Partidos em excesso - MERVAL PEREIRA
A fragmentação partidária brasileira resultou em que nada menos que 28 partidos dos 32 que concorreram às eleições municipais elegessem pelo menos um prefeito municipal. Mais que isso: quatro partidos não elegeram nenhum prefeito. Se as cláusulas de barreira fossem usadas para as eleições de vereador, quinze partidos não passariam: PROS, PV, Psol, PCdoB, PRTB, PTC, PMN, DC, Rede, Novo, PMB, UP, PSTU, PCB e PCO. Basicamente os mesmos que, na eleição de 2018, quando as cláusulas de barreira começaram a vigorar, não conseguiram ter número de votos mínimo exigido pela nova legislação: Rede, Patriota, PHS, DC, PCdoB, PCB, PCO, PMB, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSTU e PTC não conseguiram 2% de votos em todo o país, nem eleger pelo menos 11 deputados em pelo menos 9 Estados.
Deixaram de ter acesso ao fundo partidário, e direito a tempo de rádio e televisão na propaganda eleitoral. Esta foi também a primeira eleição em que a coligação proporcional foi proibida, o que dificultou ainda mais os partidos mais frágeis.
Justamente por isso, já existe um movimento de bastidores para a legislação voltar a permitir as coligações proporcionais, o que pode retardar a reorganização partidária, que seria fundamental para dar mais lógica às eleições. Cerca de 15 partidos estariam aptos integralmente a participar das eleições e das atividades congressistas, e não 32 como hoje.
As eleições de domingo sinalizaram muitas coisas para 2022, sobretudo que o extremismo de Bolsonaro não tem espaço hoje como teve em 2018. Ele terá que reforçar sua aparente inclinação recente para o centro, para obter o apoio dos partidos do Centrão que saíram vitoriosos, mas não acredito que consiga apaziguar os ânimos, porque é uma pessoa do embate.
Bolsonaro perdeu o timing ao não conseguir montar seu próprio partido político quando estava no auge da popularidade. Se a economia não melhorar, vai, no próximo ano, perder a capacidade de agregar apoios, e, com os resultados das eleições municipais, os partidos que ele esnobou no inicio de seu governo estão hoje mais robustos e não abrirão mão de seus controles internos para ceder a legenda ao presidente.
Os partidos do centro-direita ficarão no governo enquanto tiverem alguma coisa para ganhar, mas na hora H não irão apoiar um candidato que seja impopular, que esteja fora do espírito do tempo. Esses partidos do centrão são fisiológicos, muitos estão envolvidos na corrupção do petrolão e, antes, do mensalão, mas não são extremistas de direita.
Bolsonaro pode se transformar em um fator fora do clima geral e, apesar da força da presidência, uma aliança tóxica. A não ser que a economia dê um salto formidável, o que parece improvável a esta altura. Entre os partidos independentes do centrão e que têm uma posição crítica ao governo Bolsonaro, PSDB, MDB e DEM ganharam muita força e serão fundamentais para apoiar uma candidatura viável, que pode ser a do governador João Doria ou a de Luciano Huck.
O ex-ministro Sérgio Moro parece ter se decidido pela vida fora da política, tornando-se vice-presidente executivo da consultoria internacional Alvarez & Marsal. Não creio que o fato de a empresa estar contratada para a recuperação judicial da Odebrecht e OAS, empreiteiras que foram os principais alvos da Operação Lava-Jato, seja um empecilho ético. Ao contrário, o que as empreiteiras estão buscando é uma reorganização nos termos exigidos pela legislação, que evite justamente os esquemas de corrupção descobertos.
Se Luciano Huck decidir entrar realmente na vida partidária, será difícil haver apenas uma chapa do centro-direita na disputa presidencial, a não ser que o governador João Doria desista. Isto porque não há indicação de que Huck aceitaria ser vice de alguém.
A esquerda sofreu derrota fragorosa, está com grandes dificuldades, e será incomodada com a ascensão de Boulos como líder político nacional. Apesar da derrota acachapante, o PT continua sendo o mais organizado partido da esquerda, e vai insistir com Lula, se ele conseguir deixar de ser ficha-suja, o que é necessário, mas não suficiente, para ele ser candidato de união da esquerda.
Dirigentes do PT são pressionados a admitir derrota eleitoral e promover renovação
Sérgio Roxo / O GLOBO
SAO PAULO — O resultado da eleição do último domingo intensificou articulações de grupos petistas para encurtar o mandato da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Pela primeira vez em sua história, a sigla não elegeu nenhum prefeito em capitais. O descontentamento fez com que gente do partido defendesse até que o ex-presidente Lula saia de cena e permita a renovação dos quadros.
