O futuro adiado - ERROS DA POLÍTICA -
Ao ler que o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa declarou apoio a Keiko Fujimori na disputa presidencial do Peru, alegando ser ela “o mal menor” diante o candidato de esquerda Pedro Castillo, fui tomado por uma sensação desalentadora de futuro adiado que experimento há anos, em relação ao Brasil e à nossa região.
Nós também no Brasil votamos no “mal menor”, raras vezes em um projeto de governo. Em busca permanente do “salvador da pátria”, acabamos escolhendo o “erro novo”. Jair Bolsonaro em 2018, Collor em 1989. Agora, possivelmente ficaremos em 2022 diante de dois “erros antigos”.
Lula, liberado pela Justiça para concorrer à eleição, deixa de ser “ficha suja”, sem ser “ficha limpa”, num paradoxo tão brasileiro que faz com que um ministro do Supremo, o “novato” Nunes Marques, vote a favor e contra a mesma ideia.
Ele considerou, na Segunda Turma, que o ex-juiz Sérgio Moro não é suspeito, mas aceitou, por questões regimentais controvertidas, que prevalecesse no plenário com seu voto a tese da falta de isenção de Moro no julgamento do triplex do Guarujá. A ministra Carmem Lucia mudou também de voto, de insuspeito para suspeito, em meio ao julgamento. Assim como ministro Gilmar Mendes votou a favor e contra a prisão em segunda instância, em julgamentos distintos, e ajudou a salvar Lula, assim como ajudara a prendê-lo. Lula foi vítima e beneficiário desses “passos trôpegos”, da balbúrdia jurídica oferecida pelo Supremo.
Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique em 1994, com o Plano Real, e Lula em 2003, como alternativa ao que chamava de projeto neoliberal. Os dois foram reeleitos em 1988 e 2006, esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos.
Lula chegou ao poder em 2003, depois de perder quatro eleições, porque se reinventou criando o personagem Lulinha Paz e Amor. E lançou a Carta aos Brasileiros. Mas também porque o segundo governo de Fernando Henrique, que teve méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Rede de Proteção Social, origem do Bolsa-Família, dos genéricos e do combate à Aids, ficou marcado pela desvalorização do Real logo nos primeiros dias, o apagão de energia e a economia em situação difícil.
Paradoxalmente, para acalmar o mercado financeiro, Lula teve que escrever a Carta aos Brasileiros onde se comprometia a manter o tripé da política econômica: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. Foi isso que garantiu o bom desempenho econômico no primeiro governo Lula, e o tripé é a base da política econômica até hoje. Ou era, pois o Centrão está aos poucos minando esse tripé, com o auxílio de Bolsonaro que, candidato à reeleição, escolhe aumentar os gastos.
O julgamento do STF que decidiu pela suspeição do juiz Sérgio Moro foi uma grande vitória política do ex-presidente Lula, e uma grande derrota do combate à corrupção do Brasil, que não cansa de regredir. Um país que teve avanço brutal no combate à corrupção volta à estaca zero, supostamente na defesa do estado de direito, de um justo julgamento. Um ministro como Ricardo Lewandowski, que admite que os diálogos roubados por um hacker são provas ilícitas “mas, enfim, foram amplamente divulgadas”, não deveria poder falar sobre suspeição.
Nem diante de todo o escândalo revelado, as forças políticas que continuam no poder, e a manter controle da situação, sempre encontram jeito de prevalecer, mesmo depois de cinco, seis anos. Tanto o combate à corrupção quanto o equilíbrio fiscal foram conquistas da sociedade brasileira, mas estão colocadas em perigo por um governo que se elegeu justamente para defendê-las.
O país do futuro de Stefan Zweig vai sendo eternamente adiado para ficar do tamanho de sua elite política e empresarial. E seguimos elegendo o populista da vez, revezando entre esquerda e direita, sem entendermos que o mundo lá fora, pelo menos o mundo que funciona, já está em outro patamar, discutindo o futuro.
