Projeto de busca ativa leva 25 mil crianças de volta às escolas no CE, mas 37 mil ainda estão fora
Falta de transporte, de estrutura, de interesse, violência no território, gravidez. É extensa a lista de motivos que mantêm cerca de 37 mil crianças e adolescentes fora da escola no Ceará. Na contramão, o projeto Busca Ativa Escolar (BAE) conseguiu levar quase 25 mil meninos e meninas cearenses de volta aos estudos, entre 2017 e 2025.
A estratégia foi desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com o intuito de auxiliar estados e municípios no combate à evasão e à exclusão escolar. Nesta segunda-feira (28), as instituições publicaram uma análise inédita sobre a exclusão escolar, o perfil das crianças e adolescentes fora da escola e as informações sobre a Busca Ativa Escolar.
No total, ao longo dos quase nove anos, 24.879 crianças e adolescentes do Ceará que estavam fora da escola ou em risco de evasão foram identificados e retornaram às salas de aula, de acordo com o Unicef. Foi o 4º melhor resultado do País, atrás apenas de Pará (38.891), Bahia (34.638) e Maranhão (33.784). Em todo o Brasil, foram mais de 300 mil alunos.
Os números se referem à quantidade de rematrículas registradas pelos estados e municípios na Plataforma da Busca Ativa Escolar. Também são mapeados os principais motivos pelos quais os cearenses de 4 a 17 anos de idade não estão estudando, mesmo sendo a faixa etária escolar obrigatória.
A principal justificativa identificada foi a evasão do aluno por desinteresse pelos estudos: quase 9 mil cearenses deixaram as salas de aula por isso. A segunda razão mais frequente foi a mudança de domicílio, viagem ou deslocamentos frequentes, seguida pelo desinteresse na escola em si.
Além desses, motivos como doenças e deficiências, falta de infraestrutura escolar, trabalho infantil, gravidez na adolescência, discriminação e múltiplos tipos de violência (escolar, familiar, sexual e territorial) também levam estudantes para longe das salas de aula.
A Busca Ativa Escolar foi criada com apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) para apoiar estados e municípios a enfrentarem a exclusão escolar, por meio da identificação e do acompanhamento de estudantes fora da escola ou em risco de evasão.
A estratégia reúne representantes de diferentes áreas — como educação, saúde, assistência social e planejamento. Os profissionais atuam em frentes diversas, desde a identificação desses estudantes até a adoção das medidas necessárias para que eles sejam atendidos nos diversos serviços públicos, façam a rematrícula e permaneçam na escola.
Além dessa articulação, a estratégia conta com uma plataforma que facilita a comunicação entre as áreas e armazena informações importantes sobre os casos acompanhados.
“A exclusão escolar é um desafio multifatorial, e a resposta a ela também precisa ser. Com a Busca Ativa Escolar, gestores e equipes têm acesso a dados e conseguem promover uma atuação intersetorial, saber quem são essas crianças e adolescentes, por que estão infrequentes ou fora da escola e, a partir disso, agir”, explica a chefe de Educação do Unicef no Brasil, Mônica Dias Pinto.
Para implementar a Busca Ativa Escolar, o município e o estado precisam fazer a adesão ao projeto. Como ela segue o ciclo das gestões públicas, é preciso que as administrações estaduais e municipais façam a repactuação a cada novo pleito.
“A estratégia vem se consolidando como uma ferramenta fundamental para garantir o direito à educação e enfrentar o abandono e a exclusão escolar em todo o País”, afirma Mônica Dias Pinto, ao destacar que a iniciativa conta com a adesão de mais de 2 mil municípios e 21 estados.
Pobres e negros fora da escola
A busca ativa é uma das ferramentas fundamentais para reduzir o número de crianças e adolescentes distantes dos estudos. No Ceará, 37.213 meninos e meninas não frequentavam a escola no ano passado, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) de 2024.
As desigualdades de gênero, renda, raça e território são evidentes no cenário: cerca de 6 em cada 10 alunos fora da escola no Ceará são meninos, e 74% das crianças e adolescentes que estavam sem estudar eram pretos, pardos ou indígenas (um universo de 27.488 pessoas).
