A política do Brasil para as crianças de até 3 anos é um deserto de estímulos
A exceção é a caçula, Gabriela, de 1 ano e 9 meses. “É agoniada”, diz Maria. “Antes era brava e nervosa. Agora é bagunceira.” O antes a que a mãe se refere é o tempo em que Gabriela ainda não andava nem engatinhava. Naquela fase, que durou até um ano e meio de vida, Gabi ficava entre a rede, o único sofá que ocupa a sala da família e o colo dos pais e dos irmãos mais velhos. “Era nervosa, gritava, se empertigava no colo da gente”, diz o pai.
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Depois de três filhos, Djalma e Maria achavam que sabiam alguma coisa sobre criar crianças. Por isso, quando Maria Cleomar Nunes Rodrigues, de 45 anos, conhecida por eles como a enfermeira do posto de saúde, bateu na porta da família para mostrar umas atividades criadas para crianças da idade de Gabriela, eles estranharam. Que tipo de atividade? A gente sabe cuidar de crianças pequenas, foi o que pensaram. Cleomar insistiu. Explicou que aquele era um programa de visitações criado pelo governo do Ceará para ajudar crianças que não tinham acesso à creche, como Gabriela, a se desenvolver, e que as atividades lhe fariam bem.
As primeiras visitas de Cleomar deixaram a pequena Gabriela ressabiada. Grudada no pescoço da mãe, olhava de soslaio para os brinquedos coloridos no chão da casa e para a moça sorridente que a chamava para brincar. Ao preencher o formulário de inscrição no programa, Cleomar questionou os pais sobre a saúde da pequena Gabriela. O acompanhamento feito pelo pediatra do município não mostrara nada que levantasse nenhuma suspeita sobre o desenvolvimento físico da menina. Mas, por alguma razão, Gabriela não andava.
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No curso que fez para se tornar uma agente do programa de desenvolvimento infantil, Cleomar aprendeu que o aprendizado de certas habilidades ocorrem dentro de uma janela de tempo. Os primeiros passos de uma criança, ela sabia, são dados entre 10 e 13 meses de idade. Gabriela já tinha 16 meses e não se locomovia de forma alguma, nem engatinhando.
O plano de ação de Cleomar foi conquistar a confiança de Gabriela e observar sua desenvoltura antes de encaminhá-la para o atendimento especializado. Não foi preciso ir muito longe com as visitas para que a agente percebesse que, antes de investigar se havia qualquer impedimento neurológico ou motor, ela precisava lidar com outro impedimento comum ao desenvolvimento infantil: a falta de estímulo.
Na quarta visita, Cleomar percebeu que os pais não queriam colocar a criança no chão por medo de ela se machucar. Diferentemente do barraco de chão lisinho em que a família morou por 12 anos em Brasília, a casa em que moram agora no Ceará tem chão de cimento bruto, áspero e cheio de irregularidades. “A menina vai se ralar toda”, disse o pai diante da proposta de Cleomar de deixar a criança solta.
A solução para dar a liberdade de que a criança precisava e acalmar os temores dos pais foi criar um esquema de trilha de cadeiras para colocar Gabriela em pé entre elas e estimulá-la a tentar se locomover de uma para a outra. Funcionou. Em pouco mais de um mês, Gabriela adquiriu firmeza nas pernas e equilíbrio suficiente para cambalear entre as cadeiras sem cair. Em menos de três meses estava andando sem suporte e sem a necessidade de nenhum tipo de fisioterapia ou intervenção médica. Hoje, Gabriela corre para todo canto, dentro e fora da casa, e não tem mais crises nervosas. “Só fica brava quando os irmãos mais velhos começam a brigar. Manda todo mundo ficar quieto”, diz a mãe, Maria, rindo.
Cleomar é agente de um programa-piloto no estado do Ceará que tenta tirar o atraso do Brasil numa política social vital para o desenvolvimento de qualquer país: os cuidados com crianças de 0 a 3 anos de idade, a fase conhecida como primeira infância. Pesquisas dos mais importantes centros de estudos do mundo mostram que as vivências do bebê nessa faixa etária influenciarão seu desenvolvimento ao longo de toda a vida. Mais do que isso, em nenhum outro estágio da vida investimentos produzem efeitos econômicos tão positivos quanto aqueles feitos nos primeiros três anos da criança.