O mundo às avessas, a covid-19 e o presidente
18 de julho de 2021 | 03h00
O impacto da covid-19, que se vem prolongando no tempo, é opressivo. Trouxe uma ruptura da “normalidade do normal”. Vem vitimando contínua e indiscriminadamente e impondo à nossa gente o mastigar do pão da aflição e o sorver o amargor do sofrimento. As necessárias medidas de isolamento afetaram todos os setores das atividades, com graves consequências econômicas e humanas. Impuseram significativos limites ao convívio social. Deram a força do concreto ao esquema do pensar e da expressão do clássico tópos literário do “mundo às avessas”. Este articula com a ruptura da “normalidade do normal” um estado lamentável das coisas, instigando a indignação. São as razões mais abrangentes dessa indignação com a maneira como o governo federal vem conduzindo as políticas públicas de saúde em nosso país o que norteia este artigo.
A pandemia do coronavírus surpreendeu governantes e governados. É um fato excepcional, que resulta da conjunção pouco frequente de certas circunstâncias. Não foi algo indeterminado que se esgota no âmbito do acaso. Mostrou o alcance irradiador do inesperado, dificilmente previsível pela escala global que assumiu quando se compara seu impacto e sua duração com prévias conhecidas pandemias do mundo contemporâneo.
O coronavírus pôs na pauta o novo dos riscos que vêm trazendo uma grande crise global da saúde pública. Esta se propaga por obra da porosidade das fronteiras, que internalizam, e ao mesmo tempo magnificam, pela dinâmica da era digital, os problemas internacionais na vida dos países. Evidenciou que as sociedades contemporâneas, inseridas para o bem e para o mal num mundo interconectado e interdependente, são sociedades de risco. Correm muito mais do que no passado o risco de se afundarem, vitimadas pelo desgorgolamento (a decapitação) que Gil Vicente, recorrendo ao tópos do mundo às avessas, se referiu no Auto Pastoril Português.
Uma sociedade de riscos, incluídos os manufaturados pela ação humana, como é o caso do meio ambiente e da sustentabilidade, exige a capacidade de orientar-se no mundo “que não dá a ninguém inocência nem garantia”, como dizia Guimarães Rosa. Pressupõe, na condução das políticas públicas, a responsabilidade e a seriedade na gestão de riscos. É o caso dos desafios da diplomacia das vacinas em matéria de política externa e dos grandes temas do multilateralismo da governança global.
Num mundo caracterizado pela velocidade dos processos com os quais a cultura científica da pesquisa básica e aplicada expande as fronteiras do conhecimento, a gestão dos riscos transcende o clássico “standard” da prudência. Requer a presença do papel da ciência e do conhecimento e dos seus valores de racionalidade e transparência, para identificar apropriadamente os riscos, mitigá-los e controlá-los.
Daí a inconformidade com este estado lamentável das coisas em nosso país proveniente da postura negacionista do presidente e de seu governo quanto ao papel da ciência e do conhecimento no enfrentamento da crise do coronavírus, que aprofunda um “mundo às avessas”.
O negacionismo se expressa por ações e omissões que a CPI está apurando. São agravadas pelas palavras do presidente. Estas ignoram o proceder com a dignidade e o decoro do cargo, que é o “standard” de conduta presidencial lícita, prevista na Lei 1.079, de 10 de abril de 1950.
Dignitas – dignidade –, ensina Cicero, é ter bons sentimentos para com a res publica e dar provas aos homens de bem desses sentimentos. Decoro, que, como dignidade, provém do latim decet, o que convém, o que é apropriado, manifesta-se pela compostura no exercício da função pública. Nem um nem outro se encontram nas palavras de ruptura e improvisações mal concebidas do presidente, que alimentam a insegurança, corroem a confiança e dividem o País.
Não atendem ao papel que se espera de liderança, que é o de definir construtivamente rumos para a sociedade. São incompatíveis com o zelo que deve presidir as políticas públicas de saúde numa situação-limite como a da pandemia.
Ensina o padre Antônio Vieira que “o verdadeiro zelo teme o perigo e trata dos remédios”, advertindo que “o maior perigo não é quando se teme o perigo, é quando se teme o remédio”. Os remédios são aqueles que o estágio atual do conhecimento e da ciência, validados pelos pesquisadores nacionais e internacionais, indica em matéria de contenção e mitigação dos riscos da pandemia. Entre eles, vacinas e o seu papel imunizador, máscaras, isolamento social, administração da sobrecarga dos cuidados hospitalares a serem implantados sem atropelos e desvios de qualquer natureza e sem o ímpeto desagregador das competências concorrentes dos Estados e dos municípios.
