A POPULARIDADE DE BOLSONARO ACENTUA DIVISÃO NA ESQUERDA
Sérgio Roxo / ÉPOCA
O crescimento da popularidade do presidente Jair Bolsorano acentuou a divisão dos partidos de esquerda e centro-esquerda sobre os caminhos da articulação da oposição ao governo federal. Enquanto o PT descarta uma ameaça ao lulismo, líderes de outras siglas enxergam um enfraquecimento do ex-presidente e acusam sua legenda de impedir a união desse campo político.
As diferentes forças concordam, porém, que as chances de impeachment, uma bandeira que vinha sendo levantada em conjunto, se tornaram remotas desde que o Datafolha mostrou no último dia 14 uma elevação do índice de ótimo e bom do governo de 32% para 37%, o melhor patamar desde o começo do mandato em janeiro do ano passado.
A pesquisa registrou uma melhora da popularidade no Nordeste, onde a aprovação passou de 27% para 33%. Desde a eleição presidencial de 2006, a região deu vitórias eleitorais robustas a Lula e candidatos do PT. O crescimento de Bolsonaro entre os nordestinos é atribuído ao pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 desde abril.
"Bolsonaro tenta migrar de uma base unida pela questão dos costumes para uma base de necessitados. E quem é mais afetado com isso é Luiz Inácio lula da Silva. O eleitor que Bolsonaro tenta capturar nem é de esquerda", afirma Carlos Lupi, presidente do PDT.
O dirigente trabalhista diz que Lula tem hoje uma preocupação maior de cuidar de sua biografia e de seu partido, como fazia antes de ser eleito presidente.
"Isso é legítimo, mas o coloca em patamar inferior ao que já teve. Em todas as pesquisas nos estados, a queda da influencia eleitoral do Lula é impressionante. Ele preso estava muito melhor do que está hoje".
Presidente do PSB, Carlos Siqueira também avalia que a ameaça do crescimento de Bolsonaro é muito maior para o PT do que para a esquerda em si. Ele ainda classifica o Bolsa Família, implantado na gestão petista, de “assistencialista”.
"O Bolsonaro busca o tipo de eleitorado que se comporta de acordo com o nível de assistencialismo de cada governo. Isso não se pode chamar de programa social".
Siqueira vê um problema de comunicação da oposição, que permitiu ao presidente ficar com todos os louros da distribuição do auxílio emergencial, apesar de ter proposto inicialmente uma quantia de R$ 200 para o benefício. O valor foi aumentado durante a tramitação no Congresso.
FALTA DE ALIANÇAS
O dirigente do PSB entende que a dificuldade de se contrapor ao governo federal se dá também pela divisão da oposição, que, em sua visão, deveria ter programados alianças, pelo menos, nas cinco maiores cidades do país na eleição deste ano.
"Poderia se buscar uma resposta política eleitoral, mas não foi possível por causa da posição do maior partido de esquerda".
Um dirigente de uma outra sigla de esquerda acredita que, por causa das divisões, a disputa política no país hoje se dá entre a extrema direita, representada por Bolsonaro, e pela direita liberal. Siqueira não concorda que o cenário já seja esse, mas não descarta que um quadro assim em 2022.
Já a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, não vê uma ameaça consistente à influência política de Lula entre os eleitores do Nordeste.
"Temos que olhar a pesquisa com sangue frio. Não dá para se assustar. O Bolsonaro sempre esculhambou o Bolsa Família, dizia que era coisa de vagabundo. Agora viu um filão".
Gleisi argumenta que a popularidade de Lula não é fruto apenas do Bolsa Família, que deve ser substituído pelo Renda Brasil por Bolsonaro, mas também de outras políticas, como Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o programa de cisternas. A mudança, na visão da petista, só ocorreria se Bolsonaro mudasse radicalmente a sua linha econômica, o que ela não acredita.
"A substituição do lulismo acho que não aconteceria. A não ser que ele (Bolsonaro) mude a política, parta para o desenvolvimentismo. Aí ele pode disputar bem a política na base popular", diz Gleisi.
Os presidentes do PT, PDT e PSB concordam que Bolsonaro terá dificuldade de manter, com o Renda Brasil, o pagamento de benefícios em valores elevados e isso pode reverter a melhora da avaliação registrada agora.
