Sem pânico - FOLHA DE SP
O surgimento de uma doença viral inédita, como no caso do surto de coronavírus na China, cria um dilema para as autoridades no mundo todo. Elas têm de tomar providências rápidas para prevenir uma pandemia, mas precisam fazê-lo sem desatar pânico desnecessário.
O espectro a acossar a memória de todos, especialistas e leigos, é a Gripe Espanhola de 1918, que infectou um terço do planeta e matou estimados 50 milhões de pessoas. O vírus H1N1 de então continua a sofrer mutações e ainda representa um desafio de saúde pública.
Gripes suínas e aviárias são objeto de preocupação perene, mas nem de longe apresentam impacto tão desastroso. Os sistemas de atenção melhoraram e dispõem hoje de vacinas para imunizar contra as cepas predominantes a cada ano.
A dificuldade maior reside nas viroses sobre as quais não há informação genética e epidemiológica à mão, como o 2019-nCoV de agora. O surto na cidade de Wuhan começou em dezembro e, em um mês, produziu mais de 4.500 infectados em quase 20 países e ao menos uma centena de mortes, a grande maioria na China.
É cedo para montar um quadro preciso da virose, pois os números mudam a cada dia (não se exclui, ademais, que sejam subestimados pelas autoridades chineses por razões políticas). Acredita-se, provisoriamente, que a incubação desse coronavírus dure de 2 a 10 dias e que cada doente possa infectar até três ou mais pessoas.
Tal imprecisão impede projeções confiáveis para calibrar medidas de prontidão e prevenção. A síndrome respiratória aguda grave (Sars), outro coronavírus que assustou o mundo em 2002 e 2003, teve mais de 8.000 casos confirmados e matou 774, bem menos do que estimavam as projeções mais alarmantes da época.
Verdade que a evolução relativamente benigna da Sars pode ter sido resultado da própria reação enérgica de vários países. De todo modo, cabe pôr o impacto dessas moléstias emergentes em perspectiva, lembrando que o vírus influenza, da gripe, mata 600 mil pessoas por ano no mundo.
No Brasil, já há alguns casos suspeitos; outros surgirão, aqui e noutras nações. O Ministério da Saúde parece atento e preparado para soar o alerta no tempo devido. Até que se confirmem as infecções e se configure —ou não— uma pandemia deveras preocupante, a incerteza prosseguirá.
Não há motivo para alarme, entretanto. E mesmo que se confirme o 2019-nCoV como um coronavírus de fato ameaçador, o melhor a fazer é lavar bem as mãos —bom profilático para qualquer virose— e evitar contato estreito com pessoas vindas da China portadoras de sintomas respiratórios e febre.
O STF inventou o ministro contramajoritário, que joga contra a maioria da corte
Uma suprema corte tem função indispensável na democracia. Impor contrapeso a eventuais arroubos de maiorias eleitorais e legislativas, preservar a institucionalidade e proteger valores constitucionais acima do conflito político cotidiano são papéis delicados. Para que sobreviva como instituição que se respeita e se obedece, precisa investir na fina construção e manutenção de sua autoridade.
O STF se autoliberou desse penoso exercício.
Prefere um tribunal libertino, leve e solto. Presume que sua autoridade brota da natureza, ou das palavras da Constituição, pouco importa o que ministros fazem ou deixam de fazer dentro ou fora da corte. A libertinagem procedimental põe em risco a liberdade de todos nós, à esquerda e à direita. Não descobrimos isso em janeiro de 2020, mas o mês inovou.
A figura do “juiz das garantias”, aprovada pelo Congresso um mês atrás, determina divisão de trabalho entre o juiz que conduz produção de provas e o juiz que toma a decisão final. Inspirada em outras cortes do mundo, o modelo tenta potencializar as condições não só para uma decisão imparcial, mas para a imagem de imparcialidade. Gerou gritaria pública, sobretudo em entusiastas do selo Lava Jato de combate à corrupção.