O presidente ignora a advertência do padre Antônio Vieira: teme o perigo e com a opacidade intencional da consciência ignora os remédios. Dessa maneira vai prolongando o mal-estar do nosso quotidiano de um “mundo às avessas” com suas omissões, ações e palavras, reveladoras de um modo de ser que não se ajusta à dignidade e ao decoro de seu cargo.
PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)
As democracias (ainda) sob cerco
18 de julho de 2021 | 03h00
Não pode surpreender tanto assim que no programa ultradireitista, nesta e em outras plagas, o assalto ao sufrágio universal, às eleições e à rotatividade no poder ocupe lugar absolutamente central. Deixam de importar os processos eleitorais em si, o modo efetivo como se desenvolvem, o grau maior ou menor de confiança que inspiram nos cidadãos. Quer transcorram lisamente, como tem sido possibilitado pelas urnas eletrônicas brasileiras, quer mostrem falhas e ineficiências, como ocorre com os arrastados e anacrônicos pleitos norte-americanos, o fato é que denunciar fraudes e espalhar suspeitas, minando dolosamente a legitimidade do vencedor e das próprias instituições, são atitudes que definem, de modo “orgânico”, o item central do manual de instruções patrocinado pelas forças subversivas do nosso tempo.
A historiadora Anne Applebaum, ao escrever sobre o declínio das democracias e a sedutora atração do moderno autoritarismo, chama a atenção para a convergência até mesmo de linguagem entre três perdedores recentes. Longe de reconhecerem a derrota que, em países e circunstâncias diferentes, lhes foi imposta, Donald Trump, Keiko Fujimori e Benjamin Netanyahu nem sequer esperaram a contagem final dos votos para se declararem vítimas de tramas e maquinações perversas. O vocabulário que empregam é perturbadoramente semelhante, ressalvadas algumas poucas particularidades. Suas palavras poderiam ser trocadas umas pelas outras e nem perceberíamos a diferença.
Para nós, aliás, nada disso é novidade: observando nosso contexto, esse também é o veneno que nestes dois últimos anos e meio temos provado em doses certamente não homeopáticas.
Consideremos o fenômeno a partir da sua matriz trumpista. Os otimistas dirão que, afinal, Trump “não passou”, que a barreira erguida por Joe Biden, um moderado, com a sustentação da esquerda do seu partido, claramente renovou o consenso majoritário em torno das regras escritas e não escritas da democracia. Dirão mesmo, com acerto, que personagens políticos como Biden são os mais bem talhados para projetar pontes num momento de polarização irracional e destrutiva, que corta transversalmente a sociedade e não poupa nenhum âmbito, até mesmo, para citar um caso de vida ou morte, o ambiente relativo aos meios e modos de combater um mal universal como a pandemia.
No entanto, deixando de lado por um momento o alívio advindo com o triunfo de Biden, há algo inédito e profundamente inquietante na cruzada global da direita autocrática. Antes de mais nada, valendo-se da situação criada pelas dores do parto de sociedades de novo tipo, cuja trama econômica se espalha em nível planetário, mas cujos recursos políticos estão basicamente confinados às fronteiras nacionais e não protegem os desfavorecidos, os novos cruzados mandam às favas os escrúpulos de consciência de um modo que os torna muito semelhantes aos seus avós fascistas dos anos 1930.
A demagogia irracionalista, então como agora, parece não ter limites. De fato, vai além da mobilização de interesses propriamente econômicos, que, por mais contrastantes que sejam, podem em princípio ser recompostos em função de um bem maior e comum, como o atesta o “compromisso social-democrata” que marcou toda uma fase de progresso no Ocidente. É neste quadro, de resto, que se inserem as tenebrosas “guerras culturais”, que buscam substituir o conflito político normal, estruturado segundo interesses materiais e orientações de valor mais razoáveis, por uma interminável conflagração entre valores últimos e irreconciliáveis, refratários por definição a uma síntese democrática.