'SEGUNDO TRIMESTRE FOI O PIOR DA CRISE, AGORA VEMOS UMA RETOMADA', DIZ ECONOMISTA DO SANTANDER
Patricia Valle / ÉPOCA
Para a economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, o pior da crise do coronavírus já passou e o Brasil começa uma gradual retomada do crescimento. Mas ainda há incertezas de como a economia ficará sem os estímulos fiscais e como o país irá administrar as contas públicas para trazer a confiança do investidor.
O pior da crise já passou? Qual sua projeção para o PIB no ano? Ela mudou após os resultados do segundo trimestre?
Os números vieram em linha com o que pensamos inicialmente, que era uma queda de 10%. Depois ficamos mais otimistas e passamos para -8% para o trimestre. Então estamos pensando em uma projeção do ano para o PIB de -6,4%. Ainda iremos revisar, mas, pelo que veio, imagino que manteremos isso. Achamos que o segundo trimestre foi o pior da crise, agora vemos uma retomada.
O que acende o sinal de alerta no PIB do segundo trimestre?
O setor externo está ajudando a manter a atividade. O setor agrícola teve uma boa safra, com dólar alto, que está equilibrando e ajustando os preços. Saímos de um déficit de conta corrente na casa de 2,7% do PIB e estamos caminhando para fechar o ano com um leve superávit nas contas correntes.
O mais preocupante é que o setor de serviços não foi um colchão amortecedor, como em outras crises. Ele foi severamente impactado. Foi uma crise que fechou tudo. É uma crise muito diferente. Junta choque de oferta com choque de demanda, muito em função da perda de confiança. Como o setor de serviços é o mais representativo do PIB, essa recuperação deve ser lenta.
O auxílio emergencial ajudou, mas o que esperar do consumo das famílias à frente, com o valor do benefício reduzido à metade?
No segundo trimestre, esse conjunto de transferências chegou a aproximadamente 15% da massa de salários, ajudou a sustentar o consumo. No último trimestre, esperamos que a economia esteja praticamente aberta, com quase tudo normalizado. Com o contágio sob controle. Isso é compatível com uma redução da dose de estímulos, porque você já tem a normalização das atividades.
Mas esses efeitos são de curto prazo. Temos que ver como a economia sai da crise sem esses estímulos, pelo menos fiscais. O ano de 2021 vai revelar os impactos da crise sanitária sobre a economia.
O ministro da Economia fala que estamos diante de uma recuperação em V. Há sinais disso?
Uma característica dessa crise é a heterogeneidade. Algumas regiões foram afetadas mais cedo e outras mais tarde, umas estão em platô mais longo... alguns setores foram pouco impactados, como alimentos, e outros bem mais impactados, como turismo e lazer. Isso mostra diferentes trajetórias de recuperação. No todo, esperamos uma trajetória mais gradual. Até porque o Brasil não tem como sustentar esses estímulos econômicos por muito tempo. Estamos falando em terminar com os principais estímulos fiscais em dezembro. E, em 2021, o governo vai tentar recuperar o ajuste das contas públicas. Para melhorar a confiança, é preciso voltar à agenda de reformas.
O risco fiscal é o que mais chama a atenção do mercado hoje, nacional e estrangeiro. As semanas de discussão do Orçamento, o envio de propostas de reformas e o desenho do Renda Brasil serão muito importantes para interpretar os movimentos da política econômica e a condição de levar o Brasil para uma recuperação sustentada, que gere emprego e renda.
Diante desse cenário, qual é a expectativa do banco para a Bolsa? Alguns setores podem puxar o mercado?
Havendo esse cenário, e temos confiança de que o Brasil irá buscar o ajuste fiscal, vamos ver a convivência com juros baixos e uma migração saudável para ativos reais, e a Bolsa passa a ter cenário construtivo. Mas isso em um cenário de solvência para o Brasil.
A política monetária também está sendo usada para combater a crise. Os juros devem permanecer baixos por muito tempo?
