Governo sem 'bala na agulha', Centrão empoderado e mais: por que ministérios não são mais tão atrativos para os partidos?
Por Bernardo Mello — Rio de Janeiro / O GLOBO
Em um momento de crise na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão do líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas Fernandes (MA), de recusar o posto de ministro das Comunicações traz à tona mudanças na relação entre Executivo, Legislativo e caciques partidários ao longo da última década, que desarrumaram o chamado “presidencialismo de coalizão”.
O antigo modelo, baseado em nomeações na máquina pública em troca de apoio parlamentar, acabou comprometido, na avaliação de pesquisadores e cientistas políticos, pelo acesso mais direto do Centrão ao Orçamento público, driblando ministérios cada vez mais espremidos com despesas que fogem de sua alçada de decisão.
Caciques do União Brasil alegaram reservadamente que a pasta estaria “esvaziada”, isto é, com baixa capacidade de entregas concretas, para justificar a decisão de Pedro Lucas de permanecer na liderança da bancada.
Cada deputado tem no Orçamento deste ano R$ 37 milhões de emendas impositivas, isto é, de pagamento obrigatório — formato instituído há uma década. Parte desse valor pode ser transferido diretamente para o caixa de prefeituras e governos estaduais, sem depender de convênios firmados por ministérios. A modalidade, conhecida como “emenda Pix”, foi criada em 2019. Os líderes de bancadas também têm influência na destinação de emendas de comissão, que totalizam R$ 7,6 bilhões para a Câmara neste ano.
— A negociação do lugar no governo não tem a mesma importância que antes. Se você tem a “emenda Pix”, por exemplo, não precisa mais fazer aquele périplo no Executivo para liberar recurso. Isso muda a relação do Legislativo com esse Executivo — avalia o cientista social Marcos Nobre, pesquisador da Unicamp.
O somatório de emendas alocadas no Ministério das Comunicações neste ano é de R$ 24,9 milhões, valor que supera apenas sete dos 39 ministérios, de acordo com o Painel do Orçamento Federal (Siop). A pasta conta ainda com uma verba “livre” de R$ 913 milhões, além de R$ 118 milhões alocados pelo novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse critério, a pasta é a 19ª mais contemplada no governo, atrás de outras ocupadas pelo Centrão, como as de Portos e Aeroportos, Desenvolvimento Regional e Agricultura.
Nobre pondera que os ministérios, embora menos atrativos, via de regra seguem cobiçados pelos parlamentares. Sob o ex-ministro Juscelino Filho (União-MA), a pasta de Comunicações abrigou apadrinhados de parlamentares de outras siglas, como o PSD. Além disso, Juscelino ampliou a influência do ministério, após uma queda de braço com a Anatel, sobre uma verba de R$ 3,1 bilhões obtida com o leilão do 5G, destinada a instalar internet em escolas públicas.
Novas dinâmicas
A recusa de Pedro Lucas em assumir o ministério, além de atípica, difere de outros episódios do tipo. Em 2007, no segundo mandato de Lula, houve três tentativas ao longo de quatro meses até que Nelson Jobim aceitasse assumir a pasta da Defesa. Jobim, porém, não recuou depois de aceitar o cargo, como no caso de Pedro Lucas.
No governo Dilma Rousseff (PT), em 2015, o então secretário de Aviação Civil, Eliseu Padilha (MDB), recusou trocar o cargo pela pasta de Relações Institucionais, já em meio a desgastes entre a presidente e o vice Michel Temer.
No governo Temer, presidentes de siglas com amplas bancadas no Congresso, como Gilberto Kassab (PSD), Marcos Pereira (Republicanos) e Romero Jucá (MDB), assumiram ministérios. Kassab, que na gestão Dilma comandava a pasta das Cidades, passou a dirigir Ciência e Tecnologia. Desde então, os caciques partidários, em sua maioria, deixaram de assumir postos no governo.
A guinada coincidiu com a criação do fundo eleitoral em 2018, e que hoje destina R$ 4,9 bilhões aos partidos de acordo com o tamanho da bancada legislativa, sob a gestão desses mesmos caciques.
O historiador Leonardo Weller, coautor de “Democracia negociada: política partidária no Brasil da Nova República”, aponta um encolhimento gradual das “verbas livres” dos ministérios devido a problemas fiscais e à elevação de gastos obrigatórios do governo, incluindo o avanço das emendas. Mas a perda do apelo da “típica negociação de ceder ministérios e secretarias”, segundo Weller, segue também um cenário de polarização acirrada entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
— O governo tem menos bala na agulha no Orçamento do que antes. Além disso, os partidos mais à direita têm lideranças com um discurso “anti-Lula”, e estão mais preocupados com a repercussão nas redes sociais do que em tocar políticas públicas — afirma Weller.
Divisões internas
Especialistas avaliam ainda que mudanças na legislação eleitoral aprofundaram divisões internas nos próprios partidos. O União Brasil é fruto da fusão entre PSL e DEM, mecanismo estimulado pela introdução da cláusula de barreira em 2018, que vem aumentando a exigência de representação no Congresso para que os partidos tenham acesso à verba pública.
Desde a fusão, Juscelino, o ex-ministro, egresso do DEM, e Pedro Lucas, ex-PSL e que foi cotado como sucessor, travam uma disputa pelo comando do partido no Maranhão e fazem alianças distintas no estado.
Pesquisadora do Cepesp/FGV-SP, a cientista política Joyce Luz explica que a coesão partidária no Congresso também foi abalada pela empoderamento do Centrão, bloco composto por siglas como PP, Republicanos e o próprio União Brasil, especialmente após a passagem de Arthur Lira (PP-AL) pela presidência da Câmara.
— O Centrão ganhou espaço em torno do Lira. Hoje o alicerce da governabilidade não são os partidos, e sim esse bloco. Não por acaso, Lula está tentando retomar o poder do colégio de líderes, para ter uma maior coesão partidária do que traz hoje o Centrão.