Processos eleitorais não teriam como ficar imunes a esta dramática passagem de época. Passaram também a estar envoltos numa espessa nuvem de paranoia e mistificação, sob a qual derrotados em eleições limpas se proclamam vencedores e arrastam milhões de prisioneiros de um universo virtual autorreferenciado. Descortina-se um panorama orwelliano em que um vitorioso, como Jair Bolsonaro em 2018, afirma ter obtido o mandato em urnas fraudadas, sem que ninguém saiba como nem quando. Ou declara terem sido adulteradas as eleições de 2014, sem que a suposta vítima tenha percebido. E, ameaçando virar a mesa em 2022, requer que os votos sejam em papel e, por isso, “auditáveis”, embora a crônica jornalística registre que, nos Estados Unidos, a auditoria dos votos em papel se tornou um exercício de fanáticos com momentos cômicos, como quando, ainda agora, se procuram fibras de bambu nas cédulas que teriam vindo prontas de certo país asiático para beneficiar Joe Biden...
Os toques de comédia não podem nos distrair. Ontem como hoje, em 1930 ou agora, há um assalto à razão, à democracia e à ideia de bem comum. Uma vantagem é que as forças que o promovem não se disfarçam nem ocultam seus truques, que estão todos à vista. O que pode detê-las é uma frente muito ampla em defesa das regras do jogo e da lealdade entre os contendores para que paixões, conflitos e contradições humanas, ao fim e ao cabo, se expressem de modo produtivo.
TRADUTOR E ENSAÍSTA, É UM DOS ORGANIZADORES DAS ‘OBRAS’ DE GRAMSCI NO BRASIL
'Propina é pelado na piscina': Bolsonaro defende Pazuello por reunião com intermediária de vacina
18 de julho de 2021 | 12h22
Atualizado 18 de julho de 2021 | 19h14
O presidente Jair Bolsonaro voltou a negar irregularidades na compra de vacinas por parte do Ministério da Saúde, conforme denúncias recentes, e a defender o ex-ministro Eduardo Pazuello e o ex-número 2 da pasta, o coronel Elcio Franco. As afirmações foram feitas na manhã deste domingo, 18, após o presidente receber alta médica e deixar o Hospital Vila Nova Star, onde estava internado desde a quarta-feira, 14. Na saída, ele parou para conversar com a imprensa por cerca de meia-hora.
A denúncia comentada por Bolsonaro diz respeito ao fato de Pazuello ter recebido representantes de uma empresa que pretendia intermediar a venda ao governo de 30 milhões de doses da Coronavac. A vacina do laboratório chinês Sinovac já está em uso no País graças à parceria com o Instituto Butantan. Segundo Bolsonaro, o fato de o ex-ministro ter gravado um vídeo com os representantes já seria um indicativo de regularidade da situação, e minimizou a situação dizendo que Brasília é o "paraíso dos lobistas".
"Se eu estivesse na Saúde, eu teria apertado a mão daqueles caras todos. O receber (os representantes)... ele não estava sentado à mesa. Geralmente, teria uma fotografia dele sentado à mesa e negociando. E se fosse propina, (Pazuello) não daria entrevista, meu Deus do céu, não faria aquele vídeo. Geralmente quando se fala em propina, é pelado e dentro da piscina", disse o presidente.
A compra não foi concretizada. Segundo Bolsonaro, duas condições foram dadas por ele às negociações das vacinas: "passar pela Anvisa e só pagar quando chegar". Também de acordo com o presidente, o coronel da reserva Elcio Franco, que era secretário-executivo do ministério na época, agiu bem na intermediação. "Não tem um centavo nosso despendido com essas pessoas", completou. "Vocês acham que no bolo, naquelas reuniões do Planalto, chega um cara (e diz): 'Pô, eu tenho uma vacina' e apresenta para o ministro… Eles nem dão bola pro cara. Brasília é o paraíso dos lobistas, dos espertalhões".
"Vocês sabiam que o orçamento diário da saúde é de R$ 500 milhões? Pode estar fazendo besteira? Pode. A gente fica grato se alguém apresentar algo que a gente possa corrigir. Agora, nos acusar, (acusar) a mim de corrupção por algo que não compramos, não pagamos, isso é má fé", disse.
Sobre as denúncias de atraso na compra de vacina, ele voltou a repetir que "não havia vacina" em fevereiro e em março e defendeu a distribuição atual dos imunizantes à população por parte do governo federal. "A primeira vacina foi (aprovada) em dezembro, no Reino Unido. O Brasil começou a aplicar (vacinas) no mês seguinte. Estamos lá na frente no tocante à vacina. E no que depender de mim, a vacinação é não obrigatória e ponto final".