A política monetária tem sido muito importante, porque temos ociosidade na economia e inflação controlada. Mas vemos a autoridade monetária restringida pelo cenário fiscal. Os últimos comunicados deixam claro que o fiscal impõe riscos à economia. Sustentando o fiscal, eu acredito que a taxa de juros poderá permanecer nesse patamar de 2% até o início de 2022. Isso mantendo-se o compromisso com a responsabilidade fiscal e sustentabilidade da dívida pública.
Quando veremos o impacto da queda dos juros na economia? Ele pode trazer mais investimentos?
Os impactos têm efeitos defasados e serão contidos pelo aumento de incerteza. Os juros de curto prazo caíram, de 4,25% para 2%. Mas os juros mais longos, negociados no mercado privado, aumentaram. Os juros de 10 anos no Brasil aumentaram em relação ao pré-crise. Isso inibe um pouco a eficiência desses estímulos. Os processos de investimentos, por exemplo, são pautados nos juros de longo prazo. A percepção de risco é maior. Mas (a Selic menor) ajuda no endividamento de empresas e famílias.
Isso mostra como o mercado vê o risco Brasil?
Vemos o risco crescendo pela comparação com a taxa de juros. Em 13 de fevereiro, os juros de 10 anos estavam em 6,7%, com uma Selic maior. E agora, com a Selic em 2%, subiram para 7,55% no fim de agosto. Essa é uma sinalização de que o mercado está precificando o risco fiscal e a hipótese de crescimento menor que o esperado quando forem retirados os estímulos. Por isso precisamos de reformas.
O mercado recebeu bem o anúncio do envio da reforma administrativa. Qual deve ser seu impacto? Que outras reformas são importantes?
A reforma mais esperada é a que vai sustentar a regra do teto. Se nada for feito, em 2022 o governo federal vai entrar em shutdown de novo, não vai ter dinheiro para pagar o custeio da máquina pública. A PEC Emergencial desindexa alguns gastos e assegura uma contenção das despesas obrigatórias.
A reforma administrativa é importante, mas deve só impactar novos servidores. Ou seja, só as futuras contratações, que nem sabemos quando podem acontecer, porque hoje não há espaço. O ideal seria ter um impacto já. Poder demitir por insuficiência de desempenho. Aproximar mais a realidade do setor público ao setor privado. Já a reforma tributária mexe substancialmente na produtividade da economia, aumenta o potencial de crescimento.
O cenário internacional pode ajudar na retomada do crescimento? Ou não será favorável?
Haverá vários desafios com a pandemia. Grandes economias foram muito atingidas. E com uma vacina, voltaremos aos velhos problemas. As eleições americanas precisam ser observadas, bem como as disputas comerciais entre EUA e China. Ou seja, não vamos ficar livres do que acontece na crise. Precisamos fazer o dever de casa e ganhar resiliência para lidar melhor com choques externos. Precisamos modernizar o Estado, ter um sistema educacional mais efetivo, fortalecer o SUS, que foi tão importante na pandemia.
Enquanto a pandemia não estiver controlada, que tipo de retomada podemos ter? Será sustentável?
A economia com distanciamento social tem redução de produtividade. Mas estamos bastante confiantes na produção de uma vacina já no início de 2021. E teremos uma economia com sequelas, que teremos de recuperar para ter um crescimento sustentável.
ESTUDO INDICA QUE MEDICAMENTOS PARA DIABETES E OBESIDADE PODERIAM TRATAR A COVID-19
Raphaela Ramos* / ÉPOCA
A farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk estuda se uma nova classe de medicamentos que ajuda as pessoas a perder peso e controlar a diabetes também tem potencial no combate à Covid-19, afirmou a agência de notícias americana Bloomberg.
Uma análise inicial de registros médicos eletrônicos mostra que os medicamentos GLP-1, que ajudam pacientes a manter os níveis de açúcar no sangue sob controle, podem ser uma "terapia muito significativa" para ajudar as pessoas com diabetes a lutar contra a Covid-19, disse Mads Krogsgaard Thomsen, diretor científico da Novo, à agência Bloomberg. Ele apontou evidências de que o vírus ataca células que produzem o hormônio insulina.
"A indicação inicial é que a classe GLP-1 é realmente benéfica na Covid-19. Isso não é inesperado, porque esta é a classe de agentes que visa os fatores de risco para resultados ruins da Covid-19", afirmou Thomsen à agência.