Você pode ser contra ou a favor do juiz das garantias. Há argumentos dignos do nome dos dois lados, ainda que uns sejam mais convincentes que outros (debate que fica para outra coluna). Mas você não pode apoiar a arbitrariedade judicial só porque ela atende sua opinião hoje. Amanhã o afetado por manobra monocrática poderá ser você. Atenção aos métodos, não só aos resultados.
Liminar de Toffoli durante o recesso judicial ampliou prazo legal para implementação do juiz das garantias de 30 para 180 dias. Fux, outro plantonista do recesso, revogou a decisão de Toffoli e suspendeu, sem prazo definido, esta e diversas outras disposições do “pacote anticrime”. Ressaltou que tomava essa decisão com “todas as vênias possíveis” a Toffoli.
É provável que esse caso não volte mais à pauta do tribunal nessa geração. Afinal, desde 2012 esperamos que a gaveta de Fux solte para plenário o julgamento dos penduricalhos de juízes fluminenses (que a lei chamou de “fatos funcionais”); desde 2014, sua gaveta sonega do plenário o caso do auxílio-moradia. Para ficar em dois exemplos. A história não tem registro de voto de Fux que contrarie a magistocracia.
Foi um “descalabro” que “desgasta barbaramente a imagem do STF”, nas palavras do ministro Marco Aurélio. Para Gilmar Mendes, Fux “deveria entregar a chave do Parlamento” à equipe da Lava Jato. Soa bem, mas sabemos o que Marco Aurélio e Gilmar Mendes fizeram em verões passados.
Liminar é decisão de urgência. Justifica-se à luz do risco de a demora judicial causar prejuízo irreversível.
Num tribunal, liminar deve ser concedida pelo colegiado. Apenas por razão excepcional, pode ser tomada de forma monocrática.
Em controle de constitucionalidade, nem por razão excepcional (a lei 9.868 não autoriza, mas o STF a ignora). Apenas por razão excepcionalíssima, pode ser tomada dentro do recesso judicial. Liminar monocrática em recesso, portanto, é decisão triplamente qualificada.
Fux rompeu a barreira. No glossário dos abusos judiciais, falta palavra para classificar liminar monocrática que passa por cima de outra liminar monocrática, ambas dentro do recesso.
O pensamento constitucional emprestou o mito de Ulisses para simbolizar a tarefa de cortes. Democracia que se sujeita a limites agiria como Ulisses. No mito, Ulisses se amarrou ao mastro para resistir ao canto das sereias. Na política moderna, democracias se amarraram às barreiras constitucionais. No STF, Fux não resistiu e se amarrou às sereias. “O mastro às favas”, poderia ter dito.
Uma suprema corte também se diz “contramajoritária” porque busca represar impulsos de maiorias. O STF inventou o ministro contramajoritário: aquele que joga contra a maioria do STF. Isso só se conhece no STF. Não é jabuticaba, pois a saborosa fruta não merece ser metáfora de nossos vícios e patologias. É aberração mesmo.
Governo define tema de campanha contra gravidez: ‘tudo tem seu tempo’
Meio-termo A campanha contra a gravidez precoce elaborada pelos ministérios da Saúde e dos Direitos Humanos terá como tema a frase “tudo tem seu tempo”. O público-alvo da campanha serão adolescentes de 15 a 19 anos e seus pais. A definição contraria a preferência de Damares Alves, que queria a idade mínima aos 12.
Voz da experiência A ação, que ocorrerá na internet, vai mostrar vídeos de pessoas que foram pais na adolescência, contando as suas histórias de vida. O foco será conscientizar os jovens para que tomem cuidado para não engravidar na adolescência.
Descubra você mesmo Para isso, porém, a campanha não deve entrar em detalhes sobre métodos contraceptivos, mas também não deve ter uma orientação pregando a abstinência sexual.
Omissões sobre filho de Lula trazem incerteza a acordo de delação de ex-empreiteiro
O delator Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, omitiu irregularidades envolvendo um dos filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seus relatos a autoridades da Lava Jato, segundo o Ministério Público Federal, o que tornou incerto o futuro de seu acordo de colaboração.