Quando observada a renda das famílias, dos 37 mil que não frequentavam as salas de aula, mais de 20 mil (ou 54% do total) estavam entre os 20% moradores mais pobres do Ceará. O restante (16.574) tinha renda intermediária, e somente 422 constavam entre os 20% mais ricos.
A chefe de Educação do Unicef no Brasil aponta que, por trás desses números está a “naturalização” da exclusão escolar, que “acaba por excluir sempre os estudantes em situação de maior vulnerabilidade, que já sofrem outras violações de direitos dentro e fora da escola”.
Os meninos, por exemplo, tendem a se afastar da sala de aula por motivos como trabalho precoce, reprovações acumuladas ou falta de vínculo com a aprendizagem. “Entre meninas, há situações específicas, como a gravidez na adolescência e responsabilidades familiares”, complementa.
Para meninos e meninas, ela acrescenta que o racismo é um fator que contribui de forma significativa para a evasão escolar. “Esses dados reforçam a importância de políticas públicas com abordagem sensível a gênero e território, capazes de responder às diferentes causas da exclusão”, destaca.
Acesso a creches
A matrícula de bebês e crianças de 0 a 3 anos em creches não é obrigatória, mas, como reforça o Unicef, “é um direito garantido por lei e fundamental para o desenvolvimento integral”. No Ceará, de acordo com a Pnad, 280.849 pequenos desta faixa etária não frequentavam creches.
O número corresponde a 61% do total de cearenses na primeiríssima infância. Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) era garantir que, até 2024, pelo menos 50% das crianças na idade de creche estivessem matriculadas.
Mais uma vez, a desigualdade se reflete no menor acesso à creche entre crianças de famílias de baixa renda. No Ceará, 150 mil (54%) desses pequenos vivem entre as 20% famílias mais pobres do Estado.
Em Fortaleza, por exemplo, o desafio de garantir vagas a todos os que precisam se expressa em uma fila: cerca de 10 mil bebês e crianças aguardam por uma vaga na Cidade, como informou o próprio prefeito, Evandro Leitão (PT).
O gestor ainda falou sobre novos equipamentos para a Capital, durante o evento “Mais Educação Superior no Ceará”, quando foi assinada a ordem de serviço da segunda etapa do novo campus do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o terreno do Acquario foi cedido definitivamente para o Campus Iracema da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Ao todo, segundo o prefeito, Fortaleza receberá 22 Centros de Educação Infantil (CEI) nos próximos meses, 10 do Governo do Estado e 12 do Ministério da Educação (MEC). Em nota, a Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que três deles serão inaugurados em agosto, com 355 vagas:
- CEI Jangurussu: 115 alunos;
- CEI Parangaba: 159 alunos;
- CEI Conjunto Ceará: 81 alunos.
Outros CEIs serão abertos em setembro, segundo a Pasta, mas datas e quantidade de vagas ainda estão sendo definidas.
Na última quinta-feira (24), o Governo Federal anunciou o resultado do Novo PAC Seleções da Educação, com propostas que contemplam a construção de novas creches e escolas de educação infantil adequadas para atendimento em tempo integral, além da compra de novos ônibus escolares. No Ceará, ao todo, 121 municípios serão contemplados.
Ao todo, no Ceará, foram selecionadas 130 propostas: 100 delas para aquisição de novos veículos do Programa Caminho da Escola e 30 para obras de unidades escolares. Desse total, 10 creches serão destinadas para Fortaleza.
Impacto do Busca Ativa Escolar
Além da análise dos dados, o Unicef e a Undime divulgaram, nesta segunda-feira (28), uma avaliação da Busca Ativa Escolar. Para isso, o estudo ouviu gestores públicos e identificou boas práticas, comparou os casos de abandono e exclusão escolar com os dados oficiais e avaliou o impacto da estratégia na vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Entre os municípios participantes:
- 70,8% reconhecem que a estratégia contribui para identificar situações de vulnerabilidade;
- 68,5% afirmam que ela proporcionou mais agilidade no enfrentamento das causas da exclusão escolar;
- 67% apontam mais assertividade nas ações de busca ativa
- 58,1% relatam avanços na identificação de casos de violência.
