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Projeto de R$ 8,4 bilhões, a Ferrogrão deve ser leiloada no primeiro semestre de 2021 - O ESTADÃO

Ferrogrão, a “malha verde” do Eixo Norte

O adágio popular diz que, da porteira pra dentro, não há fazenda no mundo que bata a produção de uma propriedade brasileira, mas que, da porteira pra fora, o Brasil leva uma surra dos concorrentes, esfolado na precariedade da infraestrutura nacional. Essa história pode começar a mudar no primeiro trimestre de 2021, quando acontece o leilão da Ferrogrão, hoje o projeto de infraestrutura mais ambicioso do País.

A ferrovia dos grãos se enquadra naquilo que os americanos chamam de projeto “green field”, referência que remete a algo que tenha de ser começado do zero. O marco inicial da ferrovia acessa o coração da soja em Mato Grosso, no município de Sinop, e a partir dali avança rumo ao norte do País, paralelamente à rodovia BR-163, a Cuiabá-Santarém, até alcançar os portos fluviais de Miritituba, no Pará, nas margens das águas quentes do Rio Tapajós.

Os números amazônicos da Ferrogrão dão a dimensão do desafio financeiro. Só a construção da ferrovia é estimada R$ 8,4 bilhões, em incluir os investimentos nos trens e vagões, o chamado “material rodante”. O prazo de concessão, uma regra que, em outros projetos, tem sido fixada em 30 anos, está previsto para 69 anos. Em seu traçado, a ferrovia segue pela faixa de domínio da estrada, para evitar conflito com uma das áreas ambientais mais sensíveis da Amazônia, como unidade de conservação do Jamanxim, no Pará.

Marco inicial da Ferrogrão passa pelo coração da soja em Mato Grosso, na cidade de Sinop.TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

O governo é hoje o responsável por fazer com que o projeto possa vingar. O DNA da Ferrogrão, no entanto, está impregnado de iniciativa privada. Os pais da criança são as “tradings”, quatro gigantes da importação e a exportação de commodities agrícolas, as “ABCD”, como são conhecidas ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus, além da Amaggi e DLP.

“Essas empresas estudaram a ferrogrão e fizeram seu projeto executivo. A ideia sempre foi estimular o governo a colocar essa ferrovia em licitação, para que outras empresas especializadas neste transporte, construtoras e fundos de investimento possam participar”, diz Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura e um dos maiores empresários do agronegócio. “Essa ferrovia vai ser de fundamental importância para o Mato Grosso e demais regiões, porque vai aumentar a competitividade do transporte, os preços vão cair. Quanto antes ela vier, melhor para todo o País, que ficará cada vez mais competitivo.”

Para dar um sinal concreto aos investidores de que o empreendimento é viável, o próprio Ministério da Infraestrutura assumiu a responsabilidade de obter a licença prévia ambiental da ferrovia, autorização do Ibama necessária para atestar a viabilidade da obra. O contrato de concessão, inclusive, vai incluir essa responsabilidade pelo poder público, sob pena de a concessão ser cancelada sem nenhum tipo de ônus para o empreendedor.

 

“Quanto antes a Ferrogrão vier, melhor para todo o País, que ficará cada vez mais competitivo.”

Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura

Na primeira semana de agosto, a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Infraestrutura resolveu testar o interesse dos investidores no projeto e enviou alguns convites, para uma rodada de reuniões fechadas. Recebeu respostas para 22 agendamentos. A lista de conversas de 90 minutos incluiu os principais bancos brasileiros, concessionárias que já atuam na área de transportes e companhias de países como China, Espanha, Itália e Japão. Metade do grupo selecionado era formado por operador, controlador de concessão ou construtor de ferrovia. A outra metade era  financiadores e empresas que pretendem entrar como acionistas.

Hoje, os grãos de Mato Grosso dependem da BR-163 para chegarem aos terminais fluviais do Pará, instalados em Itaituba e Santarém. O caminho inverso também não é simples, até embarcarem na Malha Paulista, que segue rumo ao porto de Santos. Uma malha de trilhos até Miritituba significa ter uma saída direta pelo Tapajós, por meio de uma hidrovia natural que desemboca no Rio Amazonas e que, partir daí, segue mundo afora.

