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Falta compromisso de seriedade fiscal

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

05 de novembro de 2022 | 03h00

Para cumprir promessas de campanha, como o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva planeja romper o teto de gastos em seu primeiro ano de governo. Uma equipe do líder petista negocia no Congresso uma forma legal de violar esse limite, repetindo uma façanha inscrita no currículo do presidente Jair Bolsonaro. O estouro fiscal de 2023 está estimado entre R$ 160 bilhões e R$ 200 bilhões, cifra defendida por alguns membros da cúpula petista. Para autorizar a despesa fora dos padrões, congressistas terão de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), já rotulada como PEC da Transição. Pela regra do teto, o aumento do gasto orçamentário deve corresponder, no máximo, à inflação do período anterior. O objetivo formal dessa norma, instituída em 2016, é disciplinar a expansão real do dispêndio, favorecendo a previsibilidade fiscal e facilitando o controle da dívida pública.

Atropelada pelo atual presidente, essa norma já foi apontada como indesejável por seu competidor recém-eleito. Pode-se defender alguma regra mais funcional que o teto de gastos, mas o futuro chefe de governo tem evitado essa discussão. A menos de dois meses da posse, ele deve essa explicação ao mercado, aos analistas econômicos e, mais amplamente, aos cidadãos de todas as colorações políticas, pagadores de tributos e credores das atenções do poder público.

Finanças públicas sustentáveis são muito mais que um detalhe contábil. Dão previsibilidade aos negócios, facilitam o controle da inflação, favorecem juros baixos e deixam espaço para gastos especiais em momentos de crise. O presidente eleito e figuras importantes de sua equipe sabem disso, mas o futuro governo deveria afirmar claramente e explicitar seu compromisso com a responsabilidade fiscal.

Falta clareza na discussão do projeto orçamentário de 2023, ainda em tramitação no Congresso. Elaborado pela atual equipe econômica e subordinado aos interesses eleitorais do atual presidente, esse projeto, já se sabe, é muito ruim. Seria preciso, em primeiro lugar, rever e sanear esse documento, tanto quanto possível, e buscar espaço para acomodar os gastos indispensáveis. Só em seguida se deveria cuidar do rompimento do teto. Mas a negociação desse ponto já começou, e muito mal.

O Centrão já listou condições para apoiar a PEC da Transição. Uma exigência seria a manutenção do orçamento secreto, um esquema abusivo e inconstitucional revelado pelo Estadão. Aceitar essa imposição será um mau começo para a equipe do presidente eleito. O orçamento secreto é uma negação indisfarçável da transparência no uso de recursos públicos. Não são admissíveis emendas sem uma clara indicação da autoria e da destinação da despesa. Segundo o artigo 37 da Constituição, a publicidade é um princípio incontornável da administração pública, assim como a legalidade, a impessoalidade e a moralidade.

Pode-se argumentar a favor de várias despesas defendidas pelo presidente eleito, como aquelas destinadas a formar uma rede de proteção social. É o caso do Bolsa Família, substituído muito imperfeitamente pelo Auxílio Brasil no mandato do atual presidente. Se for restabelecido, como indicou o presidente eleito, o programa Bolsa Família deverá provavelmente envolver suas condições originais, como a exigência de escolarização das crianças e a obrigação de vaciná-las. Esse tipo de apoio vai muito além da transferência de dinheiro e tem efeitos mais amplos. Mas é preciso, para manter linhas de ação permanentes, cuidar de sua acomodação permanente no Orçamento.

Essa acomodação é indispensável, também, quando se estabelecem compromissos duradouros de valorização do salário mínimo e de atualização da tabela do Imposto de Renda. Ao incluir essas ações em seu programa, um presidente deve estar preparado para sustentá-las por meio de uma nova configuração orçamentária. Isso requer um planejamento mais complexo do que aquele apresentado, até agora, pelo presidente eleito. Ele tem menos de dois meses, até seu início de mandato, para tornar mais claro seu plano de voo.

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