Federação, municípios, morticínio. Tragédia nacional
25 de abril de 2021 | 03h00
Jair Bolsonaro ataca Estados e municípios como inimigos a serem destruídos. Para ele, não existem cidadãos merecedores de respeito nas unidades federativas. Em vez de lutar contra a pandemia, o presidente gera batalhas contra as bases administrativas e políticas do País. Surgem os frutos assustadores: mais de 350 mil brasileiros entregues à tortura da morte sem ar, o que revolta quem sente misericórdia ou segue a ética e a moral.
O ignaro governante reitera – em cena macabra – uma guerra antiga das culturas políticas humanas. Trata-se do choque entre poderes centrais e municípios. Estes últimos eram desconhecidos na Grécia e na Roma primitiva. Ali existiam soberanas cidades-Estado. Na Itália as urbes eram livres para organizar suas práticas internas. Vencidas por Roma e ela ligadas em federação (foedus) dela recebiam em especial a justiça. O prefectus, agente romano, resolvia os casos urgentes, mas o júri reunia habitantes locais, cujas instituições eram mantidas.
Os elos entre municípios e Roma se retraíam e se estendiam conforme as vicissitudes políticas, econômicas, sociais. Ora o poder se concentrava, ora se espraiava pelas bases federadas. Os municípios conservavam independência na sua organização, a assembleia do povo elegia os dirigentes. “Os magistrados municipais têm sobre os cidadãos o imperium. Todos obedecem à lei votada pelo povo e se inclinam diante dos administradores nas taxas ou nos trabalhos públicos. Em casos extremos o município cede aos poderes centrais e a lei de Roma toma a dianteira” (Mommsen). “Em casos extremos”, sublinhemos.
Após a chamada “guerra social”, quando as cidades italianas exigiram tratamento similar ao concedido a Roma, os municípios se generalizaram. Cito novamente o grande historiador Mommsen: “O município, constituído no interior do Estado e a ele se subordinando, é uma das mais notáveis manifestações políticas e das mais fecundas da era comandada por Sylla. As reformas constitucionais de Sylla definem um Estado cuja base é múltipla, a das comunas locais”. Dentre os municípios do Estado romano temos Olissipo, Lisboa. Aquelas unidades começaram a ruir por causa dos abusos das autoridades locais, abusos agravados pelo aumento sem freios do fisco em vantagem do poder central.
Os esqueletos municipais serviram às cidades europeias na resistência ao moderno absolutismo, cuja tarefa era unificar os Estados monárquicos. Nos século 16 e 17 tudo fizeram as Cortes para arrancar finanças e poderes dos municípios. Hobbes pensa as urbes como ameaça ao poder absoluto e vê como doença “a desmesurada grandeza de uma cidade, quando ela é apta a fornecer para além de seu próprio domínio os números e o pagamento de um grande exército” (Leviatã). A história da centralização estatal passa pela beligerância entre a Corte e os municípios. Tocqueville (O Antigo Regime e a Revolução) revela as táticas do rei: ele arranca das cidades as suas prerrogativas, como a de eleger os próprios magistrados, para revendê-las com lucro aos mesmos municípios. O prefeito assim escolhido, acrescenta Tocqueville, tem poder menor do que o fiscal do Reino. Daí ser possível aquilatar o grau de corrupção do Antigo Regime. Nele tudo se vende, tudo se compra. O Antigo Regime é um imenso Centrão.
Não citei Lisboa por acaso. Quando surge o Brasil os reis europeus – incluído o português – controlam os países, os municípios perdem força. Em nossa terra os municípios existem, mas não há foedus com a Corte, apenas subordinação. Líderes locais são desprovidos de real autonomia, como seus colegas da Europa absolutista. Tal realidade vigora no Império e na República. Maria Sylvia Carvalho Franco (Homens Livres na Ordem Escravocrata) analisa o controle e o parasitismo do poder central em relação às cidades. Impostos são retirados dos cofres municipais e para eles quase nunca retornam. Tal regime faz dos poderes subordinados fontes de recursos para o Executivo do País, sem retorno em obras públicas dignas do nome.
