81% das cidades do CE não receberam recursos federais do Compromisso Criança Alfabetizada em 2024
O Ceará é o primeiro estado brasileiro a ter superado, ainda em 2023, a meta traçada pelo governo federal de chegar ao índice de 80% de alfabetização infantil até 2030. Com 85% das crianças alfabetizadas na idade certa, o índice estadual reflete uma realidade dos municípios cearenses. Das 184 cidades cearenses, 150 também alcançaram (ou superaram) a meta de 80%. Os dados são do 1º Relatório de Resultados do Indicador Criança Alfabetizada, divulgado em 2024.
Os resultados, no entanto, não significam que não existem riscos no processo de alfabetização no Ceará. Esse é o alerta do Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE) após auditoria realizada no ano passado.
A Corte analisou como está a implementação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada nas cidades cearenses — o programa federal foi criado em 2023 para garantir o direito à alfabetização das crianças brasileiras até o final do 2º ano. A Corte apontou quatro riscos prioritários nas políticas de alfabetização nas cidades cearenses. Foram eles:
"Essas questões têm alta probabilidade de ocorrência e impacto significativo, exigindo atenção prioritária. Recomenda-se fortalecer o apoio técnico e financeiro aos municípios, capacitar gestores e priorizar a alfabetização nas agendas políticas locais", pontua o relatório final da auditoria.
O ponto financeiro é um dos analisados pelo levantamento. Segundo os dados coletados com as prefeituras cearenses, 81% das cidades não receberam repasses federais vinculados ao Compromisso Nacional em 2024. Contudo, isso não significa que os municípios não estejam sendo beneficiados, informa o Ministério da Educação.
Segundo a pasta do governo federal, as transferências não são feitas de forma direta, ou seja, da União para os municípios. Na verdade, o processo passa pelas gestões estaduais, que são as responsáveis por coordenar as ações com as prefeituras.
Esta reportagem integra série produzida pelo Diário do Nordeste sobre as políticas públicas para Primeira Infância e a atuação de entes públicos para garantir a efetividade das iniciativas voltadas a crianças em seus primeiros anos de vida.
Municípios sem recursos?
A auditoria sobre a implementação do Compromisso Nacional não foi realizada apenas no Ceará. Ela integra uma ação nacional dos tribunais de contas, originada no Comitê Técnico de Educação do Instituto Rui Barbosa, com a coordenação do Tribunal de Contas da União (TCU).
No Ceará, o levantamento foi realizado por meio de formulário eletrônico. Das 184 prefeituras cearenses, 144 responderam ao questionário do TCE Ceará, assim como a Secretaria de Educação do Estado.
Um dos pontos identificados pelo Tribunal foi quanto à chegada de recursos federais e estaduais nas cidades. Entre os municípios cearenses, 81% não receberam nenhum tipo de apoio financeiro da União para alfabetização em 2024, ligada ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.
Também foi registrada uma ausência nos recursos estaduais. Segundo o relatório do TCE Ceará, 59% das cidades afirmam não ter recebido nenhum apoio financeiro do Estado para alfabetização em 2023 e 2024. "Essa distribuição desigual pode agravar as desigualdades educacionais entre os municípios", pontua o relatório nacional.
Mas o que isso significa para as políticas de alfabetização dos municípios cearenses? "Tem que analisar mais profundamente cada um dos contextos para entender se efetivamente afeta o resultado", pontua a auditora de Controle Externo do TCE Ceará, Priscila Lima.
Integrante do Comitê de Educação do IRB, ela atuou no levantamento a respeito da implementação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.
"Os resultados de alfabetização do estado do Ceará, dos municípios do estado, são muito bons. (...) A questão de olhar para o orçamento era a seguinte: olha, eu já tenho uma ação de alfabetização nos municípios, veio o Compromisso. O que é que o Compromisso traz de novo? O que adicionalmente vem (para os municípios)?", detalha.
A auditora pontua que o levantamento indica a ausência de recursos, mas "não identifica causas". O indicativo, pontua ela, precisa então ser melhor investigado pelos próprios entes ou mesmo pelos tribunais de conta.
"Dou um spoiler aqui: esse mesmo comitê técnico de Educação (do IRB) está planejando o acompanhamento do Compromisso, quer continuar a monitorar esses resultados", destaca Priscila Lima.
MEC explica envio de recursos
A auditora explica que, por exemplo, existem municípios que conseguem continuar a efetivar as políticas de alfabetização mesmo sem a chegada de recursos de outros entes.
Os dados do levantamento apontam para o cenário descrito pela técnica. Dentre as cidades cearenses, 50% aumentou o orçamento voltado à alfabetização — no comparativo entre 2023 e 2024. Apesar disso, apenas 31% relaciona esse aumento ao Compromisso Nacional.
Outro elemento dado para explicar essa continuidade das políticas de alfabetização é dado pelo Ministério da Educação (MEC). Indagado pelo Diário do Nordeste a respeito da ausência de envio de recursos federais às cidades cearenses, a pasta pontuou que essa transferência nem sempre ocorre de forma direta.
Segundo o MEC, o apoio financeiro é feito a partir de diretrizes e normas emitidas pelo Comitê Estratégico do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (Cenac). Em 2023, o colegiado determinou que os repasses fossem feitos por meio do Plano de Ações do Território Estadual (Pate).
"Por meio do Pate, faz-se um levantamento da demanda por materiais suplementares e formação de profissionais da educação do estado e, especialmente, dos municípios. Com base nisso, o MEC celebra um termo de compromisso com o Estado, transferindo-lhe recursos para que ele execute as ações diretamente com os municípios", explica a nota.
Com isso, "apesar de não haver transferência de recursos financeiro diretamente ao município, ele é beneficiado pelas ações estaduais custeadas com o apoio federal". No Ceará, 148 cidades aderiram ao Pate e, portanto, estariam contempladas pelas ações estaduais financiadas pelo governo federal. Ainda segundo o MEC, foram repassados, ao Ceará, pouco mais de R$ 9,6 milhões para o Pate Material e cerca de R$ 25,6 milhões para o Pate Formação.
A Secretaria de Educação do Estado confirmou o sistema colaborativo oriundo do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.
"O fato dos municípios não terem recebido recursos financeiros oriundos do MEC, não significa que não estejam sendo beneficiados pelo programa, por meio do estado, que coordena e articula as ações estaduais custeadas com o apoio federal. (..) E as ações envolvem os serviços ofertados pelo Paic (Programa Alfabetização na Idade Certa)", reforça a pasta, em nota.
