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Com traçado de 1.000 quilômetros prontos, a Fiol vai passar a escoar a produção da fronteira agrícola mais promissora do País

Fiol, a revolução a caminho do Matopiba

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, visitava sua filha nos Estados Unidos, durante as férias no ano passado, quando chamou o genro de canto e pediu que ele marcasse um encontro com fazendeiros locais. Queria ouvir o que a turma do Mississipi pensava sobre o Brasil.

Marcaram um almoço. Depois da comida, sem saber do cargo que Tereza ocupa no Brasil, um dos produtores deu seu veredicto à fazendeira brasileira. “Vocês já têm tecnologia, semente, clima, luz, fazem duas safras por ano. Só que vocês não têm uma coisa que eu tenho”, disse o produtor, que bateu no peito e sacramentou: “Hoje eu encho meu caminhão com a colhedeira, sento no banco dele às nove da manhã e vou até ali, no porto do Rio Mississipi, por uma estrada de asfalto, entrego a minha produção e ainda volto a tempo de almoçar em casa. Nosso medo é o dia que vocês tiverem isso, também”.

Tereza riu. No instante seguinte, contou a ministra à reportagem, pensou no Matopiba, uma área gigantesca de 73 milhões de hectares batizada por um acrônimo formado pelas iniciais dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Hoje, é a fronteira agrícola mais promissora do Brasil. Só falta combinar com a logística. “É esse o nosso grande desafio, a infraestrutura. O mundo vê o Brasil como um grande competidor no agronegócio, mas isso não é por causa da Amazônia, mas sim porque temos o Matopiba. Ele já tem crescido, mas devagar, porque ainda não temos uma boa logística por lá”, diz a ministra.

A revolução prometida ao Matopiba começa a ganhar contornos mais nítidos. As obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), na Bahia, completaram uma década neste ano sem que nenhuma locomotiva tenha circulado até agora sobre seu traçado projetado de mais de 1.500 quilômetros. Um rearranjo inédito com parcerias privadas, no entanto, está prestes a dar vida para a Fiol, traçado por traçado.

Planejamento já considera a ligação da Fiol com Ferrovia do Centro-Oeste, cortando a Norte-Sul.RICARDO BOTELHO/MINFRA

São três soluções distintas em andamento. No primeiro trecho, de 537 quilômetros, que sai de Ilhéus (BA) e avança pelo Estado baiano até Caetité, as obras estão com 76% de execução física. O Porto Sul, em Ilhéus, destino final da ferrovia, começou a ser construído em julho pela Bahia Mineração (Bamin), empresa controlada pelo Eurasian Resources Group (ERG), do Cazaquistão. Foram pelo menos cinco anos de discussões, brigas na Justiça e revisões de projetos sobre o local onde o porto poderia ser erguido. Essas dúvidas, agora, estão no passado.

Dona de um projeto de minério de ferro em Caetité e, agora, de um terminal portuário em Ilhéus, a Bamin é, naturalmente, a maior interessada em assumir o novo trecho da ferrovia, que deve terá seu edital de concessão publicado ainda até o fim do ano, com leilão marcado para ocorrer no primeiro trimestre de 2021. O investimento previsto para a conclusão dessa obra é de R$ 1,6 bilhão.

A Bamin não esconde o interesse em vencer a licitação. “A Fiol, que, com o Porto Sul, vai criar um novo corredor logístico na Bahia e no Nordeste do Brasil, é fundamental para o nosso negócio”, diz Alexandre Aigner, diretor financeiro e de relações institucionais da Bamin. “Nosso plano é usar esse corredor logístico para nossa produção de ferro de até 18 milhões de toneladas por ano, e esperamos desempenhar nossa parte para tornar a próxima concessão um sucesso.”

“A Fiol, com o Porto Sul, vai criar um novo corredor logístico na Bahia e no Nordeste do Brasil, o que é fundamental para o nosso negócio.”

Alexandre Aigner, diretor da Bahia Mineração

No trecho central da ferrovia, de 485 quilômetros, entre Barreiras (BA) e Caetité, já foram reservados R$ 410 milhões para a compra dos trilhos que faltam para conclusão do traçado. Esse dinheiro tem origem na renovação antecipada das concessões da Vale. Uma licitação internacional para compra dos trilhos - já que o Brasil não tem fábrica do material - será feita no início de 2021. Esse trecho está com 43% de execução física e tem hoje cerca de 1,5 mil funcionários da estatal Valec em seus canteiros de obra. É a conclusão deste segundo traçado que coloca o transporte ferroviário dentro do Matopiba. Se no primeiro trecho a prioridade é o minério, no segundo há o algodão, a soja e o milho.

“O Brasil está prestes a viver um novo ‘boom’ no setor ferroviário, graças à prorrogação antecipada das concessões. Isso é o que permitiu que parte dos recursos de nossa outorga seja usada ainda na compra de equipamentos para a Fiol”, diz Marcello Spinelli, diretor-executivo de ferrosos da Vale.

Para o terceiro lote da Fiol, o Ministério da Infraestrutura negocia mais uma parceria com o setor privado. O objetivo é firmar um acordo dentro da renovação antecipada da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). O objetivo é fazer com que um novo contrato viabilize a construção dessa “última milha” da ferrovia, conectando-se, finalmente, à malha da Norte-Sul. Apesar de o projeto atual prever que essa conexão ocorra no município de Figueirópolis (TO), o planejamento já considera que a ligação se dê na cidade de Mara Rosa, fechando uma conexão direta com a estrutura da Ferrovia do Centro-Oeste (Fico).

Um vez concluído, esse projeto dará vida à chamada “cruz ferroviária”, ao cortar a Ferrovia Norte-Sul com uma linha horizontal, de leste a oeste do País. Cria-se, ainda, a possibilidade de saída a partir de três portos por meio de ferrovias, com acessos aos terminais de Santos (SP), Itaqui (MA) e Ilhéus (BA).

“O investimento cruzado permite a realização de investimentos expressivos na malha ferroviária, mesmo neste contexto causado pela crise fiscal dos últimos anos e, agora, pela pandemia do coronavírus”, diz o diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes. “Nesse momento do País, isso fica ainda mais necessário e urgente, seja sob o ponto de vista logístico, seja pelos impactos benéficos e imediatos dos investimentos. O resultado será maior equilíbrio da matriz de transporte de carga e efeitos sociais, com geração de emprego e renda.”

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