Rombo no cofre de municípios chega a R$ 69 bilhões, aponta levantamento
Número de prefeituras com as contas no vermelho A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) pesquisou a situação de 3.155 das 5.569 cidades brasileiras e encontrou déficit em 2.443 delas (77,4%).
Veja o número por estado:
SÃO PAULO — As previsões alertaram que 2016 seria um ano de dinheiro curto nas prefeituras por causa da crise econômica. Mesmo assim, muitos prefeitos retardaram o quanto puderam a arrumação das finanças públicas e, agora, com o fim das eleições, uma série de intervenções financeiras começam a pipocar no país. Prefeituras estão tendo suas contas bancárias bloqueadas para que, ao menos, o pagamento de salários atrasados seja garantido. Há servidores que estão sem receber há três meses, escolas funcionando em meio período por falta de merenda, unidades de saúde fechadas por greve do pessoal da limpeza e até coleta de lixo suspensa.
O cenário desolador está longe de ser algo pontual. Um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) feito após o primeiro turno das eleições com 3.155 prefeituras apontou que 77% delas estão no vermelho. O rombo chega a R$ 69 bilhões, o equivalente a mais de duas vezes o orçamento da prefeitura do Rio.
Com o pagamento do 13º salário batendo à porta, a tendência é que o quadro se agrave. Não existe uma estatística do número de prefeituras com as contas bloqueadas. Mas autoridades de Tribunais de Contas e Ministério Público afirmam que os bloqueios se intensificaram com o fim da eleição. Muitas denúncias chegaram a esses órgãos por prefeitos eleitos preocupados com o tamanho do buraco financeiro que receberão.
— É histórico no Brasil a dilapidação do patrimônio público pelo gestor derrotado na eleição. Veículos são entregues sem motor e móveis, equipamentos e recursos somem da prefeitura. Mas, esse ano, a situação é mais grave. O atraso de pagamento de servidores e fornecedores virou quase uma regra, e o bloqueio das contas é o instrumento que temos para reduzir esse dano — disse o conselheiro do Tribunal de Contas do Piauí Jaylson Campelo.
O TCE piauiense bloqueou somente nos últimos dez dias as contas de 14 prefeituras. Uma delas é Piripiri, um dos cinco maiores municípios do estado, onde há funcionários sem receber salário desde agosto. Apesar disso, a atual gestão estava realizando concurso público para contratação de mais servidores, mesmo estando a prefeitura acima do limite permitido por lei para gasto com pessoal.
O GLOBO encontrou histórias semelhantes em pelo menos outros quatro estados (Pernambuco, Alagoas, Natal e Ceará). Elas atingem prefeituras de diversos tamanhos, da pequena Paramoti (CE), de apenas 12 mil habitantes, à capital Natal (RN). No último dia 1º, esta prefeitura teve R$ 2 milhões bloqueados pela Justiça para quitação de uma dívida em favor de um hospital que cobra o pagamento por cirurgias, exames e consultas.
Em Paramoti, no sertão cearense, há servidores sem receber desde setembro. O sindicato dos funcionários denunciou a situação à Promotoria, que conseguiu, no dia 20 de outubro, o bloqueio das contas. Desde então, todos os recursos repassados pelo governo federal estão sendo transferidos para uma conta judicial. Mas a medida está longe de resolver o quadro de penúria, porque a dívida acumulada é superior ao dinheiro disponível em caixa. A presidente do sindicato, Emanuela Mesquita, diz que apenas os atrasados dos profissionais da Educação somam R$ 627 mil.
SEM RECURSOS PARA MERENDA E COLETA DE LIXO
Na prática, com o bloqueio de contas, o prefeito em final de mandato fica impedido de movimentar as finanças da cidade. Qualquer pagamento precisa ser autorizado pelo tribunal.
O atraso de salário não é o único efeito colateral da crise fiscal dos municípios. Em casos mais graves, serviços de educação, saúde e limpeza pública estão sendo afetados. Em Paramoti, escolas estão operando em meio período por falta de merenda, e a coleta de lixo foi suspensa porque a empresa contratada não recebeu.
— O poder de pagamento agora está com o juiz. Vamos ver o que será possível fazer, mas é provável que não dê para pagar todos até o fim do ano. O prefeito não se candidatou à reeleição e agora está se vingando — diz Emanuela.
Falta de pagamento a terceirizados também interrompeu na semana passada a coleta de lixo em Aracaju (SE). A prefeitura diz que não há prazo para a normalização do serviço. O Ministério Público de Contas de Sergipe pediu o bloqueio das contas da administração, mas o caso espera julgamento do TCE. O salário de setembro dos servidores foi pago com um mês de atraso, e os funcionários da Saúde e Educação deram prazo até a próxima semana para o pagamento de outubro. Caso contrário, ameaçam cruzar os braços.
— Temos escolas sem funcionar porque não têm merendeira nem limpeza, pois a prefeitura não pagou. Não entendemos como as contas da educação estão esse caos se os repasses do governo federal estão em dia — questiona o presidente do Sindicato da Educação de Aracaju, Adelmo Meneses.
Desde a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000, há regras sobre o que é permitido e proibido a um gestor público no apagar das luzes do mandato. Ele não pode assumir despesas a partir de maio do último ano de governo sem deixar dinheiro em caixa para o sucessor, nem aumentar despesa com pessoal nos seis meses anteriores ao fim da gestão. Multa, ressarcimento aos cofres públicos e até a inelegibilidade do político são as punições que podem sofrer quem descumpri-las.
— Tenho dito que não apostem na impunidade porque vão perder. Estamos vivendo tempos alvissareiros no combate à má gestão de recursos públicos — disse Campelo.
Para ajudar nas transições de governo em ano de crise, o Instituto Paulista de Gestão Municipal (IPGM) reunirá prefeitos paulistas na próxima semana para um curso de finanças públicas.
— Houve queda de arrecadação grande, e muitos prefeitos não se prepararam ao longo do mandato para fechar as contas em dia. Acredito que dois terços das prefeituras de São Paulo vão ter problemas com as contas este ano — avaliou o presidente da entidade, Marcelo Palavéri.
A prefeitura de Aracaju informou esta semana que reconhece que a administração municipal possui débito com as empresas de coleta de lixo e garantiu que está se esforçando para quitar a dívida. O governo culpa a crise econômica no país pelo caos financeiro municipal.
A prefeitura de Natal comunicou que enviaria uma nota para comentar o bloqueio de contas, mas não encaminhou. A reportagem tentou contato com as demais prefeituras citadas, mas não localizou os responsáveis.