Outros riscos identificados
O relatório do TCE Ceará identificou ainda outros riscos às políticas de alfabetização nos municípios do estado. Um deles é o alto percentual de prefeituras cearenses a não contarem com uma política municipal de alfabetização. Segundo o levantamento, 81% dos municípios ainda não possuem uma Política de Alfabetização formalmente instituída.
"Isso resulta em uma lacuna de governança, onde a ausência de diretrizes claras compromete a capacidade dos gestores municipais de planejar e executar políticas consistentes e eficazes, prejudicando o alcance dos objetivos estabelecidos pelo Compromisso Nacional Criança Alfabetizada", afirma o relatório.
Os efeitos dessa ausência, ainda segundo a avaliação da equipe técnica do TCE Ceará, vão desde ações descoordenadas até a dificuldade na avaliação de resultados e correção de eventuais falhas no processo. As consequências podem chegar, inclusive, no Orçamento. "Sem uma política clara, os recursos destinados à alfabetização podem ser mal direcionados, aplicados em iniciativas que talvez não gerem o impacto desejado ou que não alcancem as populações mais necessitadas", elenca o texto.
O sistema de avaliação das políticas educacionais voltadas às crianças também foi um dos itens avaliados no levantamento. Os dados obtidos pelo levantamento demonstram uma alta participação nas avaliações disponibilizadas pelo Estado e pela União, mas uma ausência de sistemas próprios.
Do total, 97% participam da avaliação anual de matemática e língua portuguesa do Sistema Estadual de Avaliação da Educação Básica do Ceará. O índice de municípios cadastrados na plataforma digital de avaliações periódicas do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada também é alto: 92% das prefeituras cearenses.
Além disso, 83% aplicam as avaliações periódicas disponibilizadas pelo Ministério da Educação.
No entanto, quando o TCE Ceará indaga sobre os sistemas municipais de avaliação, é perceptível que essa ainda não é uma prioridade dos municípios: 58% não faz avaliações de Matemática e Língua Portuguesa, enquanto 47% não possui sistema próprio de avaliação do processo de alfabetização.
"A falta de um sistema próprio pode indicar uma dependência dos municípios em relação às avaliações estaduais ou nacionais, o que, apesar de útil, pode não capturar todas as nuances específicas de cada localidade", pontua o relatório da Corte de Contas.
Recomendações às gestões estadual e municipais
Priscila Lima pontua que o levantamento identificou "algumas lacunas" e emitiu "alertas" aos gestores municipais e ao Governo do Ceará. A fiscalização foi elencada pelo TCE Ceará dentro de uma série de auditorias realizadas em torno da temática da Primeira Infância e embasaram o Pacto Cearense pela Primeira Infância, lançado no início de abril.
Na solenidade, realizada no dia 7 de abril, o presidente do TCE Ceará, Rholden Queiroz, explicou que estas auditorias não têm "viés punitivo". "Elas têm mais o viés de estar do lado do Município, apoiando naquilo que tem dificuldade. O Tribunal encontra dificuldades e ajuda a solucionar o problema", destaca.
Além do Tribunal, outros órgãos de controle aderiram ao Pacto, além do Poder Judiciário. Também são signatários o Governo do Ceará e as prefeituras cearenses.
Entre os compromissos assumidos estão, inclusive, alguns focados na Educação. O Governo do Estado, por exemplo, se comprometeu a "apoiar, por meio do sistema de colaboração entre o Estado e os municípios, a ampliação do acesso e qualidade da educação infantil da rede pública de ensino".
Os gestores municipais, por sua vez, se comprometeram a fortalecer a rede de serviços voltados à Primeira Infância, "em especial, na expansão de creches, centros de educação infantil e outros serviços essenciais, garantindo acesso a todas as crianças".
O levantamento sobre a implementação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada também fez recomendações e alertas aos gestores, especificamente sobre os instrumentos de alfabetização.
Ao Governo do Ceará, foi recomendado "manter e ampliar o apoio financeiro aos municípios", garantindo equidade como forma de "diminuir desigualdades existentes".
Além disso, foi sugerido que a gestão estadual oriente as escolas da rede pública de ensino a usar os resultados obtidos nas avaliações periódicas — sejam nacionais ou estaduais — para ajudar na recomposição de conteúdos para estudantes que apresentaram insuficiência na aquisição das competências.
Já aos gestores municipais é recomendado "instituir a Política Municipal de Alfabetização, para aqueles que ainda não o tiverem feito, de forma a direcionar o planejamento municipal na área".
Também é incentivado o apoio às respectivas secretarias municipais de educação — indo desde o apoio financeiro para o processo de alfabetização até o incentivo a identificar, premiar e disseminar "práticas pedagógicas e de gestão exitosas na alfabetização, desenvolvidas por professores da educação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental".
CGU alertou INSS sobre fraude bilionária em descontos de aposentados 7 meses antes de operação da PF
Por Alvaro Gribel / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - A auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) sobre desvios bilionários de benefícios de aposentados e pensionistas do País durou pelo menos três meses e chegou à cúpula do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em setembro de 2024 – sete meses antes da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, que derrubou o então presidente do órgão Alessandro Stefanutto.
O foco da auditoria foi ouvir 1.242 beneficiários de todos os Estados para entender se eles haviam autorizado os descontos por parte de associações privadas. Elas ofereciam, em troca, serviços dos mais diversos tipos, como assistência funerária, consultas médicas e “maridos de aluguel” (reparos em residências). A auditoria aconteceu após o órgão constatar “súbito aumento” nos descontos, a partir de 2023, além de fragilidades nos controles do INSS, histórico de irregularidades nessa prática e elevado número de pedidos de cancelamentos dos descontos por parte dos aposentados.
“Este trabalho foi realizado devido ao súbito aumento no montante dos descontos de mensalidades associativas realizados na folha de pagamento de beneficiários do INSS (de R$ 536,3 milhões em 2021 a R$ 1,3 bilhão em 2023, podendo alcançar R$ 2,6 bilhões em 2024), aliado à fragilidade dos controles mantidos pelo INSS para a realização desses descontos, ao histórico de irregularidades reportadas, e ao elevado número de requerimentos, ao INSS, de cancelamento de descontos (192 mil em abril de 2024)”, diz o documento da CGU.
O valor final de 2024, de acordo com a Operação Sem Desconto, foi de R$ 2,8 bilhões – acima do projetado pela CGU.
7 em cada 10 desconheciam descontos
Nas conversas com beneficiários, os auditores descobriram que 97,6% dos entrevistados não haviam autorizado os descontos dos seus benefícios. É esse número que indica, segundo a CGU, que grande parte dos R$ 7,99 bilhões descontados desde 2016 tenham acontecido de forma irregular.