A defesa da troca da direção está sendo liderada pelas correntes minoritárias Novos Rumos e Articulação de Esquerda. Há uma tentativa de atrair quadros da CNB, o grupo majoritário, para a causa.
— Diante dos resultados que foram muito abaixo das nossas expectativas, é importante que a gente antecipe o congresso do PT para 2021. Em função dos problemas que o partido enfrentou na eleição, temos que fazer um balanço, debater a nossa tática e renovar a direção — afirma o deputado estadual José Américo, do Novos Rumos.
Reeleita no ano passado, Gleisi tem mandato na presidência do PT até 2023. Para antecipar o congresso e mudar a direção, seria necessário a aprovação do diretório nacional, que é controlado pela CNB, a corrente da atual presidente.
Saiba mais: Em 17 de 57 cidades, candidatos que chegaram ao segundo turno atrás na disputa são eleitos de 'virada'
Gleisi fez uma avaliação positiva do resultado da eleição. O argumento principal é que o partido manteve o mesmo número de eleitores sob o seu comando, apesar no número total de cidades, de 254, foi para 183.
Crítica interna
“Não se pode converter derrota em vitória. Derrota é derrota. O papel do dirigente político é o de buscar as causas das derrotas. Fora disso, é o autoengano, teimosia, obtusidade. O PT precisa voltar a ser o partido do futuro. Passado é passado”, contestou Alberto Cantalice, membro do diretório nacional e integrante da CNB, no Twitter.
Ao GLOBO, Cantalice disse que o partido deveria renovar suas lideranças e se apresentar assim ao eleitor em 2022. Ele acrescentou que não defende necessariamente a realização de um congresso partidário.
Para Cantalice, Lula, por ser a principal figura da sigla, tem relação direta com o resultado e, por isso, deveria sair de cena.
— O PT tem várias lideranças: (o ex-prefeito Fernando) Haddad, (governador) Camilo (Santanta), (o senador Jaques) Wagner, (os governadores) Rui Costa, Wellington Dias e Fátima Bezerra. Vários senadores. O Lula já deu muito para o partido. É hora de abrir espaço.
Seguindo tática defendida por Lula após deixar a cadeia em novembro do ano passado, o PT decidiu lançar candidatos no maior número possível de cidades que possuem retransmissoras de televisão. A ideia era usar o horário eleitoral para propagar o legado da sigla.
Apesar da orientação, foram feitas alianças em que a legenda abriu mão da cabeça da chapa, como em Belém, com o apoio a Edmilson Rodrigues (PSOL), que saiu vencedor, e Porto Alegre, com composição com Manuela D’Ávila (PCdoB).
Em reunião na manhã de ontem com Lula, Haddad, governadores e líderes na Câmara e no Senado, Gleisi defendeu que a tática adotada foi acertada porque o partido cresceu nas grandes cidades. Em 2016, a sigla havia disputado sete segundos turnos e agora foram 15. O PT venceu em quatro disputas no último domingo. Houve também aumento da votação em capitais, apesar de não ter sido obtida nenhuma vitória. Há quatro anos, o partido tinha conquistado apenas Rio Branco, no Acre.
Mesmo pessoas próximas a Gleisi reconhecem, porém, que o resultado foi pior do que o projetado. A expectativa era se recuperar de parte do fiasco de 2016, quando o partido perdeu 60% das prefeituras que tinha vencido quatro anos antes.
Em uma reunião de avaliação do primeiro turno, Lula havia mostrado preocupação com as derrotas do PT em São Bernardo do Campo, cidade onde vive, e Osasco, município da região metropolitana de São Paulo.
Na cidade do ABC, Luiz Marinho, que já foi prefeito por duas vezes, perdeu no primeiro turno para o atual prefeito Orlando Morando. Em Osasco, cidade em que o PT já venceu três vezes, Emídio de Souza ficou apenas em terceiro lugar.
Brasil poderia reduzir em 70% a área usada e manter a mesma produção
A agropecuária brasileira caminha na direção certa, mas a passos pequenos em algumas áreas. Em 47 anos, o setor teve crescimento médio anual de 3,22%. De 2006 a 2017, a produtividade cresceu 2,21%, acima da média mundial e do 1,21% dos Estados Unidos. A comparação entre esses dois censos mostra que 67,5% da expansão se deve a ganhos de produtividade.