Os medicamentos GLP-1 incluem Ozempic, para diabetes, e Saxenda, para obesidade, ambos da Novo, assim como Trulicity, da Eli Lilly, e Bydureon, da AstraZeneca.
As divulgações preliminares de um estudo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, já havia apontado que o medicamento antidiabético metformina também pode ajudar a salvar pacientes mulheres com Covid-19 em estado grave.
De acordo com a pesquisa norte-americana, entre mais de 6.200 adultos com diabetes ou obesidade que foram hospitalizados com a doença e observados pelo estudo, as mortes foram mais baixas entre mulheres que haviam preenchido suas prescrições de metformina do que entre as que não tomavam o medicamento.
Os pacientes com Covid-19 podem sofrer de uma condição inflamatória na qual o sistema imunológico reage exageradamente ao vírus, causando danos que são piores do que a própria infecção. Estudos mostram que a semaglutida, o ingrediente-chave do Ozempic, “atenua a inflamação sistêmica” em pessoas com diabetes e obesidade, disse Thomsen à Bloomberg.
Segundo a agência, a Novo afirmou estar realizando novos estudos e tornará públicos os resultados se puder comprovar os dados preliminares. Thomsen acrescentou que não há evidência clínica de que os medicamentos GLP-1 tenham um efeito antiviral sobre a Covid-19.
Pesquisas indicam que pessoas obesas e com diabetes correm alto risco de sofrer casos graves da Covid-19.
"Obesidade, hipertensão e diabetes são grandes fatores de risco para resultados ruins. Mas também para que o vírus aumente ainda mais a pressão sobre sua condição cardiometabólica", afirmou Thomsen à Bloomberg.
*Estagiária sob orientação de Eduardo Graça
Oligarcas dos partidos desafiam paciência alheia - JOSIAS DE SOUZA... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/09/06/oligarcas-dos-partidos-desafiam-paciencia-alhe
Descontando-se o caixa dois, a campanha eleitoral de 2020 custará ao Tesouro Nacional R$ 2 bilhões. Em tempos normais, o avanço sobre o bolso do contribuinte seria apenas vergonhoso. Em meio a uma pandemia que encurtou o calendário eleitoral e transferiu a aglomeração dos comícios para as redes sociais, a vergonha transforma-se num desafio à paciência alheia. Além de manter intacto o orçamento definido quando ainda não havia coronavírus, os partidos administram a verba de costas para a moralidade. Enviaram ao Tribunal Superior Eleitoral as atas das reuniões em que definiram os critérios para o rateio da verba entre os candidatos a prefeito e vereador. O repórter Ranier Bragon farejou indícios de fraude.
As atas de pelo menos quatro legendas trazem trechos idênticos. É como se a reunião do PSL fosse um replay do encontro do PL, ocorrido um mês antes. A mesma coincidência transformou a ata do PMB num relato quase idêntico à descrição do encontro do Solidariedade. Ou os textos foram psicografados por alguma entidade suprapartidária vinda do além ou a Justiça Eleitoral está fazendo papel de boba.
Mal comparando, é como se os oligarcas que controlam a caixa registradora dos partidos retornassem à infância. Definem o rateio do fundão como se brincassem de soprar balões para descobrir qual é o ponto exato de ruptura que antecede a explosão.
Quem já encheu balões na infância sabe que o ponto exato de ruptura só costuma ser descoberto quando não adianta mais nada. Num cenário em que os mais de 120 mil mortos do coronavírus se misturam a uma conjuntura marcada pela recessão e o desemprego, os donos dos partidos buscam obstinadamente o ponto de explosão. Ainda não notaram que o saco nacional já está cheio. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL..
Informação mais segura - Anna França / ISTOÉ
Provavelmente você já recebeu algum aviso em seu celular ou computador de um aplicativo ou site dizendo que atualizou sua política de dados e cookies, e que você precisa aceitar antes de continuar. Por trás desses alertas está uma grande mudança no tratamento das informações de cada usuário da internet. O Brasil começa agora uma contagem regressiva para a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Na última semana de agosto, o Congresso ratificou a lei que deve entrar em vigor após a sanção do presidente Jair Bolsonaro, até o dia 17 de setembro, que é dada como certa.