Além disso, a auditoria apontou que 72% sequer sabiam que estavam sendo descontados pelo INSS, que então repassava os recursos às associações. Isso porque o INSS parou de enviar o extrato físico com o detalhamento dos proventos e muitos dos aposentados e pensionistas não tinham acesso ao extrato pelo formato digital ou não iam a agências físicas.
“Verificou-se que 72,4% dos entrevistados desconheciam a existência do desconto associativo em seu benefício. Destaca-se que para conhecimento do desconto é necessário acessar o extrato, o qual não é mais enviado ao beneficiário, podendo ser requerido em uma Agência da Previdência Social ou pelo aplicativo Meu INSS”, disse o órgão.
Segundo a CGU, apenas 32% dos aposentados ouvidos já haviam acessado o aplicativo Meu INSS. “Ao serem questionados a respeito deste aplicativo, 42,4% informaram desconhecê-lo, enquanto 25,1% conheciam, mas nunca tinham utilizado”, afirmou o órgão.
Indícios de documentações fraudadas
A CGU separou os entrevistados em dois grupos. Para um primeiro, de 90 aposentados, fichas com autorização dos descontos foram encaminhadas ao órgão pelas associações. Quando confrontados com o documento, 81% dos aposentados negaram que haviam dado consentimento para os descontos, o que sugeriu fortes indícios de fraude.
“Este resultado, por sua vez, revela que as assinaturas podem estar sendo recolhidas sem o conhecimento do beneficiário sobre a finalidade ou inclusive que as documentações podem estar sendo fraudadas”, diz a CGU.
O órgão também descobriu que havia descontos de aposentados em Estados diferentes de onde as associações ofereciam serviços.
“Em que pese a possibilidade de as entidades celebrarem parcerias com outras entidades, correspondentes bancários ou representantes, o acesso aos serviços ofertados seria difícil, a menos que ocorresse de forma remota, o que seria improvável, dada a falta de familiaridade dos beneficiários com recursos digitais”.
Além disso, o órgão apurou que havia assinaturas de pessoas com deficiência, “o que os impede dessa manifestação de vontade”, além de indígenas que não sabiam ler nem escrever e “residentes no exterior e que não tiveram contato com associações quando estiveram no Brasil”.
Digitalização jogou contra aposentados
A digitalização do processo, segundo a CGU, tornou mais fácil para as associações se cadastrarem no INSS e aplicarem o golpe, ao mesmo tempo que atrapalharam a vida de aposentados que queriam cancelar os descontos irregulares. “Ante as fragilidades de controle identificadas, os resultados sinalizam que os beneficiários encontram mais dificuldades para bloquear os descontos do que as entidades para implementá-los, indicando fragilidade na proteção dos direitos dos beneficiários”.
O órgão aponta que os descontos poderiam ocorrer sem nenhuma análise por parte de servidores do INSS.
“Verifica-se que a transformação digital ocorrida no INSS sem o devido aperfeiçoamento dos controles internos elevou os riscos relacionados à realização de descontos associativos indevidos. Além de os descontos poderem ser realizados pelas entidades sem qualquer tipo de análise por um servidor do INSS”.
Com isso, o número de entidades saltou de 15 em 2021 para 22 em 2022, chegando a 33 em 2024 – sendo que 11 delas foram alvo de medidas judiciais da Operação Sem Desconto.
Recomendação de ‘bloqueio imediato’
Diante dos fortes indícios de irregularidades, entre as recomendações feitas pela CGU ao INSS estavam o “bloqueio imediato” dos descontos, além do aprimoramento da formalização dos convênios entre as associações e o INSS.
“Recomendou-se ao INSS o bloqueio cautelar e imediato de descontos de novas mensalidades associativas; o aprimoramento de procedimentos de formalização, acompanhamento da execução, suspensão e cancelamento de ACT (Acordos de Cooperação Técnica)”, diz o órgão.
A CGU diz que, ao contrário, que o INSS ignorou os alertas e seguiu dando autorizando o desconto dos benefícios dos aposentados. “Mesmo conhecendo essa situação, a existência de denúncias recorrentes acerca da realização de descontos associativos não autorizados pelos beneficiários, e a falta de capacidade operacional necessária para acompanhamento dos ACT, o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos”, disse a CGU.
O bloqueio dos descontos só foi anunciado nesta quinta-feira, 24, após a deflagração da Operação Sem Desconto. O ministro da CGU, Vinicius Carvalho, anunciou a suspensão dos convênios do INSS com sindicatos e associações e afirmou que os valores descontados de forma indevida serão restituídos aos beneficiários, mas ainda não há prazo para o ressarcimento integral.
Lula decide não ir a ato de 1º de Maio das centrais sindicais em SP
O presidente Lula (PT) decidiu não comparecer às comemorações de 1º de Maio convocadas pelas centrais sindicais em São Paulo, um ano após o fiasco de público do ato realizado no estádio do Corinthians, em Itaquera, na zona leste de São Paulo.
A aliados, o presidente argumentou que só iria se pudesse comparecer aos dois atos marcados —o da Força Sindical, UGT, CTB, CSB, Nova Central Sindical de Trabalhadores e Pública, na capital, e de sindicatos locais em São Bernardo do Campo, seu berço político. Mas avaliou que seria muito desgastante.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) participa apenas como convidada, e não organizadora, do ato realizado na praça Campo de Bagatelle, zona norte da cidade de São Paulo, por discordar da realização dos sorteios para atrair público.
Neste mandato, será a primeira vez que o petista não participa do ato das centrais —ele esteve em 2023 e 2024.
Nos dois primeiros mandatos de Lula, as centrais faziam atos separados, e Lula não costumava comparecer. Ia apenas a missas na igreja matriz em São Bernardo. Apenas em 2010, ano eleitoral, participou, ao lado da então candidata Dilma Rousseff (PT), dos atos da CUT e da Força Sindical.
Procurada, a Secom não respondeu sobre a participação do presidente nos atos de 1º de Maio deste ano.
Fraudes no INSS e uso de avião com dinheiro de ONG: entenda as polêmicas de Lupi como ministro
Por Sarah Teófilo — Brasília / O GLOBO
Envolvido no mais novo foco de desgaste no governo Lula, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, também já esteve no centro de controvérsias em outros governos petistas. Dessa vez, uma operação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou a existência de um esquema nacional de descontos associativos não autorizado feitos por sindicatos em aposentadorias e pensões.
As entidades cobraram de aposentados e pensionistas R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, segundo a PF e a CGU. O então presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, foi afastado do cargo por decisão judicial e depois demitido pelo presidente Lula.