Com documentos a autora mostra aí a fonte brasileira da indistinção entre público e privado, o compadrio político e outras mazelas. Para obter verbas surgem as oligarquias regionais. No Congresso elas vendem apoio ao presidente/monarca. Tal é a gênese do perene Centrão.
As ditaduras do século 20 reforçam o Executivo nacional. Temos uma enganosa Federação a jungir Estados e municípios. Se na Presidência há uma pessoa despótica e desprovida de saberes – jurídicos, políticos, científicos, históricos –, o combate pátrio vira carnificina. Temos um povo dizimado pela virulência do poder, que age, em relação aos municípios, como conquistador em terra arrasada. Os mortos, hoje aos milhares, são enterrados sem justiça.
Se a Federação brasileira não deixar de ser apenas farsa, seguiremos sob o guante de dirigentes que violam os direitos de Estados e municípios, espaço onde vivemos ou morremos. Quem não respeita tal fato da vida pública não merece governar.
PROFESSOR DA UNICAMP, É AUTOR DE ‘RAZÕES DE ESTADO E OUTROS ESTADOS DA RAZÃO’ (PERSPECTIVA)
Rumo ao nada - J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
A imprensa brasileira desenvolveu ao longo das décadas, como a teoria da evolução garante que acontece com as espécies ao longo dos séculos, uma habilidade única. Mantém com vida artificial dentro do noticiário político, respirando por aparelhos, eventos de importância prodigiosa que têm uma característica muito simples entre si: não existem. É o que se poderia chamar de “não fato” – ou, mais precisamente, lendas que vão sendo repetidas de redação em redação, hoje em dia em tempo real, e que não têm nenhuma relação com qualquer tipo de coisa que possa ser certificada como realidade. É como o ar do pastel: está lá dentro, mas não serve para nada.
Você sabe o que é. Há uns 40 anos, ou por aí, aparece regularmente nas manchetes de jornal e no horário nobre da TV a seguinte frase: “MDB pensa em deixar o governo”. Precisa dizer mais alguma coisa? Um “não fato” como esse é provavelmente o melhor que se pode obter no gênero, mas há concorrentes. “Deputados estudam formação de frente comum”, por exemplo. Um clássico, sempre, são as CPIs. “CPI disso ou daquilo pretende investigar isso ou aquilo.” Há também a “apuração rigorosa”, o “novo estudo” e a “mobilização da oposição” – ou da “tropa de choque”. Nunca se apura nada, nem o estudo resulta em alguma coisa de útil, nem alguém se mobiliza para outra finalidade que não seja a de se aproveitar do erário ou fugir do Código Penal.
Mas e daí? Essas miragens sempre enchem páginas que correriam o risco de ficar em branco, ou minutos que poderiam passar em silêncio; pode ser inútil para o público, mas é útil para preencher espaço e tempo. Para sorte de comunicadores e veículos, a disposição do leitor em ser informado sobre fatos que não estão acontecendo é normalmente muito generosa; ele lê, esquece o que leu e acaba lendo outra vez. Passa um tempinho, e lá vem de novo: “MDB pensa em deixar o governo”. Nunca deixou, e não vai deixar nunca, mas a notícia volta. É a vida.
