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Marco fiscal depende de Lula e do Congresso

Depois de meses de incerteza, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu enfim aval às novas regras fiscais propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A proposta não chegou oficialmente ao Congresso, portanto será preciso esperar para analisá-la em detalhes. Desde já, porém, é possível levantar dúvidas.

 

A primeira conclusão é positiva. O governo — e Lula pessoalmente — se compromete a zerar o déficit primário já em 2024 e a obter superávits ao redor de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. Para um país que em 2022, depois de oito anos no vermelho, só fechou as contas no azul em razão de manobras contábeis e que tem estourado todos os limites a gastos, a meta é bem-vinda. Também é uma meta agressiva, correspondente a um ajuste fiscal de 2 a 3 pontos percentuais do PIB. Levando em conta o que Lula tem dito sobre economia nos últimos tempos, seu compromisso em fechar o governo com as contas no azul merece aplauso.

 

E justamente aí começam as dúvidas. O método proposto por Haddad para alcançar a meta não está suficientemente claro, mas dá margem a ceticismo. O governo propõe um crescimento real das despesas (acima da inflação) entre 0,6% e 2,5% ao ano, limitado a 70% da variação da receita primária do ano anterior. Será possível gastar mais se houver mais arrecadação — e os investimentos públicos serão privilegiados —, do contrário será preciso cortar.

 

Caso os cortes sejam insuficientes para cumprir a meta (com tolerância de 0,25 ponto percentual), a penalidade será aumentar a despesa só até 50% da arrecadação no ano seguinte. Pela simulação do governo, as novas regras estabilizariam a dívida pública em torno de 75% do PIB ao final de 2026 — patamar alto na comparação com países similares ao Brasil.

 

Atrelar o gasto à receita cria uma situação indesejada. Depois de anos bons, com a arrecadação em alta, se gastará mais; depois de anos ruins, quando as demandas sociais são maiores, se gastará menos — situação que os economistas chamam de “pró-cíclica”. Mesmo defensores contumazes do aumento de gastos públicos defendem o contrário: aproveitar a bonança para reduzir o endividamento, de modo a poder contrair nova dívida quando necessário. Apesar de o governo dizer que a proposta contém um componente “anticíclico”, ela sempre aumenta o gasto quando PIB e arrecadação aumentam, ainda que ele suba menos. E o gasto sempre cresce — no mínimo 0,6% ao ano. Cortes só são impostos respeitando esse crescimento mínimo, mesmo assim apenas se a queda na arrecadação comprometer a meta de resultado primário — justamente nos momentos em que mais gastos sociais poderiam ser necessários.

 

Haddad afirmou que não está no horizonte do governo aumentar a carga tributária, mas parece evidente que a regra embute um incentivo implícito ao aumento da arrecadação como forma de ampliar o espaço para novos gastos. Pressões políticas não desaparecerão, apenas mudarão de natureza.

 

A proposta do governo é pior que o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Claro que é melhor que o Congresso continuar a votar exceções ao teto para gastar de modo desenfreado. Se houver consenso político, há chance de o país retomar a responsabilidade fiscal e o crescimento sustentado. Para isso, o compromisso de Lula e o empenho do Parlamento são fundamentais.

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