Em 2011, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, Lupi pediu demissão após uma série de denúncias de irregularidades no Ministério do Trabalho, então chefiado por ele. Na época, a Comissão de Ética Pública recomendou à presidente a exoneração. Ele foi acusado de ter acumulado entre 2000 e 2005 dois cargos de assessor parlamentar em órgãos públicos distintos e foi apontado como funcionário fantasma da Câmara dos Deputados entre 2000 e 2006.
Na ocasião, Lupi apresentou sua demissão, dizendo que saía com “a consciência tranquila do dever cumprido, da minha honestidade pessoal, e confiante, por acreditar que a verdade sempre vence". Em meio a todas as polêmicas, ele foi também acusado de ter viajado em um avião alugado por um empresário que obteve posteriormente contratos de projetos ligados ao ministério. O uso da aeronave teria ocorrido em 2009, no segundo governo Lula, quando Lupi já era ministro do Trabalho.
O caso só veio à tona em 2011 depois que um site de notícias divulgou uma foto de Lupi saindo de uma aeronave no Maranhão, segundo o proprietário do portal. O avião em questão havia sido alugado por um responsável por ONGs que receberam verbas de convênios com a pasta. O caso foi revelado pela revista Veja. Em nota divulgada na época, o ministério afirmou que a viagem do ministro tinha atividades do ministério e partidárias e, nesses casos, a aeronave foi de “responsabilidade” do PDT, partido de Lupi.
AO GLOBO, o empresário em questão contestou na ocasião declarações do ministro de que os dois não se conheciam. O homem afirmou que possuía “elementos suficientes” para fazer o ministro refrescar a memória e confirmou que “providenciou” o avião.
— Queria contestar essa história do ministro. Eu queria dizer claramente que o ministro está equivocado ou está sem memória. Acho que essas palavras bastam por enquanto: ele está equivocado ou sem memória — disse o empresário.
Quatorze anos depois, o ex-presidente do INSS, indicado por Lupi, foi afastado na tentativa de reduzir o desgaste para o Palácio do Planalto.
— A indicação do Stefanutto é de minha inteira responsabilidade. Até o momento, ele tem dado mostra de conduta exemplar. Vamos agora aguardar o processo que corre em segredo de Justiça, esperar as investigações. Decisão judicial não se discute, se cumpre. Quando não se concorda, se recorre. Vamos tomar os cuidados devidos para o amplo direito de defesa dos cidadãos — afirmou Lupi na quarta-feira.
A CGU identificou que 70% de 29 entidades autorizadas a fazer descontos associativos diretamente na folha de pagamento de aposentados e pensionistas não haviam entregue ao INSS a documentação necessária para fazer os descontos. A informação consta em uma das auditorias feitas pela Controladoria após o aumento de descontos e queixas de beneficiários.
A análise foi feita em cima de 29 entidades que tinham Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS para realizar os descontos. Um dos critérios para descontar valores na folha de aposentados e pensionistas é justamente a entrega de uma série de documentos analisados pelo INSS.
Como O GLOBO já mostrou, um aliado de Lupi que comanda um sindicato que está sendo processado por descontos irregulares ocupa uma cadeira no Conselho Nacional da Previdência Social. José Avelino Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil (Sinab), é filiado ao PDT e já chegou a ser preso sob suspeita de desvio de recursos públicos.
Ele e o sindicato não são investigado. Dois membros de entidades que foram alvo da PF e da CGU têm assento no conselho. As indicações para integrar o colegiado são feitas pelas entidades, mas a nomeação é efetivamente assinada pelo ministro. Perguntado sobre isso, Lupi afirmou que apenas está cumprindo a lei.
— Existe uma lei que configura como se faz a indicação do conselho, quem são as entidades, e quem indica. Compete ao ministro apenas fazer a nomeação formal dos indicados. Eu não tenho a competência para dizer que vai ser A, B ou C — afirmou.
Sidônio comandou reunião de emergência com ministros sobre crise do INSS
Mônica Bergamo é jornalista e colunista / FOLHA DE SP
A reação à crise do INSS que explodiu com descontos não autorizados em aposentadorias e pensões foi discutida nas primeiras horas da manhã de quarta (23) no Palácio do Planalto.
SALA DE CRISE
Logo cedo, e na sequência da operação da PF e da CGU que cumpriu 211 mandados judiciais de busca e apreensão, o presidente Lula convocou os ministros da Justiça, Ricardo Lewandowski, da Controladoria-Geral da União, Vinicius Marques de Carvalho, da Previdência, Carlos Lupi, e o superintendente da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, para uma reunião de emergência com o ministro de Comunicação, Sidônio Palmeira.
CRISE 2
A ideia era elaborar um discurso unificado para enfrentar a crise de modo a não gerar ainda mais ruído em torno dela. Discutiu-se o formato em que o governo daria explicações: se por meio de uma nota, ou de entrevistas.
CRISE 3
A decisão foi pela entrevista coletiva, dada a gravidade e o potencial de estrago do escândalo, que atinge milhões de beneficiários.
CRISE 4
Depois disso, surgiu a segunda dúvida: o ministro Lupi deveria ou não participar da coletiva, já que a cúpula do INSS, subordinada à sua pasta, havia sido atingida diretamente pelas denúncias?
MELHOR ASSIM
A conclusão foi a de que, se ele não fosse, seria considerado automaticamente suspeito.
NA DEFESA
Lupi foi —mas teve um comportamento defensivo que destoava do tom incisivo adotado por Lewandowski, Vinicius de Carvalho e Andrei Rodrigues.
NA RUA
Horas depois, por determinação de Lula, o ministro anunciou a demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Os autores do livro "O Céu de Celinna", Guilherme Fonseca e Nanna de Castro, receberam convidados para o lançamento da obra em São Paulo. O evento na Livraria da Vila, na alameda Lorena, contou com a presença do cenógrafo Márcio Medina, do diretor Carlos Gradim e da atriz Lilian Domingos.
com KARINA MATIAS, LAURA INTRIERI, MANOELLA SMITH e VICTÓRIA CÓCOLO
Governo sem 'bala na agulha', Centrão empoderado e mais: por que ministérios não são mais tão atrativos para os partidos?
Por Bernardo Mello — Rio de Janeiro / O GLOBO
Em um momento de crise na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão do líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas Fernandes (MA), de recusar o posto de ministro das Comunicações traz à tona mudanças na relação entre Executivo, Legislativo e caciques partidários ao longo da última década, que desarrumaram o chamado “presidencialismo de coalizão”.
O antigo modelo, baseado em nomeações na máquina pública em troca de apoio parlamentar, acabou comprometido, na avaliação de pesquisadores e cientistas políticos, pelo acesso mais direto do Centrão ao Orçamento público, driblando ministérios cada vez mais espremidos com despesas que fogem de sua alçada de decisão.