Já no âmbito estadual:
- Para 72,5% dos participantes, a Busca Ativa Escolar ajudou a direcionar o foco para o enfrentamento das causas da exclusão escolar;
- 66,5% reconhecem sua contribuição para identificar situações de vulnerabilidade;
- 62% apontam maior assertividade nas ações;
- 49% observam avanços na identificação de situações de violência envolvendo crianças e adolescentes.
Para Alessio Costa Lima, presidente da Undime e dirigente municipal de Educação de Ibaretama, cidade do Sertão de Quixeramobim, a Busca Ativa Escolar tem se consolidado como “uma estratégia intersetorial essencial ao articular as áreas de educação, saúde e assistência social”.
“A iniciativa contribui tanto para o retorno de quem abandonou os estudos quanto para a inclusão de quem nunca teve acesso à escola”, avalia ele, sobre a ferramenta que considera estratégica.
O que dizem os gestores
O Diário do Nordeste procurou a Secretaria da Educação (Seduc) do Ceará e a Secretaria Municipal da Educação (SME) de Fortaleza para entender como as Pastas acompanham os casos de evasão escolar e quais as ações são realizadas para a busca ativa desses jovens.
Em nota, a Secretaria apontou que a rede pública estadual reduziu a taxa de abandono escolar de 11% em 2012 para 1,7% em 2023. Os dados são do Censo Escolar 2023, os mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
A Pasta informou que desenvolve diversas ações para “garantir uma educação básica com equidade e foco no sucesso dos estudantes do Ensino Médio”. Entre elas uma equipe de superintendentes, tanto na sede da Secretaria como nas regionais, que acompanham e monitoram a frequência e o rendimento da rede.
Além disso, há o Projeto Professor Diretor de Turma, que mantém um educador da unidade de ensino como diretor de uma turma para acompanhar o desempenho escolar dos alunos até o fim da escolarização.
“Os Coordenadores Escolares também realizam estratégias para acompanhar, em sala de aula, a dinâmica dos estudos, frequência e aprendizagem”, complementa.
Outra iniciativa da Secretaria é o Projeto Nem 1 Aluno Fora da Escola, que busca reinserir, acompanhar e oferecer atendimento qualificado, mediante Busca Ativa Escolar, aos estudantes que deixaram a escola ou com perfil de infrequência e de abandono.
Também em nota, a Secretaria da Educação de Fortaleza informou que a taxa de abandono escolar de 0,2% na rede municipal, apontada pelo Censo Escolar 2024, é resultado de um conjunto de ações estratégicas. Uma delas foi a criação de uma ferramenta, dentro do Sistema de Gestão Educacional (SGE), para o acompanhamento da frequência escolar com atualização em tempo real.
“Essa ação integra a política pública de Busca Ativa, que estabelece normas e diretrizes para o monitoramento e o fortalecimento de vínculos entre os estudantes e a escola”, afirma a Pasta.
Por meio da ferramenta, o fluxo estabelecido para a efetivação da busca ativa é registrado a partir do primeiro dia de ausência injustificada.
A partir disso, a gestão realiza as seguintes medidas:
- Comunicação com a família, via telefone, ou com o próprio estudante, caso tenha alcançado a capacidade civil;
- Envio de comunicado escrito;
- Visita domiciliar;
- Por último, esgotados os meios de busca do estudante pela unidade de ensino, um ofício é enviado ao Conselho Tutelar.
A nota também destaca a atuação em conjunto entre as secretarias municipais da Educação, Saúde (SMS) e dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Social (SDHDS), além da Seduc.
O objetivo é assegurar, de forma permanente, a busca ativa de crianças e jovens fora da escola nas redes Municipal e Estadual em Fortaleza, além de promover encaminhamentos e atendimentos pertinentes a cada instituição, com o acompanhamento do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).
“Além da busca ativa, a gestão municipal também investe em outras estratégias que reforçam o aprendizado dos alunos e a permanência, a exemplo dos Programas de Fortalecimento da Aprendizagem, que atuam no âmbito da ampliação da jornada escolar, atendendo alunos do 1° ao 9º ano, promovendo a educação integral e integrada, articulando a educação formal com vivências artísticas, esportivas e sociais”, finaliza.