Delator há quatro anos, Azevedo foi alvo em dezembro passado de três mandados de busca e apreensão cumpridos na fase da Lava Jato batizada de Mapa da Mina.
Essa etapa da força-tarefa apura se o sítio em Atibaia (SP) frequentado pelo petista foi comprado com dinheiro de propina da empresa de telefonia Oi, por meio de sócios de Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente. A Oi tinha o grupo Andrade Gutierrez como um de seus controladores.
Reformas patrocinadas por empreiteiras nesse sítio motivaram a condenação do ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro. Em 2010, Jonas Suassuna, sócio do filho de Lula, comprou o sítio junto com Fernando Bittar (filho de Jacó Bittar, amigo de Lula). Ele pagou R$ 1 milhão, e Bittar o restante.
A Lava Jato, em petição à Justiça na qual pediu os mandados de busca contra o ex-presidente da Andrade Gutierrez, afirmou que, embora o empresário tenha firmado acordo de colaboração, "nele não tratou sobre os ilícitos narrados na presente peça".
"Conforme demonstrado, foram encontradas diversas evidências de sua atuação nos fatos sob apuração", completa a força-tarefa de Curitiba.
Otávio Azevedo, 68, foi presidente da holding da Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do país, de 2008 a 2015. Na época, além de representar o grupo, atuava no braço de telecomunicações do conglomerado, que incluía participação societária na Oi.
Ele ficou preso por oito meses, por ordem do então juiz Sergio Moro, de junho de 2015 a fevereiro de 2016, sob suspeita de pagar propina no âmbito da Petrobras. Deixou o regime fechado em virtude da negociação de sua delação.
Condenado a 18 anos de prisão em processo derivado da operação, cumpre ainda uma série de compromissos com a Justiça, que incluem a apresentação de relatórios periódicos de atividades e a prestação de serviços comunitários.
Na fase da Lava Jato deflagrada em dezembro de 2019, a força-tarefa liga a atuação de Azevedo junto à Oi ao repasse de milhões de reais à empresa Gamecorp e outras firmas relacionadas ao filho de Lula.
A equipe de investigadores tenta esmiuçar a aplicação pela tele de R$ 132 milhões nessas firmas de 2004 a 2016 —a Oi foi responsável por 54% dos créditos do que chama de "grupo econômico Gamecorp". Entre os sócios dessas firmas estão os compradores do sítio de Atibaia, Suassuna e Bittar.
Agora, à Justiça, a força-tarefa levantou diversas suspeitas sobre a atuação de Azevedo naquele período, com base em materiais que haviam sido apreendidos por ocasião da prisão do empreiteiro, antes de seu acordo de delação.
Como Bolsonaro poderá livrar-se de Moro sem pagar tão caro
Se não lhe faltar paciência, o presidente Jair Bolsonaro se livrará da companhia do ministro Sérgio Moro de uma maneira quase indolor, indicando-o para a vaga a ser aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria em novembro próximo de Celso de Mello, o decano da Corte. Se a paciência lhe faltar, ou se sobrevier um novo incidente, Bolsonaro se livrará dele antes. Ou Moro pedirá as contas.
A saída indolor seria mais recomendável para Bolsonaro. Quando convidou Moro para ministro da Justiça e da Segurança Pública, prometeu-lhe uma vaga de ministro no Supremo. Poderia ser a de Mello. Ou a vaga seguinte do ministro Marco Aurélio Melo que se aposentará no final do próximo ano. Sem briga, Bolsonaro diria que apenas cumpriu sua palavra. Moro não poderia dizer nada, salvo agradecer o gesto.
Ocorre que Moro cada vez mais parece ter pegado gosto pela política e já não se sabe ao certo se gostaria de voltar a usar a toga. Se for assim, o melhor para ele seria manter-se no governo até quando possível. E a sair, deixá-lo na condição de vítima de Bolsonaro. Isso aumentaria suas chances de ser candidato a presidente da República em 2022, ou ao governo de um Estado importante. Por que não São Paulo?