Caciques do União Brasil alegaram reservadamente que a pasta estaria “esvaziada”, isto é, com baixa capacidade de entregas concretas, para justificar a decisão de Pedro Lucas de permanecer na liderança da bancada.
Cada deputado tem no Orçamento deste ano R$ 37 milhões de emendas impositivas, isto é, de pagamento obrigatório — formato instituído há uma década. Parte desse valor pode ser transferido diretamente para o caixa de prefeituras e governos estaduais, sem depender de convênios firmados por ministérios. A modalidade, conhecida como “emenda Pix”, foi criada em 2019. Os líderes de bancadas também têm influência na destinação de emendas de comissão, que totalizam R$ 7,6 bilhões para a Câmara neste ano.
— A negociação do lugar no governo não tem a mesma importância que antes. Se você tem a “emenda Pix”, por exemplo, não precisa mais fazer aquele périplo no Executivo para liberar recurso. Isso muda a relação do Legislativo com esse Executivo — avalia o cientista social Marcos Nobre, pesquisador da Unicamp.
O somatório de emendas alocadas no Ministério das Comunicações neste ano é de R$ 24,9 milhões, valor que supera apenas sete dos 39 ministérios, de acordo com o Painel do Orçamento Federal (Siop). A pasta conta ainda com uma verba “livre” de R$ 913 milhões, além de R$ 118 milhões alocados pelo novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse critério, a pasta é a 19ª mais contemplada no governo, atrás de outras ocupadas pelo Centrão, como as de Portos e Aeroportos, Desenvolvimento Regional e Agricultura.
Nobre pondera que os ministérios, embora menos atrativos, via de regra seguem cobiçados pelos parlamentares. Sob o ex-ministro Juscelino Filho (União-MA), a pasta de Comunicações abrigou apadrinhados de parlamentares de outras siglas, como o PSD. Além disso, Juscelino ampliou a influência do ministério, após uma queda de braço com a Anatel, sobre uma verba de R$ 3,1 bilhões obtida com o leilão do 5G, destinada a instalar internet em escolas públicas.
Novas dinâmicas
A recusa de Pedro Lucas em assumir o ministério, além de atípica, difere de outros episódios do tipo. Em 2007, no segundo mandato de Lula, houve três tentativas ao longo de quatro meses até que Nelson Jobim aceitasse assumir a pasta da Defesa. Jobim, porém, não recuou depois de aceitar o cargo, como no caso de Pedro Lucas.
No governo Dilma Rousseff (PT), em 2015, o então secretário de Aviação Civil, Eliseu Padilha (MDB), recusou trocar o cargo pela pasta de Relações Institucionais, já em meio a desgastes entre a presidente e o vice Michel Temer.
No governo Temer, presidentes de siglas com amplas bancadas no Congresso, como Gilberto Kassab (PSD), Marcos Pereira (Republicanos) e Romero Jucá (MDB), assumiram ministérios. Kassab, que na gestão Dilma comandava a pasta das Cidades, passou a dirigir Ciência e Tecnologia. Desde então, os caciques partidários, em sua maioria, deixaram de assumir postos no governo.
A guinada coincidiu com a criação do fundo eleitoral em 2018, e que hoje destina R$ 4,9 bilhões aos partidos de acordo com o tamanho da bancada legislativa, sob a gestão desses mesmos caciques.
O historiador Leonardo Weller, coautor de “Democracia negociada: política partidária no Brasil da Nova República”, aponta um encolhimento gradual das “verbas livres” dos ministérios devido a problemas fiscais e à elevação de gastos obrigatórios do governo, incluindo o avanço das emendas. Mas a perda do apelo da “típica negociação de ceder ministérios e secretarias”, segundo Weller, segue também um cenário de polarização acirrada entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
— O governo tem menos bala na agulha no Orçamento do que antes. Além disso, os partidos mais à direita têm lideranças com um discurso “anti-Lula”, e estão mais preocupados com a repercussão nas redes sociais do que em tocar políticas públicas — afirma Weller.
Divisões internas
Especialistas avaliam ainda que mudanças na legislação eleitoral aprofundaram divisões internas nos próprios partidos. O União Brasil é fruto da fusão entre PSL e DEM, mecanismo estimulado pela introdução da cláusula de barreira em 2018, que vem aumentando a exigência de representação no Congresso para que os partidos tenham acesso à verba pública.
Desde a fusão, Juscelino, o ex-ministro, egresso do DEM, e Pedro Lucas, ex-PSL e que foi cotado como sucessor, travam uma disputa pelo comando do partido no Maranhão e fazem alianças distintas no estado.
Pesquisadora do Cepesp/FGV-SP, a cientista política Joyce Luz explica que a coesão partidária no Congresso também foi abalada pela empoderamento do Centrão, bloco composto por siglas como PP, Republicanos e o próprio União Brasil, especialmente após a passagem de Arthur Lira (PP-AL) pela presidência da Câmara.
— O Centrão ganhou espaço em torno do Lira. Hoje o alicerce da governabilidade não são os partidos, e sim esse bloco. Não por acaso, Lula está tentando retomar o poder do colégio de líderes, para ter uma maior coesão partidária do que traz hoje o Centrão.
Lula dá aval para presidente da Telebras assumir Comunicações e se fia em Alcolumbre para manter governabilidade
Por Victoria Abel, Lauriberto Pompeu, Renata Agostini, Jeniffer Gularte, Sérgio Roxo e Gabriel Sabóia— Brasília / o globo
Após o constrangimento de ter um convite recusado para o Ministério das Comunicações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou nova indicação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), desta vez com perfil técnico, e confirmou ontem o presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho, para comandar a pasta. Com a base fragilizada e enfrentando resistência da bancada do União Brasil na Câmara, a aposta do governo é estreitar as relações com o presidente do Senado para evitar uma crise de governabilidade.
No Palácio do Planalto, Alcolumbre e Siqueira Filho conversaram nesta quarta-feira com Lula sobre os trabalhos da pasta. Eles foram acompanhados pelo ex-ministro Juscelino Filho, exonerado após ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por desvio de emendas parlamentares, e pelo líder do União na Câmara, Pedro Lucas (MA), que recusou o posto na véspera.
O aval de Lula foi confirmado pelo presidente do União Brasil, Antonio Rueda, além de auxiliares no Planalto. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que esteve na sede do governo durante a tarde para receber o texto da PEC da Segurança Pública, também foi informado sobre a escolha.
Na conversa sobre o ministério, foram citados três nomes a Lula. Frederico, porém, foi aceito após ser apontado como o principal técnico para a vaga.