O duplo zero do momento são as matérias dando conta do que diz, do que faz e até mesmo do que pensa meia dúzia de cidadãos, ou mais, descritos pela mídia como “candidatáveis” à Presidência da República nas eleições de 2022. Não se para de falar deles, a propósito de tudo. Assinam manifestos. Fazem reuniões entre si. Solidarizam-se uns com os outros. Dão entrevistas. Lançam bulas de excomunhão contra o governo, o tempo todo. Falam para o Brasil. Falam para o mundo. Tudo bem, mas o que, no fim das contas, poderia ser um “candidatável”? Uma coisa é certa: os que desfilam por aí não são candidatáveis a candidatura nenhuma, não na vida real. Supõe-se que, para ser mesmo um “candidatável”, segundo o entendimento comum que se tem dessa palavra, o sujeito precisa ser capaz de se transformar num candidato de verdade – ou seja, em alguém que tem alguma chance de ser eleito, um dia, para algo de importância. Ou é isso, ou não é nada. Os “candidatáveis” de hoje não são nada.
Nenhum dos nomes que frequentam o noticiário de todos os dias tem a mais remota chance de chegar à Presidência da República – podem, com sorte, arrumar alguma coisa em seus Estados (deputado, por exemplo, não é difícil), mas ficam por aí. Se não são candidatos sérios a presidente, porque jamais serão eleitos, também não são “candidatáveis”.
25 de abril de 2021 | 03h00
A imprensa brasileira desenvolveu ao longo das décadas, como a teoria da evolução garante que acontece com as espécies ao longo dos séculos, uma habilidade única. Mantém com vida artificial dentro do noticiário político, respirando por aparelhos, eventos de importância prodigiosa que têm uma característica muito simples entre si: não existem. É o que se poderia chamar de “não fato” – ou, mais precisamente, lendas que vão sendo repetidas de redação em redação, hoje em dia em tempo real, e que não têm nenhuma relação com qualquer tipo de coisa que possa ser certificada como realidade. É como o ar do pastel: está lá dentro, mas não serve para nada.
Você sabe o que é. Há uns 40 anos, ou por aí, aparece regularmente nas manchetes de jornal e no horário nobre da TV a seguinte frase: “MDB pensa em deixar o governo”. Precisa dizer mais alguma coisa? Um “não fato” como esse é provavelmente o melhor que se pode obter no gênero, mas há concorrentes. “Deputados estudam formação de frente comum”, por exemplo. Um clássico, sempre, são as CPIs. “CPI disso ou daquilo pretende investigar isso ou aquilo.” Há também a “apuração rigorosa”, o “novo estudo” e a “mobilização da oposição” – ou da “tropa de choque”. Nunca se apura nada, nem o estudo resulta em alguma coisa de útil, nem alguém se mobiliza para outra finalidade que não seja a de se aproveitar do erário ou fugir do Código Penal.
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O duplo zero do momento são as matérias dando conta do que diz, do que faz e até mesmo do que pensa meia dúzia de cidadãos, ou mais, descritos pela mídia como “candidatáveis” à Presidência da República nas eleições de 2022. Não se para de falar deles, a propósito de tudo. Assinam manifestos. Fazem reuniões entre si. Solidarizam-se uns com os outros. Dão entrevistas. Lançam bulas de excomunhão contra o governo, o tempo todo. Falam para o Brasil. Falam para o mundo. Tudo bem, mas o que, no fim das contas, poderia ser um “candidatável”? Uma coisa é certa: os que desfilam por aí não são candidatáveis a candidatura nenhuma, não na vida real. Supõe-se que, para ser mesmo um “candidatável”, segundo o entendimento comum que se tem dessa palavra, o sujeito precisa ser capaz de se transformar num candidato de verdade – ou seja, em alguém que tem alguma chance de ser eleito, um dia, para algo de importância. Ou é isso, ou não é nada. Os “candidatáveis” de hoje não são nada.
Nenhum dos nomes que frequentam o noticiário de todos os dias tem a mais remota chance de chegar à Presidência da República – podem, com sorte, arrumar alguma coisa em seus Estados (deputado, por exemplo, não é difícil), mas ficam por aí. Se não são candidatos sérios a presidente, porque jamais serão eleitos, também não são “candidatáveis”.