O setor tem muito a melhorar, no entanto, principalmente em um dos pontos de maior relevância no momento: a sustentabilidade.
O país produz 26% a menos do que poderia potencialmente produzir utilizando a mesma quantidade de insumos da produção corrente. Melhor ainda, poderia reduzir em 70% a quantidade de terra utilizada em suas atividades, mantendo os níveis atuais de produção.
Esses dados fazem parte de um estudo feito por 64 pesquisadores, que se debruçaram sobre os censos agropecuários brasileiros para avaliar resultados e buscar diretrizes para políticas públicas nesse setor.
O resultado foi uma publicação de 408 páginas: “Uma Jornada pelos Contrastes do Brasil – Cem anos de Censo Agropecuário”. Os trabalhos foram coordenados por José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), e por José Garcia Gasques, do Ministério da Agricultura.
Os pesquisadores mostram que tecnologia, assistência técnica, acesso a crédito, alfabetização e mão de obra qualificada são pontos essenciais para o desenvolvimento.
Para um aumento de 100% no VBP (Valor Bruto de Produção), a tecnologia foi responsável por 60% dessa conquista, conforme o censo de 2017.
Concentração de renda, envelhecimento da população no campo, menos assistência técnica, menor volume de crédito oficial e perda de espaço da agricultura familiar são pontos negativos.
Entre os positivos, estão a melhora no patamar de escolaridade, o crescimento da frota agrícola, o plantio direto e avanços na pecuária.
As cooperativas, porém, têm desempenhado um papel preponderante na evolução tanto da chamada agricultura comercial como da agricultura familiar. O censo de 2017 apresentou um aumento de 67,3% no número de estabelecimentos rurais ligados a cooperativas, em relação a 2006.
Os números do censo mostram que a concentração continua no campo. Em 2017, apenas 9% dos estabelecimentos mais ricos geraram 85% do VBP, ou seja, tudo o que foi produzido dentro da porteira. A agricultura comercial obtém sete vezes mais renda do que a familiar.
Há uma constante redução da força de trabalho no campo. Além da queda no tamanho das famílias, o que compromete a agricultura familiar, as mulheres e os jovens estão mais dispostos a abandonar as áreas rurais.
De 1985 a 2017, a população ocupada no campo teve retração de 8 milhões de pessoas, mas o emprego cresce na região Centro-Oeste. O crescimento ocorre mais com capital do que com mão de obra.
A avaliação dos dois últimos censos permite ver que há uma boa interligação dos gastos com pesquisas com a conversão delas em resultados práticos. A orientação técnica recebida pela agricultura familiar, no entanto, é baixa, atingindo apenas 18,7%. Na comercial, o patamar é de 27,8%. Esses percentuais são inferiores aos apontados no censo de 2006.
Alguns fatores ainda retardam o crescimento da produção. O censo de 2017 mostrou que apenas 83,1% dos estabelecimentos tinham energia elétrica. A irrigação atinge 6,7 milhões de hectares, uma área pequena em relação ao tamanho da agropecuária, e o acesso à internet cresceu oito vezes em uma década, mas ainda é restrito a 12,1% das propriedades.
A participação da agricultura familiar perde espaço no Valor Bruto de Produção. No censo de 2006, essa participação era de 36,1%, mas recuou para 28,4% em 2017. Menos crédito do Pronaf, queda na assistência técnica e seca entre 2012 e 2017 foram fundamentais para essa redução.
O censo de 2017 mostra que boa parte dos pequenos e médios produtores ainda é competitiva. Essa competitividade, as poucas alternativas fora da agricultura e políticas públicas de incentivos podem permitir a continuidade deles na atividade.
Uma das saídas para os pequenos e médios produtores são os projetos públicos de irrigação. No Nordeste, para cada R$ 1 investido, há um retorno positivo de R$ 12,89 para o produtor.
Entre as políticas públicas, há a necessidade de melhorar a assistência técnica e a extensão rural, que vêm caindo.
No censo de 2006, 22,1% receberam orientação técnica regular ou ocasional. Em 2017, foram 20,8%.
A avaliação dos dados dos censos mostra que a expansão da pecuária bovina se apresenta cada vez mais integrada a sistemas silvícola e agrícola e voltada para a recuperação de pastagens degradadas, reproduzindo um novo perfil ambientalmente sustentável, afirmam os pesquisadores.