Cautela no Planalto
O governo optou por um anúncio oficial apenas após uma nova conversa com parlamentares do União. Aliados do presidente acreditam que, depois disso, o comunicado oficial pode ser feito ainda nesta quinta-feira, antes do embarque de Lula para Roma, onde participará do funeral do Papa Francisco.
Em conversa por telefone na noite de anteontem, Alcolumbre e Lula já haviam acertado que o presidente do Senado apresentaria a indicação de um nome de fora do Congresso, com perfil técnico.
O presidente da Telebras foi sugerido a Alcolumbre pelo líder do União no Senado, Efraim Filho (PB). Com a escolha, o posto deixa de ficar sob a influência da bancada da Câmara, que ficou desgastada com o governo após a recusa de Pedro Lucas.
— A indicação final é do Alcolumbre, ele quem está apresentando ao Lula. Mas, sim, o conheço e é um sujeito que pegou uma Telebras natimorta e entrega superavitária, é um nome não filiado ao União Brasil e de perfil técnico, dono de expertise em conectividade e com uma boa visão da iniciativa privada — disse Efraim.
Deputados do União Brasil, que cada vez mais demonstram animosidade em relação ao governo, se irritaram com a primeira amarração feita pelo presidente do Senado, cujo objetivo era indicar Pedro Lucas ao ministério. Eles avaliaram a postura como uma “intromissão” e um “desrespeito com a autonomia da bancada”.
Eles reconhecem que Alcolumbre tem poder relevante como presidente do Congresso, mas que sua influência entre os deputados é limitada. Para parte da bancada do União da Câmara, mais uma indicação do presidente do Senado na Esplanada não mudará o quadro de votos do governo na Câmara.
— O Pedro Lucas com essa atitude (de recusar o ministério) consolidou o papel dele como líder. Tem o respeito dos colegas. Não tinha nenhuma decisão de bancada em relação à indicação dele. O partido sai fortalecido. O partido sempre foi tratado em segundo plano, o Rueda tentou falar três vezes com o Lula e o Lula não o recebeu. O Davi é uma liderança importante, virou um interlocutor do governo, mas uma coisa é o Senado, outra é a Câmara. A Câmara tem uma bancada — afirma Danilo Forte (União-CE).
A decisão de Pedro Lucas em recusar o cargo deixou Lula irritado, segundo integrantes do governo. Na terça-feira, chegou a ser cogitado diminuir o espaço do União na Esplanada. Mas, em seguida, prevaleceu a avaliação de que a conjuntura requer um aprofundamento dos laços com o presidente do Senado.
Na visão de auxiliares do presidente, a escolha reforça o diagnóstico de que o aliado do governo no União Brasil é Alcolumbre. O partido tem divisões internas. Uma ala defende um afastamento do Planalto de olho nas eleições de 2026. Fazem parte desse grupo o presidente da legenda, Antonio Rueda, e o ex-prefeito de Salvador ACM Neto.
Na montagem do governo, Alcolumbre já havia indicado Waldez Góes, que é filiado ao PDT, para o Ministério da Integração Nacional. Os dois são aliados no Amapá. O União também comanda o Ministério do Turismo com Celso Sabino. Essa pasta é cobiçada pela bancada da Câmara do PSD.
Em meio às trocas no primeiro escalão do governo, deputados do União e a cúpula nacional do partido também viram no episódio um indicativo de esgotamento do modelo de troca de apoio por cargos.
Eles alegam que falta ao governo entender que essa dinâmica não é mais crucial para governabilidade, e sim uma organização na entrega e pagamento de emendas. Mesmo que a maior parte das verbas parlamentares sejam impositivas, cabe ao governo definir quando elas são pagas ao longo do ano.
Tendência: oposição
Parlamentares afirmam que o partido está caminhando para adotar uma postura cada vez mais distante do Poder Executivo. De acordo com eles, a tendência é que a sigla esteja com a oposição em 2026, seja lançando candidatura própria, seja apoiando um nome de outra legenda do mesmo campo.
Para o deputado Pauderney Avelino (AM), o episódio envolvendo o ministério expõe não só fragilidade do governo, mas também do partido.
— Avaliação é que o partido e o governo estão desorientados — diz.
O União Brasil nasceu da fusão entre DEM e PSL e sempre conviveu com disputas de poder por grupos distintos. Uma ala de deputados tem reclamado de intervenções da direção nacional em alguns estados e avalia pedir desfiliação no ano que vem, durante a janela partidária.
Da ala de oposição, o deputado Alfredo Gaspar (AL) diz que o governo está em “fim de festa”:
— Temos parlamentares com posições bem definidas. O efeito imediato será o fortalecimento da liderança partidária(na Câmara). No tocante ao governo, é clima de fim de festa, sem rumo, sem prumo.
Como mostrou O GLOBO, partidos de centro que indicaram ministros reduziram o apoio ao Planalto nas votações na Câmara entre o primeiro e o segundo ano do mandato de Lula. No caso do União, o índice passou de 71% para 67%.
Desde que assumiu, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, vem buscando aproximação com deputados. Ontem à noite, Lula se encontrou com lideranças da Câmara e Motta.
Áreas de influência e interesse do presidente do Senado
Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional: O ministro Waldez Goés, ex-governador do Amapá, foi indicado ao cargo na cota do União Brasil, mesmo sendo filiado ao PDT, por indicação pessoal do atual presidente do Senado.
Agências reguladoras: Alcolumbre tenta emplacar indicações para agências de setores de infraestrutura, como as de Petróleo e Gás (ANP), Aviação Civil (Anac) e Energia Elétrica (Aneel), que hoje têm diretorias interinas. As escolhas esbarram, porém, no ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que tem influência sobre a área.
Sebrae-AP: O irmão do senador, Josiel Alcolumbre, é o presidente do Sebrae no Amapá desde 2022. Embora o cargo seja definido por eleição, as influências dos governos federal e estadual pesam na escolha. O governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), é aliado de Davi Alcolumbre.
Sudam: Aharon Alcolumbre, primo do parlamentar, foi nomeado diretor na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia em agosto de 2023. A Sudam está no guarda-chuva da pasta de Waldez.
Codevasf: A superintendência do Amapá foi mantida no governo Lula sob comando de Rogério Maia Cardoso, aliado de Alcolumbre.
Divisão da Ebserh: Max Alcolumbre Pinto, também primo do presidente do Senado, chefia a divisão amapaense da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Ao GLOBO, Max negou qualquer ingerência de Alcolumbre na sua nomeação, além de ressaltar que é médico e concursado.
