Lula quer tirar dinheiro de ministério do MDB para inflar órgãos dados ao centrão
O governo Lula (PT) quer retirar dinheiro do Ministério das Cidades, ocupado pelo MDB, e inflar o orçamento de órgãos comandados pelo centrão.
A proposta é transferir mais R$ 602 milhões para a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), que foram loteados para o grupo liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O Ministério das Cidades entrou na mira do centrão por críticas de demora na liberação de recursos usados por parlamentares para irrigar suas bases eleitorais e obter ganho político com projetos e obras públicas.
O cargo do ministro Jader Filho (Cidades) não foi colocado na mesa de negociação para a dança de cadeiras da Esplanada para que o PP e o Republicanos entrem no primeiro escalão do governo Lula.
No entanto, o centrão tem cobrado mais celeridade na distribuição de emendas. A desidratação da pasta de Cidades surgiu como uma solução para dar mais verba a dois órgãos com engrenagem azeitada para atender aos pedidos de parlamentares.
O pedido de remanejamento partiu de integrantes da Câmara dos Deputados e foi acolhido pelo governo. A proposta foi enviada em despacho da Presidência no dia 2 de agosto.
Segundo lideranças do governo, a pasta das Cidades ainda tem dificuldade para executar emendas pois conta com uma equipe insuficiente. Ela foi criada no começo do governo com o desmembramento do Ministério do Desenvolvimento Regional, movimento que também retirou recursos da Codevasf.
Para interlocutores do centrão, o dinheiro deveria ter ficado na companhia desde o início do mandato de Lula. A pasta está sob guarda-chuva do ministério comandado por Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional), indicado pela União Brasil.
A Codevasf cresceu no governo de Jair Bolsonaro (PL), com recursos de emendas parlamentares depois do aumento do loteamento de cargos no órgão. Essa prática tem sido mantida por Lula como forma de conseguir governabilidade.
A presidência do órgão, por exemplo, continuou com Marcelo Andrade Moreira Pinto –indicado pelo deputado Elmar Nascimento (BA), líder da União Brasil na Câmara e um dos mais próximos de Lira.
No ano passado, a Folha revelou indícios de fraudes na estatal, que foi alvo de operação da Polícia Federal. Em março, o governo Lula assinou contratos herdados de Bolsonaro envolvendo empreiteiras e condutas suspeitas de cartel em obras de pavimentação. A Codevasf nega irregularidades e diz colaborar com órgãos de fiscalização e controle.
A verba a ser perdida pelo Ministério das Cidades é justamente na área de qualificação viária, ou seja, responsável por pavimentação. Essa não era uma tarefa comumente executada pela Codevasf. A estatal ganhou força nesse setor principalmente no governo passado, quando foi tomada pelo centrão.
A Codevasf informou que já "tem realizado levantamento de necessidades, para emprego eficiente dos recursos em caso de aprovação do [projeto de] remanejamento". A proposta do governo, se aprovada, cria dentro do orçamento da estatal uma nova rubrica com foco em pavimentação.
No caso do Dnocs, as negociações políticas do centrão mantiveram Fernando Marcondes de Araújo Leão na diretoria-geral. Ele foi nomeado na gestão Bolsonaro e foi indicado pelo deputado Luis Tibé (Avante-MG), que é um dos mais próximos de Lira.
A principal linha de atuação do Dnocs é a construção de poços, que também tem histórico de suspeita de irregularidades.
A movimentação financeira para dar mais recursos às estatais do centrão foi apresentada ao Congresso Nacional, que ainda precisa aprovar o projeto.
O texto foi enviado pela Presidência da República, mas teve o aval também do ministro Rui Costa (Casa Civil).
O dinheiro a ser perdido por Jader Filho faz parte da verba das antigas emendas de relator, principal moeda de troca com o Congresso na gestão Bolsonaro e que foi derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no fim do ano passado.
Na época, Lula e articuladores políticos entraram em campo e negociaram com a cúpula do Congresso uma divisão da verba dessas emendas extintas. Uma parte continuou nas mãos dos parlamentares.
O presidente Lula, então, herdou cerca de R$ 9,9 bilhões, que foram colocados no caixa de ministérios, mas, como vem mostrando a Folha, têm sido usados para atender a pedidos de parlamentares e destinados a bases eleitorais sem transparência e sem critérios técnicos.
O centrão, portanto, também tenta manter o controle sobre essa fatia das antigas emendas.
A pasta de Cidades ficou com R$ 2,5 bilhões. Até hoje, liberou somente R$ 147 milhões.
Procurado, o Ministério das Cidades disse que foi informado pelo Planalto sobre a perda de recursos e disse que "a orientação para retirada dos recursos foi realizada pela Secretaria de Relações Institucionais (SRI)", comandada por Alexandre Padilha, responsável pela gestão de emendas parlamentares. Ou seja, isso revela que a verba herdada por Lula ainda funciona como uma emenda, apesar de não ter esse carimbo oficial.
O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regionais (que cuida dos órgãos do centrão) não respondeu sobre o assunto. A Casa Civil disse que o texto é assinado pelo Planejamento.
O Ministério do Planejamento, de Simone Tebet, que é do MDB, disse que a proposta de remanejamento foi encaminhada pelas pastas. Porém, não respondeu qual foi o critério e justificativa para a transferência do dinheiro.
A proposta do governo é acrescentar R$ 422 milhões ao orçamento da Codevasf, e enviar outros R$ 180 milhões ao Dnocs.
A companhia tem R$ 1,87 bilhão disponíveis, enquanto o orçamento atual do Dnocs é de R$ 936,5 milhões.