O enfrentamento dos desafios apontados e a disponibilidade de recursos garantem a importância do Brasil nos abastecimentos doméstico e internacional, segundo os pesquisadores. Os dados serão divulgados nesta terça (1º) pelo Ministério da Agricultura e pelo Ipea
Cidades são oportunidades - Nizan Guanaes
Falar de política está tão tóxico que esperei passar a eleição municipal para falar da política municipal. Mais do que viverem em países e estados, as pessoas vivem em cidades. Se a gente melhorar a cidade em que a gente vive, a gente melhora a vida que a gente leva.
São Paulo e Rio, nossas grandes metrópoles, sempre atraíram e concentraram talentos nacionais. E, com eles, boa parte das riquezas. Nos EUA, o outro gigante das Américas, existe imensa mobilidade populacional, com profusão de cidades médias e pujantes espalhadas pelo seu território que concorrem por talentos, investimentos e empresas. A China também fez programa forte para desenvolver centros urbanos.
São cidades que oferecem infraestrutura eficiente, segurança, bons sistemas de saúde e boas universidades. Assim, atraem grandes corporações. Atlanta, com 500 mil habitantes, abriga as sedes de Coca-Cola, CNN, Home Depot e muitas outras. Seattle tem Amazon, Starbucks...
Isso também vem acontecendo no Brasil, puxado pela locomotiva do agronegócio, mas em ritmo lento. A grande aceleração digital e tecnológica produzida na pandemia vai ajudar nesse processo, que traz grandes oportunidades a prefeitos e gestores que fizerem a coisa certa para que suas cidades sejam o lugar certo da vida pós-pandemia.
Novas empresas, de todos os tamanhos, estão espalhando conexão digital pelo Brasil num ritmo de que mal podem dar conta. As consequências para a mobilidade das pessoas, do trabalho, da produção, do conhecimento serão enormes. E ainda tem esta: mais de um terço dos paulistanos e dos cariocas trocaria de cidade se pudesse, segundo pesquisa no Valor no fim de semana.
Se eu fosse prefeito recém-eleito, estaria olhando para tudo isso e traçando a estratégia para tornar a minha cidade o home e o office para cidadãos insatisfeitos do país todo e do mundo todo
Minha terra natal, Salvador, é um ótimo exemplo. O prefeito ACM Neto reformou a cidade em oito anos de gestão e a colocou no caminho certo. Agora ela precisa se preparar para o home e para o office.
Uma cidade como Salvador pode se posicionar como grande destino no mundo digitalizado. Especialmente para pessoas com 50 anos ou mais, que têm experiência, conhecimento, poder aquisitivo.
E, nessa idade, em vez de começarem a pensar na aposentadoria, começam a planejar a segunda metade da vida. Querem aprender coisas novas, dar novo rumo às carreiras, mas com mais qualidade de vida. Salvador, bem organizada, pode dar tudo isso e mais. Outras cidades brasileiras, também.
Esta crise valorizou e levou o nosso olhar a enxergar coisas que não olharíamos: Salvador tem quantidade enorme de lugares abertos, verão o ano todo, uma cultura única e incrível. É uma cidade de gabarito global, que concorre com Lisboa, com Miami. Tem narrativa, tem apelo. Seu lugar no mundo está dado, mas precisa estratégia para ocupá-lo propriamente.
Está na hora de lançar um olhar transformador sobre tudo. Eu tive Covid no começo da pandemia e fiquei trancado no quarto. Ao ficar trancado no quarto, olhei para uma série de coisas a que não prestava atenção. E, ao enxergar tudo isso, estou evoluindo com essa reflexão.
As cidades precisam passar por esse processo. Os prefeitos recém-eleitos precisam liderar esse processo. As novas Câmaras Municipais, também. Mas a sociedade civil tem que puxar. E nisso a revolução tecnológica ajuda também. Estamos muito mais conectados, muito mais atentos.
Boas vindas a todos os prefeitos e prefeitas eleitos. Não espero que sejam perfeitos, mas que sejam prefeitos.
Estelionato sanitário - FOLHA DE SP
Bruno Covas (PSDB) reelegeu-se prefeito de São Paulo com quase 20 pontos percentuais de diferença, em votos válidos, sobre Guilherme Boulos (PSOL). Pode-se imaginar que tal vantagem talvez estivesse em risco se medidas de quarentena contra a Covid-19 tivessem retornado na capital antes do segundo turno que consagrou o tucano.
O fato é que, logo no primeiro dia após a eleição, Covas e o governador paulista, João Doria, do mesmo partido, se apressaram a anunciar que o estado todo retrocederá à fase amarela do Plano SP.