Governo Lula muda regra e deixa de exigir devolução de bens em caso de desvio em ONGs
Por Daniel Weterman e Vinícius Valfré / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mudou a regra para contratação de organizações não governamentais (ONGs) ao elaborar as diretrizes do Orçamento de 2026 e deixou de exigir a devolução de bens em caso de desvio dos recursos repassados a essas instituições.
O Executivo argumenta que há outros dispositivos na legislação garantindo a boa aplicação da verba pública e que nem sempre é de interesse da União a devolução do bem quando há irregularidade. Nesses casos, outros instrumentos poderiam ser adotados para reparar os danos.
O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 foi enviado ao Congresso Nacional no último dia 15. No capítulo sobre as transferências para entidades privadas sem fins lucrativos, a regra prevista nos últimos 15 anos foi eliminada.
A norma exigia que, nos contratos assinados entre a União e as organizações, houvesse uma cláusula de reversão ao patrimônio público equivalente aos valores recebidos em caso de desvio de finalidade ou aplicação irregular dos recursos transferidos pelo governo federal.
Por exemplo, o governo destina recursos para uma ONG em Pernambuco para a construção de cisternas no semiárido. Se alguma irregularidade fosse comprovada, a entidade teria que reparar o dano devolvendo os equipamentos para o patrimônio público.
O dispositivo garantia uma segurança para o patrimônio público e agora o controle dependerá de cada caso individualmente, afirma Caio Gama Mascarenhas, procurador do Estado de Mato Grosso do Sul e pesquisador em direito financeiro na Universidade de São Paulo (USP).
“Esse ponto que foi retirado era uma cláusula que preservava a governança de transferências voluntárias pela União nos casos de utilização dos recursos do convênio em desacordo com o pactuado”, diz Mascarenhas. “Ele garantia responsividade por parte dos beneficiários, que podiam perder o bem objeto do contrato caso descumprissem as cláusulas.”
A mudança pode facilitar casos específicos em que a manutenção do bem não seja interessante para o poder público, mas vai depender do que for assinado em cada contratação, na opinião do especialista. “Nesses casos, é possível que seja melhor que o bem continue no patrimônio do beneficiário e que outras sanções sejam aplicadas. Isso tem que ser avaliado caso a caso.”
Governo Lula bate recorde em repasse de dinheiro para ONGs
O governo federal aumentou o repasse de dinheiro para ONGs. Os gastos da União com entidades privadas sem fins lucrativos saltaram de R$ 6 bilhões em 2022 para R$ 10,3 bilhões em 2023 e bateram o recorde de R$ 13,9 bilhões em 2024, sem considerar os repasses obrigatórios como subvenções e financiamento de partidos políticos.
O dinheiro banca desde a gestão de hospitais até a compra de material de expediente e pagamento de diárias, beneficiando entidades ligadas à gestão petista. Conforme o Estadão revelou, a Mídia Ninja, uma rede de comunicação ligada à esquerda, tem usado ONGs para receber repasses do governo enquanto afirma publicamente não ser bancada com dinheiro público.
Na área social, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades em repasses suspeitos para organizações ligadas ao PT que recebiam dinheiro para distribuição de marmitas, após o caso ser revelado pelo jornal O Globo. Também houve repasse de emendas parlamentares para ONGs sem transparência, levando à suspensão das transferências pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em outra frente, o governo Lula ampliou ganhos de uma entidade internacional que ofereceu um cargo à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, como mostrou o Estadão. Nesse caso, o Executivo não enquadrou os repasses como pagamento a entidade privada sem fins lucrativos, alvo da mudança na LDO, mas como transferência ao exterior, que obedece outras regras, pois a OEI é sediada em Madri.
O Ministério do Planejamento e Orçamento, responsável pela elaboração das diretrizes orçamentárias, afirmou que existem regras específicas sobre a destinação de bens remanescentes nesses contratos, modulando os casos nos quais há determinação de devolução dos recursos em caso de rejeição da prestação de contas.
“A reversão patrimonial e eventual devolução dos bens nem sempre irão ao encontro do interesse público, gerando obrigações para a administração que muitas vezes não teria destinação adequada para aqueles bens”, disse a pasta. “Em suma, a matéria continua sendo regida pela legislação que disciplina as transferências, não havendo prejuízo à boa aplicação dos recursos e à adequada destinação dos bens.”
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, responsável pelas transferências da União, informou não ter complementos à resposta do Planejamento.
Fraude bilionária é o segundo escândalo no INSS do governo Lula 3; relembre caso anterior
Por Redação / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – O esquema fraudulento de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS, alvo de operação da Polícia federal nesta quarta-feira, 23, não é o primeiro escândalo envolvendo o instituto no governo Lula 3.
Afastado do cargo pela Operação Sem Desconto, Alessandro Stefanutto tomou posse em julho de 2023, para suceder Glauco Wamburg, demitido por Lula por suspeitas de irregularidades.
Wamburg ficou cinco meses à frente do INSS, após ser nomeado pelo ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, em fevereiro de 2023. Servidor de carreira, foi exonerado após se tornar suspeito de promover uma “farra de passagens” na chefia do INSS.
O portal Metrópoles apontou que Wamburg viajava para compromissos particulares, principalmente para o Rio de Janeiro, onde tem residência fixa, com passagens e diárias custeadas com dinheiro público. Entre as atividades na capital fluminense, o então presidente interino do INSS atuava como professor em uma faculdade particular.
Após a saída de Wamburg, Lupi nomeou Stefanutto no dia 5 de julho de 2023 para assumir o INSS.
Nesta quarta-feira, após ser afastado do cargo pela Operação sem Desconto – que investiga um esquema fraudulento de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas do instituto, o presidente Luiz Inácio Lula mandou demitir Stefanutto. Segundo a Coluna do Estadão, ele já pediu demissão do cargo.
Em escola onde MEC diz ter internet adequada, alunos usam até Pé-de-Meia para pagar conexão
Por Paula Ferreira e Francisco Leali / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - A falha no fornecimento de internet em algumas escolas tem levado alunos e professores a buscarem soluções individuais para resolver o problema.
Na escola Irmã Maria Regina Velanes Régis, na Zona Rural do Distrito Federal, cuja internet é considerada “adequada” pelo Ministério da Educação (MEC), há relatos de estudantes que passaram a usar o dinheiro recebido via programa Pé-de-Meia para contratar pacotes de internet e utilizar nas atividades pedagógicas. O Pé-de-Meia é um programa federal que dá bolsas para evitar a evasão no ensino médio.
O Ministério da Educação (MEC) diz usar diferentes fontes de informação para indicar velocidade da rede e afirma que os dados da unidade de Brasília foram informados pela gestão da unidade. Procurada, Secretaria da Educação do DF não se manifestou (leia mais abaixo).