Em mais uma entrevista destinada a repercutir, dessa vez à rádio Jovem Pan, Moro repetiu que não será candidato a presidente. Brincou que de tanto dizer isso, acabará por mandar gravar em sua testa o que ninguém quer acreditar. Insinuou que ficaria satisfeito com a possibilidade de ir para o Supremo. Admite-se que a essa altura nada poderia dizer de diferente. Outra vez saiu-se bem durante o interrogatório a que foi submetido.
O fato é que ele e Bolsonaro já não se toleram. Bolsonaro não o perdoa desde que Moro, em setembro do ano passado, manobrou para que Dias Toffoli, presidente do Supremo, não concedesse a liminar que paralisou os processos abertos com base em informações fiscais compartilhadas por órgãos do governo e o Ministério Público sem prévia autorização judicial. A decisão beneficiou o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um.
Bolsonaro e Moro brigaram feio durante uma conversa no Palácio do Planalto. “Se não pode me ajudar, pelo menos não atrapalhe”, berrou o presidente, segundo consta no livro da jornalista Thaís Oyama, ex-redatora chefe da VEJA, sob o título “Tormenta –O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos”, recém-lançado pela editora Companhia das Letras. Para Bolsonaro, a família acima de tudo, só abaixo de Deus.
De resto, pegou mal para o presidente o aparente desfecho do seu entrevero com Moro por conta da ideia de recriar o Ministério da Segurança Pública. Bolsonaro deu a entender que isso talvez acontecesse. Sem disposição para engoliar sapo tão grande, Moro respondeu deixando vazar para a imprensa que pediria demissão de imediato. Pressionado nas redes sociais, advertido por auxiliares, Bolsonaro deu o dito pelo não dito.
O recuo – mais um a ilustrar a biografia de um presidente sem maior compromisso com o que fala – deixou Bolsonaro agastado. Sobre seu desconforto há evidências suficientes. Ministros aguardam ansiosos sua volta da Índia para avaliar melhor como ficarão as coisas. Bolsonaro e Moro voltarão a desfilar juntos, sorridentes? Serão vistos outra vez em estádios de futebol torcendo pelo mesmo time? A política é um teatro.
O problema é que Bolsonaro e Moro não são atores profissionais de reconhecido talento. VEJA
Desembargador vota para anular quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro
Caio Sartori/RIO / o estado de sp
28 de janeiro de 2020 | 16h02
O desembargador Antonio Carlos Nascimento Amado, relator do caso do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) na 3ª Câmara Criminal do Rio, votou na tarde desta terça, 28, para anular a quebra dos sigilos bancário e fiscal do filho do presidente Jair Bolsonaro nas investigações sobre um esquema de ‘rachadinha’ envolvendo o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Não houve, no entanto, nenhuma decisão: duas desembargadoras pediram mais tempo para analisar o caso.
O voto favorável a Flávio teve como embasamento o fato do senador não ter sido ouvido antes do pedido de quebra de sigilo feito pelo MP em abril do ano passado. Isso fere, de acordo com Amado, o respeito ao contraditório.
Amado negou, também na sessão desta tarde, um outro habeas corpus do senador, que versava sobre um tema já debatido em plenário pelo Supremo Tribunal Federal (STF): o compartilhamento do relatório de inteligência financeira do antigo Coaf com o Ministério Público.
A próxima sessão da 3ª Câmara está marcada para o próximo dia 4, mas o habeas de Flávio ainda não está pautado.
Durante o ano passado, Amado negou pedidos de paralisação do caso que haviam sido impetrados tanto por Flávio quanto pelo seu ex-assessor Fabrício Queiroz, apontado como operador dele no suposto esquema na Assembleia Legislativa do Rio, a Alerj. O Ministério Público do Rio apura as práticas de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa por parte do senador.