. ISTOÉ
Cancelar o Carnaval teria sido medida adequada, diz Drauzio Varella
O médico Drauzio Varella afirmou que a realização de grandes eventos no começo deste ano no Brasil, especialmente o Carnaval, contribuiu para a disseminação do novo coronavírus pelo país. Em entrevista ao vivo para o jornal Folha de S.Paulo, o médico afirmou que até mesmo ele subestimou a gravidade da situação por falta de informações vindas da China.
Para Drauzio, houve uma demora das autoridades para tomarem medidas preventivas. “Nós fomos muito benevolentes com essa doença, fomos otimistas demais. Eu mesmo me penitencio por isso”, afirmou.
O médico comparou a situação do Brasil com a da Espanha. “A Espanha está do lado da Itália [epicentro do coronavírus na Europa] e, quando a Itália decretou o isolamento para a população, os espanhóis fizeram aquela Marcha Para as Mulheres, com 200 mil mulheres no centro de Madri. Como admitiram aquilo? Como nós fizemos o Carnaval?”, questionou durante a entrevista.
Segundo o médico, o Brasil deveria ter cancelado grandes eventos. “Certamente o vírus se disseminou ali naqueles encontros de grande quantidade de gente”, afirmou à Folha. ISTOÉ