O Brasil tem dois candidatos a presidente, Jair Bolsonaro e Lula. O resto é o resto.
*
O Irã, condenado oficialmente pela ONU por causa do tratamento abominável que dá às mulheres, ganhou um lugar no conselho que defende “a mulher”, nessa mesma ONU. Espera-se, agora, o manifesto de apoio das feministas brasileiras.
*É JORNALISTA
Em conversas com Bolsonaro, Partido da Mulher Brasileira muda de nome para 'Brasil 35'
Guilherme Caetano o globo
SÃO PAULO — Enquanto mantém conversas com Jair Bolsonaro visando a ser a próxima legenda do presidente, o Partido da Mulher Brasileira (PMB) alterou seu nome para Brasil 35 na manhã deste sábado. A mudança foi feita durante convenção nacional do partido, no Rio de Janeiro.
LEIA:Bivar resiste a retorno de Bolsonaro ao PSL: 'Não acredito que o presidente saia de sua linha'
A logomarca do partido, antes de cores azul e branca, passou por uma atualização. A marca ganhou as cores verde e amarelo, bastante usadas por Bolsonaro, e o slogan "Coragem para fazer". O estatuto do PMB também foi alterado.
O motivo da mudança, segundo a presidente nacional, Sued Haidar, não teve influência da busca de Jair Bolsonaro por um novo partido. Ela diz que o diretório nacional vem pensando numa atualização desde 2017, dois anos depois da obtenção do registro definitivo. O número 35 se refere, de acordo com ela, à numeração da legenda.
Haidar, no entanto, confirmou contato com Jair e Flávio Bolsonaro, mas negou ter fechado acordo para filiação do grupo político do presidente.
— Houve, sim, uma conversa com o presidente. E tem que existir diálogo. A gente continua conversando com todos os partidos. Vamos caminhando aí. O partido não tem que entrar numa bola dividida que não é nossa. Foi uma conversa muito tranquila, de discussão da questão das pautas necessárias, que foram várias, por exemplo, a questão da saúde, educação. E da possibilidade de o presidente vir (para o PMB) foi feita da forma que ele deve ter procurado conversas com outros partidos. Não foi só com a nossa equipe — afirmou Haidar.
Após romper com o PSL em novembro de 2019, Jair Bolsonaro se engajou na criação de seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil. Mas a demora na coleta das 492 mil assinaturas necessárias para a obtenção do registro definitivo junto à Justiça Eleitoral fez o presidente procurar alternativas. Bolsonaro tinha dado ao Aliança o prazo de 30 de abril, a partir do qual passaria a buscar um plano B.
Em entrevista ao GLOBO na última quinta-feira, Flávio Bolsonaro afirmou que ele e seu pai têm conversado com alguns partidos, como PMB, Patriota e DC. Segundo Flávio, "independentemente de o presidente não se filiar ao PP nem ao PSL, selamos na terça-feira um compromisso de que tanto PP quanto PSL estarão na coligação do Bolsonaro em 2022".
— O presidente tem que ver o que é melhor para ele. A legenda não tem fundo partidário, não tem tempo de TV. Até agora não houve essa conversa de aperto de mão, não — declarou Haidar.
Se Bolsonaro se filiar ao Brasil 35, não terá sido a primeira vez em que um partido passou por um "rebranding" para acolhê-lo. Em 2017, o então Partido Ecológico Nacional (PEN) foi rebatizado de Patriota, nome que se mantém até hoje, para que Bolsonaro pudesse concorrer à presidência. No entanto, o candidato migrou para o PSL, pelo qual saiu vencedor do pleito.
Marco Aurélio envia ao plenário ação em que PCdoB e PSOL apontam omissão de Bolsonaro na pandemia
Pepita Ortega / o estado de sp
24 de abril de 2021 | 12h09
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, decidiu enviar ao Plenário da corte uma ação em que o PCdoB e do PSOL apontam ‘omissão e descaso’ do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento da covid-19 no País. As legendas pedem ao STF que determine ao presidente que institua uma comissão autônoma, composta por representantes da União, dos governos estaduais e da comunidade científica, para coordenar o combate à pandemia no País.
