Evasão no Mais Médicos é menor
Ao contrário do cenário de evasão de médicos dos sistemas públicos municipais e estaduais, o programa Mais Médicos conseguiu preencher as vagas abertas no último ano apenas com médicos brasileiros. Foi a primeira vez, desde a criação do programa, em 2013, que nenhum profissional estrangeiro foi chamado. Embora não sejam maioria entre os quadros — os cubanos ocupam mais de 11 mil postos de um total de cerca de 18 mil —, os brasileiros formados aqui ou no exterior começaram a ser atraídos por uma combinação de ações do governo federal. Além da bolsa de R$ 10 mil mensais, os recém-formados em Medicina que aderem ao programa recebem 10% de bônus nas provas de residência desde que se mantenham por um ano em seus postos. — Foi o que mais me atraiu para o programa. No ano passado, eu tive uma pontuação boa. Se tivesse contado com o bônus, teria passado — diz o médico Rafael Soares, que atua há quase um ano no Capão Redondo, em São Paulo.
Segundo Soares, a resistência dos brasileiros diminuiu conforme o governo aprofundou diálogos com entidades de classe:
— No começo, o programa não deu espaço para os brasileiros, não quis ouvir o nosso medo de trazer médicos sem revalidar o diploma, sem conhecimento das condições brasileiras. Com o tempo, isso melhorou, e a gente passou a se interessar.
Em 2013, entidades como a Associação Médica Brasileira (AMB), a Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Federação Nacional dos Médicos (FNM) fizeram críticas ao programa e avaliaram como “irresponsáveis” a vinda de médicos estrangeiros sem aprovação no Revalida, exame de revalidação de diploma. As entidades também fizeram críticas ao aumento do número de vagas em escolas médicas “sem qualidade”. Segundo elas, as medidas anunciadas não observavam “a cautela imprescindível ao exercício da boa medicina”.
O programa oferece algumas vantagens para os profissionais de saúde. O regime contratual do Mais Médicos prevê benefícios previdenciários, férias e 13º salário, condições incomuns para médicos contratados sem concurso público por prefeituras e governos dos estados.
— Existem muitos contratos precários, sem garantia. Se a médica fica grávida, não tem direito à licença maternidade, enquanto no Mais Médicos isso está assegurado. E há ainda o temor de que os governos locais não paguem os salários, os médicos preferem ter o governo federal como pagador — afirma Heider Pinto, secretário de Gestão do Trabalho, Educação e Saúde do Ministério da Saúde, responsável pelo programa.
Profissionais que aderem ao Mais Médicos são automaticamente inscritos em um programa de pós-graduação de Saúde da Família em alguma universidade federal brasileira. Cada médico é orientado por um professor supervisor e tem que desenvolver um projeto de atenção básica à saúde.
— Esse é um diferencial enorme porque eu não estou só trabalhando, estou melhorando meu currículo. Há falta de planejamento da carreira no serviço público, você se sente estagnado, fica para trás — diz Soares, que tem desenvolvido uma pesquisa de estratégia de atendimento para os quatro mil pacientes que monitora na periferia paulistana.
De acordo com o Ministério da Saúde, o programa possui baixa evasão (apenas 4,7%). O índice é ajudado pela presença dos profissionais cubanos, que são empregados pelo governo daquele país e raramente desistem de seus postos de trabalho. A taxa de desistência entre os brasileiros no programa é de 13%, inferior aos 20% de evasão da rede pública no setor de atenção básica.
— O trabalho é gratificante porque me dá condições de acompanhar os pacientes e de me antecipar a problemas que poderiam levá-los à UTI, mas que acabam tendo um tratamento simples — afirma Soares, que, toda sexta-feira, visita pacientes em casa, checa a pressão, mede a glicemia e instrui sobre remédios.
O mecânico aposentado Jesus Pereira, de 65 anos, gosta da atenção que recebe:
— A saúde ainda tem problemas, o exame demora a ser feito, mas é interessante ter um médico que acompanhe o seu caso, olhe para você, venha em casa.
A satisfação com o programa é alta entre os médicos. Em uma pesquisa feita pela UFMG com 391 médicos nas cinco regiões do país, 93% se disseram satisfeitos e 91% afirmaram que indicariam a vaga a um amigo.
O desafio atual é manter os profissionais brasileiros por mais de um ano. Dois terços dos brasileiros que ingressaram em 2015 assinaram contrato de apenas 12 meses, tempo curto para uma política pública que objetiva a prevenção e o acompanhamento familiar pelo médico. Procurado, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, crítico do programa, não respondeu. O GLOBO