A nova regra, que começou a ser desenhada desde 2018, promete ser um divisor de águas na questão de proteção de informações sensíveis dos internautas. O objetivo é garantir maior transparência com o que é feito dos dados e, principalmente, dar maior controle ao usuário para indicar se a empresa pode ou não utilizá-los. Um ganho significativo em tempos de pandemia, quando cerca de 4 milhões de pessoas entraram no comércio eletrônico.
Garantir direitos aos donos das informações impõe obrigações a quem recebe e opera os dados, sob pena de processos e multa. Por isso, as empresas correm para se adequar às novas regras. “Mas nem 30% das companhias estão preparadas. Especialmente as menores, que entraram na internet por causa da pandemia”, argumenta Renato Opice Blum, advogado e coordenador do curso de Direito Digital da FAAP. Segundo o especialista, agora não há mais como adiar, porque a LGPD prevê punições, não só legais, mas também sanções de outros órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, e do mercado financeiro, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Dúvidas
Especialistas apontam que a efetividade será baixa no início, já que a lei só vai multar a partir de 2021, quando acabar a fase de adaptação. Além disso, será preciso escolher os membros da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão ligado ao governo federal responsável pela fiscalização. Mas é um equívoco achar que ela se tornará uma daquelas leis que não “pegam”. Para vários especialistas, ela já pegou, porque as empresas correm o risco de sanções e a população está mais atenta diante de tantas fraudes e vazamentos. A lei segue o rigor da General Data Protection Regulation (GDPR), da União Européia, na qual é baseada. “Os dados hoje são tidos como o novo petróleo e ganham relevância”, diz Vanessa Santiago, do Gaia Silva Gaede Advogados. Basta agora o internauta ficar atento aos rastros que deixa no mundo virtual.
O ovo da serpente - ISTOÉ
A história é chapa quente, mano! Tá ligado?! Não se vende cocaína no maravilhoso casarão neoclássico que é o Palácio Guanabara, sede do governo do Rio de Janeiro, nem se nomeia secretário nos morros com sua arquitetura de puxadinhos. Mas as imbricações entre as associações criminosas de políticos que se valem da caneta e do crime organizado das favelas que carrega AK-47 são maiores do que imagina a vã democracia do estado.
Dados dão conta de que nos últimos doze meses houve 7.365 tiroteios e 53 pessoas morreram de balas perdidas na região metropolitana. Também recentemente, o governador Wilson Witzel foi afastado pela Justiça em primeira instância, afastamento por seis meses confirmado pelo STJ — que, pela primeira vez, puniu um governador sem prendê-lo. Ele entrou assim na fila indiana dos cinco antecessores, só que que esses cumprem pena em liberdade ou estão atrás das grades: Moreira Franco, Garotinho, sua esposa Rosinha, o campeão Sérgio Cabral e Pezão. O motivo é comum: corrupção, associação ao crime e lavagem de dinheiro. Em seu lugar assumiu o vice, Cláudio Castro, igualmente investigado e pessoa próxima a Jair Bolsonaro — é certo que Castro tentará no Judiciário aliviar a barra suja dos filhos do presidente Carlos e Flávio. Como se disse, a chapa é quente! Mas o que têm a ver os morros com tais políticos?
O sambista paulista Adoniran Barbosa é dono de uma frase exemplar: “tragédia de pobre quando não dá em morte, dá em samba”. Adoniran tem relação com o Rio de Janeiro? Pouca gente sabe, mas o sucesso que o imortalizou, “Trem das onze”, venceu o concurso do carnaval carioca de 1965. Só que no Rio existem samba e morte ao mesmo tempo. Iniciemos a jornada, então, por uma música de autoria de Luis Antonio e Oldemar Magalhães, sucesso absoluto na voz da “divina” Elizeth Cardoso:
Vai, barracão
Pendurado no morro
E pedindo socorro
À cidade a seus pés.
O samba tomou conta do Rio de Janeiro em 1953, em plenos “anos dourados”. Aos moradores urbanos, aos políticos, às elites, a todos eles a população pobre e trabalhadora das favelas recorria. Claro que o pedido de socorro berrava em vão, o que se dava de esmola era a glamourização da miséria. As coisas giram. Hoje, é o estado que pede auxílio diante de uma violência que vitima cada vez mais inocentes, diante de um serviço público falido, diante de um tecido social esfarrapado. E tal pleito vem em uma situação de impasse porque já não se tem a quem pedir: ao morro não dá, no morro “tá tudo dominado”, seja pelos traficantes, seja pelos milicianos.
Querer ajuda da classe política, isso também é impossível: com exceções, tal classe vai compondo uma galeria de corruptos. Os eventos se misturam: corrupção política, tráfico, milícia, são fatores que se entrelaçam na degradação ética, moral e social do Rio de Janeiro. Quando e como as coisas começaram?
Em 1983 o engenheiro Leonel Brizola era o governador do Rio de Janeiro e seu vice, o antropólogo Darcy Ribeiro, conceituado em todo o mundo. Darcy tinha a visão romântica da esquerda, achava que a solução era transformar favelas em comunidades — desde então, até a expressão “favelado” foi se tornando, cada vez mais, politicamente incorreta. Já Brizola, em uma política demagógica, fez acordo com os bandidos, desprezando os trabalhadores: a polícia não subiria morros para reprimir o tráfico de drogas. Pronto, a alma estava vendida ao diabo. Já não era mais o tempo dos malandros que colocavam gilete ou navalha entre os dedos dos pés para numa pernada cortar o rosto do oponente.
“Miguelzinho Camisa Preta”, “Meia-Noite”, “Edgard”, párias da velha guarda, estavam desprestigiados. Quem mandava agora eram os traficantes. Com o pacto de Brizola, que entre a bandidagem ganhou o apelido de “cocaína”, traficantes passaram a disputar territórios. E, claro, desceram para o asfalto. E assim a vida seguiu…
Em um primeiro movimento para se defender dos assaltos nas próprias favelas, comerciantes se uniram no combate a marginalidade – eram os grupos denominados “autodefesa”. Logo, a eles se juntaram policiais inescrupulosos, assassinos de aluguel, assassinos somente por instinto, e aí está o nascedouro das milícias que hoje erguem prédios de areia que desmoronam e matam. Aí está o nascedouro das milícias que, assim como o tráfico de drogas, controlam o preço do gás, decretam toque de recolher, cobram aluguéis exorbitantes por barracos, determinam quem vive e quem morre.
Assim veio à luz o chamado estado paralelo, que deixou de ser paralelo e transformou-se no próprio Estado, sob o foco da teoria de Theodor Adorno, um dos mais competentes sociólogos que já passou pela humanidade: no instante em que presos continuam operando em penitenciárias, territorialmente pertencentes ao Estado que legitimamente detém o monopólio da repressão, no momento em que milicianos ocupam cargos públicos, o que era estado paralelo passa a ser o próprio Estado. Pois é, a chapa é quente e vai esquentar ainda mais. Brizola não seguiu a máxima que partiu da boca de um bandido: Lúcio Flávio Villar Lírio: “polícia é polícia, bandido é bandido”. O deplorável ápice da ação das milícias foi a execução da vereadora Marielle Franco que as denunciava.
“Biqueiras e lojinhas”
Na linha do poder que já não pode mais ser chamado de paralelo por já ser o próprio Estado, há dois importantes pontos na análise das engrenagens da Segurança Pública do Rio de Janeiro. Ao que se sabe há um tipo de criminalidade que só existe lado a lado com o Estado: corrupção. Sem os desvios de verbas públicas e sem políticos que roubem e barganhem com marginais não seria possível existir tal cenário.
A corrupção só ocorre porque políticos e agentes do Estado cometem atos ilícitos. Se houvesse chance de acabar com o Estado, os crimes praticados por gente engravatada ou por aqueles que andam com o “cano” na cintura seriam extintos. Mas há de se fazer uma ressalva: para se ter domínio de “biqueiras” ou das “lojinhas” (pontos de venda de drogas) não necessariamente se precisa da existência do Estado em sua integralidade — basta apenas a sua pública ou velada omissão.
Quando essas duas extremidades se unem de maneira indissociável, quando ganham um só corpo e alma, é porque o Estado falhou em sua função ética de estamento burocrático governamental. “Essa relação íntima com a criminalidade organizada é histórica no Rio de Janeiro e isso só acontece com a cumplicidade do setor público”, diz o sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.