Segundo os partidos, trata-se de caso de ‘excepcional urgência’ considerando o contexto da calamidade pública e o ‘colaboracionismo explicitamente assumido pelo presidente para o avanço exponencial da contaminação e da letalidade em escala social’. As legendas apontam ainda uma ‘olímpica indiferença’ do governo federal ao crescimento exponencial das mortes por covid-19 no País.
Em despacho dado nesta sexta, 23, Marco Aurélio invocou dispositivo que prevê que o plenário analise medida cautelar em ‘caso de excepcional urgência e relevância da matéria’. O decano do STF deu cinco dias para que a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República se manifestem sobre o pedido dos partidos da oposição
Na petição inicial, as legendas apontam omissões inconstitucionais de Bolsonaro, uma delas referente à ‘conduta praticamente assumida de resistência e de oposição’ a procedimentos relacionados à defesa da saúde e da vida dos brasileiros. Os partidos falam em ‘inúmeras’ iniciativas do presidente ‘de menosprezo à gravidade da pandemia’ e apontam ainda ‘boicote ou retardamento de providências imprescindíveis e urgentes para a atenuação de seus efeitos’.
Documento
“A condução do governo federal, ao longo da ocupação do território nacional pelo vírus, é análoga à do governo colaboracionista do general Pétain na ocupação da França pelos nazistas, no curso da Segunda Guerra Mundial. A diferença é que o governo brasileiro tem, ainda hoje, o apoio de uma fração expressiva da população, que aceita as fantasmáticas alegações que o confronto com os vírus será vencido pela fé e pela coragem”, registram os partidos no pedido enviado ao Supremo.
O PCdoB e o PSOL pedem que Bolsonaro seja obrigado a regulamentar a comissão para gerir o combate à pandemia, garantindo à mesma autonomia e ‘prevendo expressamente a sua competência para adotar todas medidas de contenção e isolamento social, até o extremo de um lockdown nacional’. Segundo os partidos, as medidas de isolamento são ‘imperativas’, considerando que ‘a vacinação avança em ritmo bem menor que o necessário, por retardamento proposital na aquisição de vacinas e insumos’.
“As políticas sociais que visem à redução do risco de doença, no contexto da calamidade pública iniciada há um ano e agravada exponencialmente agora, seriam as medidas de isolamento social e quarentena, mais a medida extrema do lockdown, as quais caberia ao Chefe do Poder Executivo promover e coordenar nacionalmente”, diz a petição inicial.
Além disso, as legendas querem que a comissão autônoma possa ‘recomendar iniciativas legislativas visando à promoção de medidas econômicas’. A oposição aponta ‘recusa e resistência notória à aplicação de medidas de tutela devidas às micro, pequenas e médias empresas, além de trabalhadores por conta própria, que têm as suas atividades bloqueadas parcial ou totalmente pelo Estado’.
“A consagração da responsabilidade do Estado indica que ele deve também oferecer apoio financeiro às empresas para prevenção ou compensação do dano iminente, o que só poderá ser feito no bojo de uma regulação nacional do combate à pandemia, de forma centralizada, nas suas normas mais gerais a serem expedidas pelo Poder Executivo da União”, registra o documento enviado ao Supremo.
Nessa linha, os partidos também querem que seja determinado ao presidente, que em até 30 dias, defina um plano de subsídio aos agentes econômicos, especialmente, micro, pequenas e médias empresas e empreendedores autônomos para, se necessário, enfrentarem um eventual lockdown, ‘sem o prejuízo da sua sobrevivência, com a capacidade mínima de adimplir regulamente a sua folha de pagamento no período em tela e custear as necessidades imediatas’.
