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O caso Lewandowski à luz do Direito Penal

César Dario Mariano da Silva* / O ESTADO DE SP

05 Dezembro 2018 | 10h11

 

César Dario Mariano da Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO

 

No final das contas, dizer que o “O STF é uma vergonha”, é crime?

Vou fazer uma análise à luz do Direito Penal acerca do assunto.

Os crimes contra a honra estão previstos nos artigos 138 a 140 do Código Penal. São eles: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140). Os dois primeiros atingem a honra objetiva, ao passo que o terceiro a honra subjetiva.

A honra subjetiva nada mais é do que cada um pensa de si mesmo, levando-se em consideração seus atributos físicos, morais, intelectuais e outros, concernentes à pessoa humana. Já a segunda, é o que a sociedade pensa do sujeito, no que é pertinente a seus atributos físicos, morais, intelectuais e outros, correlatos.

Nos delitos contra a honra, embora não esteja expressamente previsto no tipo penal, exige-se, além do dolo, a especial finalidade de ofender a honra (objetiva ou subjetiva) alheia. Sem esse elemento subjetivo, que está implícito no tipo, o fato será atípico. Exige-se, portanto, um dolo próprio dos crimes contra a honra, que engloba, além da consciência de poder ofender a honra alheia (dolo direto ou eventual), a vontade de que isso ocorra (elemento subjetivo do tipo).

Por isso, se a intenção do agente for apenas a de corrigir, de criticar, de narrar, de defender, ou qualquer outra que não a de ofender, embora possa eventualmente fazê-lo, não haverá o delito por ausência do elemento subjetivo do tipo.

Com efeito, por esse prisma, ao exercer o livre direito de crítica, que nada mais é do que a livre manifestação do pensamento, não pode ocorrer crime contra a honra. Sobre o assunto, diz o artigo 5.º, inciso IV, da Magna Carta: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. É certo que esse direito não á absoluto e deve ser exercido de forma proporcional. Por outro lado, a pessoa pública, notadamente um Ministro do STF, deve saber que, ao ocupar esse cargo, será criticado por suas decisões e atos e, portanto, não pode, ao menor dissabor, sair por aí dando voz de prisão quando ele (ministro) ou o Tribunal forem criticados.

No caso em questão, a crítica foi dirigida ao STF, ou seja, uma pessoa jurídica, uma Instituição, que não possui honra subjetiva por não ser pessoa física, mas apenas a honra objetiva. Assim, o STF poderia, em tese, ser vítima de difamação por ter um nome a zelar (honra objetiva) e nunca de injúria (honra subjetiva), que é inerente ao ser humano. Dizer que “o STF é uma vergonha” é fato indeterminado que alcança a honra subjetiva, que só poderia dar ensejo ao crime de injúria, que não pode ser praticado contra um ente jurídico, mas apenas contra um membro dele. Como noticiado pela imprensa, a crítica foi dirigida ao STF e, por isso, não pode ter ocorrido crime por não possuir honra subjetiva.

Por esses mesmos motivos, não se configurou o crime de desacato previsto no artigo 331 do Código Penal, que é integrado pelo crime de calúnia, difamação ou injúria, que ficam por ele absorvidos. A ação típica é desacatar, que significa desprestigiar, menoscabar o funcionário público que desempenha suas atribuições legais ou em razão delas. Como já dito, a intenção do passageiro foi a de criticar o STF e não a de ofender o Ministro que se encontrava no avião. Quem, em tese, poderia ser vítima do desacato seria o Ministro e não a Instituição que representa, que não foi possui capacidade passiva para o crime de desacato.

Com efeito, por ter exercido o cidadão o livre direito de expressar seu pensamento sem a necessária intenção de ofender e por não poder o STF ser vítima do crime de injúria (honra subjetiva) e nem de desacato, o fato é atípico penalmente, ou seja, não ocorreu crime.

E, não tendo ocorrido crime, não poderia ter sido dada voz de prisão em flagrante delito ou ameaça de fazê-lo, que seriam atos arbitrários, que, em tese, poderiam configurar abuso de autoridade.

A análise foi realizada de acordo com os fatos narrados pela imprensa sem o seu conhecimento direto.

*César Dario Mariano da Silva, promotor de Justiça em São Paulo – Capital, professor universitário e autor de obras jurídicas

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