Governo Lula não deve ter uma nova licença para gastar
Por Editorial / O GLOBO
Ainda candidato, Luiz Inácio Lula da Silva fez inúmeras promessas: manter o Auxílio Brasil em R$ 600 e dar um benefício adicional de R$ 150 por criança; reajustar o salário mínimo acima da inflação; corrigir a tabela do Imposto de Renda isentando quem ganha até R$ 5 mil; reajustar o salário do funcionalismo; zerar a fila de atendimento no SUS e por aí afora. Numa campanha em que o debate foi sufocado pela guerra suja, conseguiu se esquivar de explicar de onde tiraria o dinheiro para tudo. Uma vez eleito, não dá para se esquivar da realidade.
As cifras sobre os gastos prometidos que não cabem no Orçamento são colossais. O relator da peça orçamentária, senador Marcelo Castro (MDB-PI), vinha articulando a aprovação de gastos adicionais de R$ 100 bilhões antes da eleição. Agora, há quem fale em R$ 175 bilhões, outros já querem R$ 200 bilhões. Depois de reunião ontem com o coordenador da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, parece ter ficado acertada uma autorização emergencial para gastar no início do governo além dos limites fiscais ou, no jargão do mercado, um waiver.
É legítimo que se tente acomodar no Orçamento de 2023 parte dos gastos prometidos. Mas Lula precisa lembrar que a eleição não significou uma licença para gastar sem limites. Só a manutenção do Auxílio Brasil custa R$ 52 bilhões. Levando em conta a gravidade da crise social, é uma despesa que faz sentido. Qualquer waiver, contudo, precisa ser emergencial. É inaceitável uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que exclua definitivamente tal gasto do teto. A situação fiscal não muda magicamente ao chamar uma despesa de investimento social.
A discussão sobre outras promessas deveria ficar para o ano que vem. O aumento das despesas exige contrapartida em arrecadação de impostos. Nenhum candidato fez campanha falando em aumentar a carga tributária, e o Congresso tem driblado o tema. Em vez disso, aprofundou a crise fiscal com PECs que furaram o teto de gastos e adiaram pagamentos, fingindo que o problema não existe. No ano que vem, se quer mesmo acabar com o teto, Lula tem de discutir com os congressistas como cumprir suas promessas de campanha mediante um novo mecanismo de restrição às despesas públicas e manutenção da saúde fiscal.
Para o economista Fabio Giambiagi, da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e colunista do GLOBO, tal debate deve ser feito com base na realidade e sem pressa — o contrário do que aconteceu com as PECs dos Precatórios e a Eleitoral, que minaram a credibilidade do arcabouço de controle fiscal. Não custa lembrar que o desemprego caiu a 8,5%, a inflação continua acima da meta, e os juros terão de ficar altos por um bom tempo para segurá-la. Mais uma onda de expansão fiscal só contribuirá para manter o aquecimento e a pressão sobre os preços.
O mais importante — agora e sempre — é evitar a armadilha de gastar de forma desenfreada. Já vimos isso várias vezes no passado. O que é teto vira piso e, com isso, a dívida sobe como proporção do tamanho da economia. Em seguida, acontece o óbvio: os investidores põem em dúvida a capacidade de o país honrar seus compromissos; o governo se vê obrigado a elevar ainda mais os juros, reduzindo os recursos disponíveis para investimentos — inclusive os sociais —; e o país segue no atoleiro. Esse caminho já aprendemos que não leva a lugar nenhum.