Na petição inicial, as legendas apontam omissões inconstitucionais de Bolsonaro, uma delas referente à ‘conduta praticamente assumida de resistência e de oposição’ a procedimentos relacionados à defesa da saúde e da vida dos brasileiros. Os partidos falam em ‘inúmeras’ iniciativas do presidente ‘de menosprezo à gravidade da pandemia’ e apontam ainda ‘boicote ou retardamento de providências imprescindíveis e urgentes para a atenuação de seus efeitos’.
Documento
“A condução do governo federal, ao longo da ocupação do território nacional pelo vírus, é análoga à do governo colaboracionista do general Pétain na ocupação da França pelos nazistas, no curso da Segunda Guerra Mundial. A diferença é que o governo brasileiro tem, ainda hoje, o apoio de uma fração expressiva da população, que aceita as fantasmáticas alegações que o confronto com os vírus será vencido pela fé e pela coragem”, registram os partidos no pedido enviado ao Supremo.
O PCdoB e o PSOL pedem que Bolsonaro seja obrigado a regulamentar a comissão para gerir o combate à pandemia, garantindo à mesma autonomia e ‘prevendo expressamente a sua competência para adotar todas medidas de contenção e isolamento social, até o extremo de um lockdown nacional’. Segundo os partidos, as medidas de isolamento são ‘imperativas’, considerando que ‘a vacinação avança em ritmo bem menor que o necessário, por retardamento proposital na aquisição de vacinas e insumos’.
“As políticas sociais que visem à redução do risco de doença, no contexto da calamidade pública iniciada há um ano e agravada exponencialmente agora, seriam as medidas de isolamento social e quarentena, mais a medida extrema do lockdown, as quais caberia ao Chefe do Poder Executivo promover e coordenar nacionalmente”, diz a petição inicial.
Além disso, as legendas querem que a comissão autônoma possa ‘recomendar iniciativas legislativas visando à promoção de medidas econômicas’. A oposição aponta ‘recusa e resistência notória à aplicação de medidas de tutela devidas às micro, pequenas e médias empresas, além de trabalhadores por conta própria, que têm as suas atividades bloqueadas parcial ou totalmente pelo Estado’.
“A consagração da responsabilidade do Estado indica que ele deve também oferecer apoio financeiro às empresas para prevenção ou compensação do dano iminente, o que só poderá ser feito no bojo de uma regulação nacional do combate à pandemia, de forma centralizada, nas suas normas mais gerais a serem expedidas pelo Poder Executivo da União”, registra o documento enviado ao Supremo.
Nessa linha, os partidos também querem que seja determinado ao presidente, que em até 30 dias, defina um plano de subsídio aos agentes econômicos, especialmente, micro, pequenas e médias empresas e empreendedores autônomos para, se necessário, enfrentarem um eventual lockdown, ‘sem o prejuízo da sua sobrevivência, com a capacidade mínima de adimplir regulamente a sua folha de pagamento no período em tela e custear as necessidades imediatas’.
Pacto pelo futuro - Marco Aurélio Nogueira, O Estado de S.Paulo
É preciso compreender a dificuldade das oposições democráticas de se contraporem ao governo Bolsonaro.
Elas hoje preenchem um espaço amplo, vão da direita à esquerda, passando pelo imenso centro, cada pedaço com suas legítimas pretensões e seus problemas. Nas que se inclinam para o centro, o déficit passa pela ausência de lideranças incontestes, de um programa claro e de uma identidade substantiva.
As esquerdas não estão em melhor condição, embora estejam a comemorar a volta de Lula, que as magnetiza e seduz, agora com o adicional da absolvição conquistada e da incorporação de um papel de injustiçado perseguido político. Roda-se em torno de Lula como se dele emanasse a luz.