O destruidor de narrativas: Marcos Rogério expõe as mentiras da oposição sobre as vacinas
O senador Marcos Rogério (DEM-RO), que se tornou a principal voz do governo no âmbito da CPI da pandemia, em curso no Senado Federal, agora desmontou também as muitas narrativas criadas sobre negociação de vacinas pelos opositores do governo, o famoso grupo G7, que reúne lulopetistas e o trio de patetas Omar Aziz, Randolfe Rodrigues e Renan Calheiros.
Em entrevista à Rádio Jovem Pan, o parlamentar mostra como o discurso muda de um dia para o outro, hora com ataques sobre a “falta de compra de vacinas”, hora sobre “ter comprado vacina”.
“A CPI das narrativas inverte o jogo. Lá atrás batia quando alguém suscitava a questão do preço (necessidade de negociação para baixar o custo), agora, bate quando alguns contratos previam a aquisição de uma vacina mais cara, não importa a verdade, pra eles o que importa é a narrativa”
Veja o vídeo: JC ONLINE
Pazuello desmascara mais uma narrativa, mas o “vazador geral da república” ainda segue na ativa
Como era de se esperar, mais uma narrativa criada pelo grupo Folha de S.Paulo e, claro, comprada pelo restante da velha mídia como se fosse a “última bolacha do saco”, acaba de ser desmontada, apenas 24 horas depois.
Trata-se do tal vídeo em que o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, aparece ao lado de um empresário de traços chineses, que diz se chamar John e representar uma empresa, a World Brands, de venda de vacinas – no caso, a Coronavac - em possível negociação direta com a China.
Ainda que o vídeo não mostre absolutamente nada, além de um breve diálogo em que as partes mostram estar apenas em conversas para possível entendimento, ou seja, uma sondagem, o fato foi divulgado como se fosse prova incontestável de que o governo teria tentado comprar 30 milhões de doses a US$ 28,00 e que “Pazuello teria negociado tudo pessoalmente”.
Narrativa absurda e que pode ser percebida, na hora, por qualquer pessoa leiga que tenha o mínimo de discernimento, e que acaba de ser desmontada pelo próprio general, em nota:
"Ante a importância da temática, uma Equipe do Ministério da Saúde os atendeu e este então Ministro de Estado - que detém o papel institucional de representar o Ministério da Saúde - foi até a sala unicamente para cumprimentar os representantes da Empresa após o término da reunião"
"Após a gravação, os empresários se despediram e, ato contínuo, fui informado que a proposta era completamente inidônea e não fidedigna. Imediatamente, determinei que não fosse elaborado o citado Memorando de Entendimentos - MoU - assim como que não fosse divulgado o vídeo realizado"
Um ponto, entretanto, chama verdadeiramente a atenção em toda essa história. Quem vazou o vídeo, se o ex-ministro pediu que o mesmo sequer fosse divulgado? Quem desobedeceu a ordem de apagar o material, e com que interesse e objetivos? Quando e como este vídeo foi enviado, ilegalmente para a jornalista? Creio que é possível rastrear e atestar as responsabilidades.
O “vazador geral da república” continua atuando, debaixo das barbas do governo.
Quanto à notícia, em si, é cada dia mais assustador o papel que vulgos jornalistas tem assumido diante dos veículos de comunicação tido com tradicionais, mas que, atualmente, não passam de vultos do que já foram um dia.
E, pior, o papel sujo que esses mesmos veículos se prestaram a fazer.
Ao invés da notícia por inteiro, da checagem, da garantia da idoneidade dos fatos, o que se publica é a ideologia em seu estado mais bruto, carregada de narrativas e falsidades intelectuais; a informação pela metade (a parte que interessa ou atende interesses).
De resto, nada mais pode ser tirado daí. Não houve continuidade; não houve contrato, invoice, nota fiscal, compra, pagamento, entrega, sobrepreço, corrupção ... nada, absolutamente nada, a não ser a tentativa de dizer que Pazuello teria mentido à CPI, o que também não passa de frágil acusação sem materialidade. JC ONLINE
Sem Bolsonaro, Manaus não foge à luta e realiza gigantesca motociata
Neste sábado (17) estava prevista a grande motociata de Manaus (AM) com a presença do presidente Jair Bolsonaro.
Em razão de problemas de saúde, internado em um hospital de São Paulo, o presidente ficou impedido de comparecer.
Mesmo assim, o evento aconteceu.
Milhares de motociclistas, com muita empolgação, e carros com bandeiras do Brasil, ocuparam as ruas da capital amazonense e fizeram um percurso de cerca de 50 quilômetros. Um grande festa popular.
O evento acabou se constituindo em mais uma demonstração de força do presidente da República. JCONLINE
Veja o vídeo: