Subfinanciamento da saúde
Para entender o ritmo com que tem se dado a contratação de médicos por prefeituras e estados, O GLOBO pediu às principais secretarias de Saúde das cinco regiões um balanço das nomeações dos últimos concursos. Nos estados, esse mapeamento mostrou-se mais complicado por causa da terceirização dos hospitais. Governos alegaram não ter dados das contratações pelas entidades gestoras. Para Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, o alto índice de recusa de emprego público por médicos está relacionado à demora na convocação. — A administração pública vive ainda no começo do século XX. Quem presta um concurso quer começar a trabalhar logo. Não quer esperar seis meses, um ano — diz Vecina, secretário municipal de Saúde de SP em 2003 e 2004. Na sua gestão, uma seleção para preencher 2 mil vagas teve apenas 1,2 mil inscritos: — Só 200 assumiram.
O presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), Braulio Luna Filho, atribui a uma lista maior de problemas o desinteresse da categoria.
— Não é questão de atender um ou dois itens. Se você não der condições de trabalho, salário de mercado e segurança, você não fixa o médico. Nem a terceirização da Saúde, que virou moda, conseguiu resolver isso — defendeu.
Na avaliação de Luna Filho, a origem da crise da Saúde está no financiamento da área.
— O setor público investe cerca de 2,5% do PIB para atender 160 milhões de pessoas, enquanto o privado investe 7,5% para atender 50 milhões de pessoas. Tem alguma coisa errada nisso — afirmou ele.
Uma pesquisa do Cremesp divulgada em novembro passado mostrou que a rede privada tem hoje 20 mil médicos a mais do que a pública. São 399.692 médicos no país. Desses, 27% (107 mil) atuam exclusivamente em entidades particulares; 22% (87 mil), nas unidades públicas; e 51% (203 mil), em ambas as esferas.
— Vivemos um tempo diferente. Na rede pública, não há mais perspectiva de carreira. Um médico que trabalha contratado por uma organização social ou na rede privada recebe mais que um concursado. Desprezar isso é ignorância — avalia Vecina Neto.
O Brasil tem cerca de dois médicos para cada mil habitantes. Mais da metade deles (55%) concentra-se nas capitais, onde vivem apenas 23% da população.
Em algumas capitais, a saída encontrada para reduzir o déficit foi a contratação emergencial.
— Foram mais de 20 chamadas dos aprovados, mas não conseguimos preencher as vagas. A carga horária e o deslocamento para regiões periféricas foram o que mais dificultou — disse a diretora de Atenção Básica da prefeitura de Salvador, Luciana Peixoto.
Salvador recorreu ao programa federal Mais Médicos e a contratações temporárias para cobrir o buraco. O mesmo fez BH, que optou por chamamento público para preencher 779 vagas.
Em Belém, a busca se mostra ainda mais árdua. A prefeitura abriu uma seleção em 2012 para recrutar 702 médicos, mas apenas 28 candidatos foram aprovados. “Dois recusaram por questões salariais”, informou a Secretaria de Saúde. Na capital, o déficit de médicos (433) é mais da metade do total na ativa (685). O GLOBO