O que há de consenso cívico de repúdio e desejo de mudança não se traduz em consenso político e plataforma de atuação. Há ensaios unificadores e um esforço dedicado para que as oposições baixem o tom e conversem olho no olho. Manifestos, debates e proclamações indicam isso com clareza, o que é um alento. Mas não foram dados os passos decisivos, aqueles que fazem uma equipe vencedora. O momento é de dissolução de barreiras, retomada do diálogo e suspensão de vetos.
As oposições ainda estão a lamber as feridas da derrota de 2018. São feridas que tardam a cicatrizar, manuseadas nem sempre com habilidade. Enquanto permanecerem abertas, dificultarão aproximações e convergências, com o passado recente cobrando seu preço e embaçando o futuro. Além disso, há elementos que complicaram demais as interações, a começar da pandemia.
A pandemia tem lógica própria, deve ser enfrentada com toda a energia. Está expondo nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, a capacidade de resposta da ciência. Além dos estragos que provoca em termos de vidas e de pressão sobre o sistema sanitário, ela se mistura com os desdobramentos da revolução tecnológica do nosso tempo. A economia está desafiada, assim como o mundo do trabalho. Não há como fazer funcionar o que ficou para trás, em termos de arranjos sistêmicos, padrões organizacionais, práticas e leis. Tudo terá de ser repensado, seja para conter a disseminação da covid, seja para desenhar as políticas que serão necessárias para reforçar a saúde e proteger os desassistidos. Será preciso, além disso, reconfigurar o modo de organizar atividades produtivas, trabalhar, consumir, estudar. Estamos às portas de um começar de novo, tamanhas são as transformações com que temos de lidar.
Assistimos ao processamento de uma espécie de metamorfose, que da vida material atinge todas as esferas existenciais. Em termos políticos, centro-direita, centro-esquerda e esquerdas deveriam suspender temporariamente suas particularidades doutrinárias e ideológicas para promover a formação de um polo democrático encorpado, flexível e plural, que proponha uma política e uma governação com a marca da inovação. O momento pede que os democratas calcem as botinas da humildade e amassem barro no Brasil profundo. Não cabem jogos de cena, reiteração de projetos pessoais e checagens da força relativa de cada um.
Na política, diferenças, disputas e antagonismos não devem ser temidos. Funcionam como motores de organização e esclarecimento, na medida em que dialogam com o conjunto da sociedade e interpelam o imaginário social. Não são, porém, definitivos, compõem-se e se recompõem de múltiplas formas ao longo do tempo, criando novas exigências. Polarizações que remontam ao passado não ajudarão a que se pavimente o futuro. Se todos os democratas vencerem, haverá espaços para antagonismos mais profícuos e substantivos.
Não é fácil encontrar o ponto ótimo a partir do qual possa ocorrer tal convergência. A unidade política não exclui a diversidade, antes se alimenta dela. Constrói-se mediante muitos esforços, tensões e concessões, requerendo retomadas continuadas.
A definição desse pacto político se beneficiará da afirmação, pelos protagonistas, de alguns princípios básicos. Uma sociedade socialmente justa em termos de renda, oportunidades, etnia e gênero. Uma ideia de governo como operação cooperativa, que funcione como um colégio de líderes e especialistas, com um Executivo democratizado. A recuperação dos grandes sistemas públicos, a saúde, a educação, a assistência, o meio ambiente, a cultura, as relações exteriores, a segurança. O reconhecimento de que não deve haver tolerância com a corrupção, seja qual for a forma que assuma. Um reformismo de longo prazo, constante e progressivo, a ser definido por consultas constantes aos cidadãos. Uma ideia sustentável de desenvolvimento, que valorize e respeite o meio ambiente, o trabalho e o consumo consciente.
São pontos genéricos. Mas se forem proclamados firmemente pelos que se dispõem a governar o País, poderão mostrar que a política tem dignidade e mobilizar os cidadãos em prol da recuperação do Estado, com sua institucionalidade e seus deveres, da valorização da República (do bem público) e da reconstrução da solidariedade, que são a cada dia mais indispensáveis.
PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP