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A abertura de inquérito pode afastar ineditamente Bolsonaro da Presidência?

Marcelo Aith e Isabela Tiosso Fontes de Monteiro* O ESTADO DE SP

29 de abril de 2020 | 05h45

Marcelo Aith e Isabela Tiosso Fontes de Monteiro. FOTOS: DIVULGAÇÃO

O ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a abertura de um inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O pedido foi formulado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) após declarações dadas no último dia 24 de abril pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, quando anunciou sua demissão do cargo.

De acordo com o PGR, as declarações do ex-ministro Sergio Moro podem resultar em, pelo menos, oito crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra, sendo certo que os dois últimos atribuíveis ao ex-juiz federal.

A principal questão é: com a abertura do inquérito contra o presidente da República há possibilidade de seu imediato afastamento? Seguindo a liturgia constitucional do cargo de presidente, Sua Excelência, embora tenha em seu discurso de improviso – absolutamente desastroso – afirmado categoricamente que gostaria de ter acesso aos relatórios de investigação da Polícia Federal, o que por si já demonstram um viés terrível de Bolsonaro de intervir na apuração de crimes, não pode ser imediatamente afastado do cargo.

Como é cediço, nos termos do artigo 86 da Constituição da República, apenas quando “Admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”, ficando suspenso de suas funções, consoante se extrai do parágrafo primeiro do citado artigo: “O presidente ficará suspenso de suas funções: I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.”

Portanto, em uma análise extremamente simples do texto constitucional, qualquer presidente poderia continuar a cometer uma centena de crimes no exercício de suas funções, na medida em que apenas com o aval de 2/3 da Câmara do Deputados poderia ser afastado, após o oferecimento da denúncia pela Procuradora Geral da República.

Uma pergunta caberia aqui: há algum mecanismo jurídico que permita que o presidente seja afastado de imediato do cargo por crime comum ou de responsabilidade? Ouso dizer que sim, em que pese o Supremo Tribunal Federal, ao julgar Inq 4483 QO/DF, relator ministro Edson Fachin, julgamento em 20 e 21.9.2017, tenha se posicionado de forma diversa. Explico.

Com a nomeação concretizada de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, uma pessoa íntima do clã Bolsonaro, poderá nascer uma questão extremamente delicada para o investigado Jair Messias Bolsonaro, para a Polícia Federal, para o Procurador de Justiça e para o ministro Celso de Melo – presidente do Inquérito. Uma vez que o indicado, repita-se, possui uma umbilical ligação com a família do presidente da República, em especial com o investigado pelas “fake news” Carlos Bolsonaro.

Poderia uma pessoa íntima da família presidencial investigá-la de crimes demasiadamente sérios de forma isenta? Poderá o Diretor Geral comungar da conclusão da PF quanto as investigações do “fake news”? Com o isso de uma forma direta ou indireta estaria o presidente “Messias” intervindo em investigações da polícia judiciária, cometendo crime portanto? Acredito que até os mais bolsonaristas, aqueles que vão ao encontro da covid-19 de peito aberto, intimamente, dirão que sim: haverá interferência.

Nos últimos tempos temos visto parte da Corte Suprema atuar, freneticamente, em um ativismo judicial, assim, diante de tão grave cenário de se avizinha à democracia no Brasil, o Supremo Tribunal Federal pode sim fazer uma interpretação do seu dispositivo constitucional de forma mais extensa em prol do bem comum, consistente no afastamento imediato do do destemperado presidente que está cercado de acéfalos, colocando em risco o país.

Certa feita, no plenário do STF, o decano Celso de Mello disse que o presidente pode muito, mas não pode tudo! De fato, o presidente não pode considerar o cargo que ocupa como uma imposição divina, o que, tal como acontecia no absolutíssimo, lhe daria poderes de agir a seu bel prazer em nome de uma inspiração divina. Dessa forma, diante da descarada e decantada intervenção da direção da PF e das suas investigações, especialmente as que envolvem seus filhos e asseclas, Jair Messias Bolsonaro deve ser cautelarmente afastado do caso, para que não incorramos em uma Venezuela, do ditador Maduro.

Com efeito, é inadmissível que um presidente da República, em um discurso confuso e recheado de crimes, afirme que gostaria de ter alguém que possua com ele e sua família um contato pessoal na direção da Polícia Federal. Vale ressaltar que a PF é um órgão permanente organizado e mantido pela União, mas possuindo autonomia para agir em favor da justiça.

Termino por lembrar o Padre Antônio Vieira: “A mais doce de todas as companheiras da alma é a esperança”. Esperança que Jair Messias Bolsonaro, seja, pelo bem do Brasil, o qual vem passando por uma de suas maiores crises sanitárias – o que é constantemente desconsiderado por esse Senhor – afastado cautelarmente até o fim das investigações deflagradas a pedido do Supremo Tribunal Federal.

*Marcelo Aith é advogado especialista em Ciencias Criminais e Direito Público e professor de Pós-Graduação na Escola Paulista de Direito

*Isabela Tiosso Fontes de Monteiro é advogada e pós-graduanda pelo IBMEC na área de Processo Penal

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