A estudante Samy da Silva, de 18 anos, conta que, muitas vezes, o alunos não têm internet disponível em casa para fazer as atividades que acabam se tornando lição de casa devido à precariedade da banda larga na escola. Diante disso, os estudantes se organizam para utilizar a internet de colegas com rede disponível, ou até mesmo, compram pacote de dados com recursos que têm recebido do governo federal.
“A gente se junta, agora que está recebendo o Pé-de-Meia, coloca crédito. Aí tem internet, e a gente faz nossa pesquisa pelo celular”, conta a estudante.
O Pé-de-Meia é um programa criado pelo governo federal que prevê o pagamento de uma bolsa mensal de R$200 para estudantes do ensino médio. Além do depósito de R$1000 por ano em uma poupança, que só pode ser sacada no final do ensino médio. A iniciativa é uma estratégia para reter os estudantes na escola e evitar a evasão.
A falta de internet levou a direção da escola a desativar o laboratório de informática para abrir espaço para turmas da educação integral. Com os computadores trancados num depósito, a Escola Irmã Maria Regina — que tem cerca de 920 alunos do ensino fundamental ao médio, e na educação de jovens e adultos — usa um carrinho para guardar notebooks destinados à aprendizagem. Os equipamentos são utilizados em sala de aula ainda que sem conexão. A medida é uma tentativa de fazer com que os estudantes tenham contato com a Era da Informação mesmo de maneira offline.
Os computadores portáteis são usados para produção de texto de forma digitalizada, ou para acessar jogos e conteúdos baixados pelos professores para auxiliar nas aulas.
“Atrapalha muito o pedagógico. Tudo tem que ser baixado com antecedência, impresso”, conta a professora de Português, Lívia Pâmela Guedes. Ela conta que gamifica os conteúdos ensinados para tornar o material mais atrativo aos estudantes, mas, muitas vezes, precisa adaptar o trabalho por falta de conectividade. “Preciso pegar o jogo e fazer de uma maneira que fique offline ou usar meus dados, porque, de vez em quando, funciona.”
As reclamações são repassadas rotineiramente à direção da escola. A diretora Lilian Kelly Oliveira conta que a unidade recebe a verba do governo federal para fornecimento de internet via Programa Dinheiro Direto na Escola, mas a rede contratada não é suficiente para abrir o sinal para os estudantes durante a aprendizagem.
As redes disponíveis no colégio, segundo ela, são suficientes apenas para sustentar as atividades administrativas e para que os docentes possam preencher seus diários de classe, que são hospedados em uma plataforma online.
“Os professores se queixam muito em relação a essa questão de não ter internet e, quando tem, é muito fraca. Justamente porque querem levar uma atividade diferenciada para sala de aula, porque querem que os alunos façam pesquisas, atividades interativas, e não conseguem. Há uma frustração”, conta Lilian ao Estadão.
A diretora diz que já fez inúmeros pedidos para melhoria da rede, mas não consegue resolver o problema. Em outra escola de Brasília, os problemas são parecidos. Embora a internet do colégio seja classificada como “adequada” pelo MEC, uma professora, que não quis se identificar, contou à reportagem que os professores fazem vaquinha para financiar o pacote de dados da instituição.
Segundo o relato, todos os anos, professores e funcionários dividem o valor da internet extra e é “muito raro” que consigam utilizá-la em classe para desenvolver atividades com os estudantes. A diretora da unidade foi contactada, mas preferiu não dar entrevista.
O que diz o poder público
Ao Estadão, MEC afirma que a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec) tem o objetivo de coordenar e qualificar o acesso à internet. A pasta acrescenta que “políticas até então existentes não garantiam o acesso à conectividade significativa para uso pedagógico e tampouco enfrentavam as questões de necessidade de melhoria da infraestrutura de telecomunicações em regiões mais remotas.”
A pasta diz ainda que entre os desafios então disponibilização de energia elétrica para rede pública; contratação de serviço de conexão que permita uso de vídeos, jogos e outros recursos; disponibilização de rede sem fio para que turmas inteiras consigam se conectar.
Em relação à escola de Brasília, o MEC informa que a unidade “possui uma velocidade de conexão considerada adequada, permitindo o uso fluido de vídeos, plataformas educacionais, áudios, jogos e outros recursos digitais”. Segundo a pasta, essa informação teria sido fornecida pelo gestor escolar ao declarar que tinha contratado um pacote de dados de 800 megabits por segundo, sendo que a velocidade mínima seria de 431 Mbps. Na resposta, o ministério não faz referência ao valor registrado pelo medidor oficial de apenas 61,07 Mbps.
“Segundo formulário, respondido em junho de 2024 pelo(a) gestor(a) escolar, a escola já dispõe de sinal Wi-Fi em pelos menos 14 ambientes escolares dos 28 existentes. Isso significa que já conseguiria utilizar a internet para fins pedagógicos”, diz o MEC.
O ministério declara ainda que a escola recebeu recursos no final de 2024 para a contratação de internet. “Os recursos são repassados para a escola, que fica a cargo da contratação de forma direta. Além disso, está prevista a utilização pelo governo do Distrito Federal de recursos federais da Lei nº 14.172 já aprovados pelo Ministério da Educação para a melhoria do Wifi, conforme estabelecido no plano de conectividade desenvolvido pelo Distrito Federal, com prazo de execução até dezembro de 2026. Considerando que o repasse já foi efetuado e os recursos estão disponíveis para a secretaria de educação do Distrito Federal, a expectativa é que a escola atinja, em breve, a qualificação máxima nesse parâmetro”, diz a nota do MEC.
A pasta ainda admite que não inspeciona 100% das escolas, mas faz monitoramentos periódicos para orientar as secretarias de educação sobre a contratação dos serviços de internet. “Cumpre ressaltar que o uso pedagógico da internet não depende apenas de infraestrutura adequada, mas também de um corpo técnico formado para utilizar a tecnologia com intencionalidade pedagógica. Em muitos casos, as escolas podem já ter um acesso à internet adequado, e mesmo assim os profissionais da escola não utilizarem a internet em sala de aula com os estudantes.
É por isso que o Ministério da Educação vem ofertando diversos cursos de formação de professores para o uso de tecnologias, vem apoiando as redes no diagnóstico das competências digitais dos professores e vem prestando assessoria técnica às redes de ensino para que consigam garantir a incorporação da Educação Digital nos currículos e planejar formações de professores que visem desenvolver os saberes digitais orientando e incentivando o uso de tecnologias digitais nos processos de ensino e de aprendizagem”, diz o ministério.