As preocupações com o impacto ambiental do projeto costumam predominar nos debates sobre a viabilidade da ferrovia que cruza o Cerrado e a Amazônia. O ministro Tarcísio de Freitas ainda era um secretário de coordenação de projetos em 2017, quando defendia o projeto da Ferrogrão em audiências públicas feitas em Mato Grosso, Pará e Brasília. O compromisso é de construir a ferrovia ao lado da estrada, sem acessar unidades de conservação ambiental ou terras indígenas.

Em vários debates, o projeto chegou a ter sua viabilidade questionada, inclusive, por sindicatos de caminhoneiros. Num arroubo “rodoviarista” que remetia à década de 1950, os motoristas se mostraram assombrados com a possibilidade de verem comboios de vagões abarrotados de grãos, seguindo por uma malha de trilhos. Ocorre que a ideia é exatamente essa.

Na carroceria de um caminhão, a distância percorrida por cada tonelada de carga, com um litro de combustível, chega a 25 quilômetros, em média. Nas ferrovias, essa distância sobre para nada menos que 85 quilômetros. Coloque ainda nesta conta efeitos como frete mais barato, redução de emissões de gás carbônico, menor impacto ao meio ambiente, capacidade de carregar grandes volumes, maior segurança e previsibilidade de operações, além dos investimentos envolvidos na construção e operação da linha, com geração de milhares de empregos. Não há tese que se sustente contra uma realidade dessas.

“A Ferrogrão vai tirar carga da BR-163, reduzir a especulação fundiária na região, ajudar a fazer o Estado mais presente no combate a atividades clandestinas e ainda funcionará como uma espécie de ‘muro verde’ em proteção à floresta, contra a abertura de novas espinhas de peixe (entradas abertas a partir da estrada, para roubo de madeira) ao longo da rodovia”, diz Tarcísio de Freitas.

Para carimbar um selo ambiental no projeto, a Ferrogrão vai permitir a captação dos chamados“green bonds” e “green loans”, o dinheiro verde que, cada vez mais, tem pautado as transações de capital internacionais. A alternativa foi criada a partir de um convênio fechado com a Climate Bond Initiative, em 2019. “Agora, todo programa ferroviário já parte com prerrogativas sustentáveis e está habilitado a captar investimentos de fundos que se preocupam com a questão do meio ambiente”, diz a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa.

“As ferrovias são eficientes para o transporte de minérios e grãos, além de serem uma solução para o escoamento pelo eixo norte, preservando a floresta amazônica.”

Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura

O que se busca, na prática, é transformar a preocupação ambiental em um ativo da ferrovia. ”Estamos atentos a isso e preparados para atrair esses recursos. Ferrovias são meios de transportes de maior eficiência energética e que ajudam a reduzir a emissão de poluentes na atmosfera”, comenta o ministro. “Elas são o modo de transporte mais eficiente para o transporte de duas commodities que são as bases de nossas exportações, os minérios e os grãos, além de serem uma solução importante para o escoamento pelo eixo norte, preservando a floresta amazônica.

A construção de novo trechos de ferrovias se soma à malha que hoje chega a 30 mil quilômetros de extensão em todo País. Desse total, cerca de 12 mil quilômetros são competitivos ao transporte de carga e possuem uso regular constante. A maior parte dos trechos, no entanto, está subutilizada ou, até mesmo, abandonada.

As renovações de contratos de concessões têm auxiliado não apenas na abertura de novos traçados, como também apoiado a recuperação de trechos e a devolução de traçados ao poder público, que pode analisar a sua viabilidade de ser retomado, incluindo situações para a abertura de transporte de passageiros, por exemplo.

“Há uma disposição hoje para buscar mais o diálogo, e isso envolve não só governo e empresas, mas órgãos como TCU e a agência reguladora. O resultado são medidas mais acertadas, que favorecem todo o País”, diz Rodrigo Vilaça, relações Institucionais do FGV Transportes.

Se a pandemia do coronavírus jogou a economia do País na lona, os projetos de ferrovias e seu sistema secular de transporte surgem, mais uma vez, como um caminho para auxiliar na saída da crise. As rotas já são conhecidas. É preciso trilhar.

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