Deixar o estágio verde —o mais brando na escala de cinco níveis— significa que estabelecimentos comerciais voltam a ter ocupação limitada a 40%, com dez horas de funcionamento e término às 22h. Escolas continuam abertas.
A rapidez em adotar a providência permite supor que ambos os mandatários tinham noção da gravidade prenunciada no repique da curva de Covid-19. Isso não impediu o candidato de afirmar ainda no sábado (28), véspera da segunda rodada, que havia estabilidade da pandemia na cidade de São Paulo.
Indícios como a alta de internações em hospitais públicos e privados já apontavam então na direção oposta. Nada se alterou tanto, em apenas 48 horas, para justificar a súbita recaída na precaução.
Postergar medidas imperativas e difíceis para depois de fechadas as urnas é um velho vício brasileiro, a principal modalidade do famigerado estelionato eleitoral.
Verdade que Covas e Doria tiveram de lidar com a ainda mal explicada pane informática no Ministério da Saúde, que recebe e totaliza dados nacionais de casos e mortes pelo coronavírus. Foram duas semanas de falhas, provável fruto da invasão de seus computadores.
Com essa justificativa, o governo paulista anunciou o adiamento, para depois do segundo turno, da revisão mensal do Plano SP marcada para 16 de novembro.
Alegou-se que a imprecisão nas informações poderia levar cidades a progredirem para a fase verde mesmo tendo alta indetectada. Verificou-se o inverso —uma capital de 12 milhões de pessoas demorando a reforçar o distanciamento.
Ambas as campanhas dos adversários no segundo turno, ademais, seguiram promovendo aglomerações para conquistar eleitores. Não surpreendeu que Boulos tenha contraído Covid-19 precisamente nesse período.
Atrasos têm consequências funestas. Nas próximas semanas, paulistas e paulistanos descobrirão qual o preço, em infecções e óbitos, de ver o poder público procrastinar medidas sanitárias inevitáveis.
Esquerda derrotada
O PT perdeu menos prefeituras que o PSDB e quase tantas quanto o MDB, em termos proporcionais. Entretanto o encolhimento petista se mostra o mais notável entre os partidos tradicionais, e não apenas em razão dos números.
A fria estatística, de todo modo, evidencia um desempenho muito fraco para uma legenda que desde 1989 disputa os segundos turnos das disputas presidenciais.
O PT não elegeu prefeito nas capitais, fato inédito desde 1985. Tanto em quantidade de municípios quanto em população governada, a sigla ocupa agora o vexatório 11º lugar no ranking nacional.
Em termos simbólicos, o desempenho não foi melhor. Em São Paulo, onde costumava ocupar posição central, ficou muito longe do segundo turno. Sua candidata de maior relevo, Marília Arraes, no Recife, sempre foi tratada como corpo estranho no petismo.
Na falta de novidades no partido dominado pela figura centralizadora de Luiz Inácio Lula da Silva, o eleitorado propenso a votar na esquerda parece ter decidido renovar por conta própria as lideranças nesse campo político.
Apesar da força de novos nomes como Guilherme Boulos (PSOL), de Manuela D’Ávila (PC do B), e da vitória de Edmilson Rodrigues (PSOL) em Belém, a esquerda em geral foi derrotada. De menos desfavorável, o PDT de Ciro Gomes perdeu poucas prefeituras e conquistou duas capitais, Aracaju e Fortaleza.
Quanto ao mais, os partidos que cresceram foram os do centrão, PSD e PP em especial, e o DEM. Apesar do declínio, o PSDB manteve força considerável.
Embora o centrão ora esteja em boa parte aliado a Jair Bolsonaro, o presidente também foi derrotado. Candidatos em cidades importantes fugiam da associação com a pauta ideológica bolsonarista. Tampouco houve vitória relevante de outsiders e populistas.
Isso não quer dizer, necessariamente, que a antipolítica esteja morta, menos ainda a esquerda ou o presidente. Trata-se de uma eleição municipal, com questões específicas e locais, disputada no momento peculiar da pandemia.
Notaram-se, entretanto, sinais de que a população parece cansado da estridência que emergiu em 2018 com Bolsonaro e nomes como Wilson Witzel, eleito governador do Rio —e farto de seus fracassos ou escândalos administrativos.
Por vezes de modo significativo, parte considerável dos votantes pareceu buscar alternativas, mesmo na esquerda derrotada. Ainda assim, na dúvida e na falta de maiores novidades, o eleitor na média preferiu ser conservador.