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Obras da Fico começam no início de 2021, com investimentos de R$ 2,73 bilhões e prazo de quatro anos para entrega - O ESTADÃO

Fico, a nova rota de saída do Vale do Araguaia

Era uma vez um projeto ferroviário de mais de R$ 40 bilhões, com uma extensão chinesa que começava na pequena cidade de Campinorte, em Goiás, para avançar sobre o Mato Grosso e varar 4,7 mil quilômetros de dormentes e trilhos pelo Peru, até atravessar toda a Cordilheira dos Andes e desembocar no Oceano Pacífico, em alguma praia do litoral peruano, sabe-se lá qual. Essa foi a epopeia logística que, em 2015, chegou a fazer com que o premiê chinês Li Keqiang pegasse um avião em Pequim e desembarcasse em Brasília para apertar as mãos da então presidente Dilma Rousseff. Posaram para fotos, deram entrevistas e assinaram um “protocolo de intenções” com a ousadia de construir a extraordinária Ferrovia Transcontinental. Ou Transoceânica. Ou Transulamericana. Sobrava inspiração para batizar a nova malha de ferro. Faltava realismo.

Cinco anos depois, um trecho de 383 quilômetros é o que, finalmente, vai passar a existir no lugar de uma ambição idealizada nos idos de 1950. E isso já é muito. Trata-se do pontapé inicial para lançar sobre o solo os primeiros dormentes da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, a Fico, um projeto que foi planejado há mais de dez anos, mas que, até hoje, só havia produzido pilhas de papéis.

Em vez de partir de Campinorte, a Fico terá início no município vizinho, a cidade de Mara Rosa (GO), que também é cortada pela malha da Ferrovia Norte-Sul, eixo central de ligação ferroviária do País. Seu traçado seguirá até Água Boa, em Mato Grosso. Com isso, abrirá uma nova rota para o Vale do Araguaia, facilitando o escoamento de grãos para a região produtiva do Mato Grosso que mais cresce nos últimos anos.

No lugar do “protocolo de intenções” com os chineses entrou um contrato firmado com a Vale. Trata-se da contrapartida da mineradora, após conseguir autorização para assinar arenovação antecipada de duas concessões já operadas por suas empresas de logística, a Estrada de Ferro Vitória-Minas, na região Sudeste, e a Estrada de Ferro Carajás, no Maranhão. Depois de viver seu “complexo de trem-bala”, as obras na Fico começam, finalmente, no início de 2021, com investimentos estimados em R$ 2,73 bilhões e prazo de quatro anos para entrega.

“Além de investir recursos na própria malha, a Vale irá construir a Fico, uma ferrovia de 383 quilômetros de extensão que permitirá abrir uma nova opção de escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste”, diz Marcello Spinelli, diretor executivo de ferrosos da Vale. As obrigações da mineradora incluem ainda a construção de um ramal ferroviário entre Cariacica e Anchieta, no Espírito Santo, viabilizando a operação até o Porto de Ubu, no litoral capixaba.

“Não há dúvida nenhuma de que essa mudança do investimento cruzado traz avanços significativos na melhoria e na expansão da malha ferroviária de carga no Brasil.”

Rodrigo Vilaça, ex-presidente da ANTF

A atuação direta do setor privado na construção de novas ferrovias, diz Cláudio Frischtak, sócio gestor da consultoria Inter.B, tem ainda a vantagem de driblar as burocracias impregnadas na máquina estatal, além de se distanciar dos esquemas de corrupção que, regularmente, dragam os recursos públicos. “O benefício não se limita ao investimento direto. O modelo de investimento cruzado coloca uma empresa que já atua no setor à frente da execução da obra. Isso significa agilidade, evita morosidades e fecha as portas, inclusive, para problemas de desvios, como os ocorridos ao longo da história da Valec.”

Rodrigo Vilaça, especialista do setor ferroviário e responsável pela área de relações institucionais da FGV Transportes, lembra que a modelagem dos investimentos cruzados - que foi viabilizada pela Lei 13.448, de 2017 - já era defendida há anos pelo setor, mas só agora começa a se tornar realidade, depois de ter passado pelo crivo do Tribunal de Contas da União (TCU), que em maio autorização a renovação antecipada das ferrovias da Malha Paulista, da concessionária Rumo. Em julho, foi a vez de aprovar dois trechos da Vale. Novas renovações já estão previstas e acordos começam a ser discutidos.

“O resultado está aí, é palpável. Não há dúvida nenhuma de que essa mudança traz avanços significativos na melhoria e na expansão da malha ferroviária de carga no Brasil. Vibrei muito com a proposta do investimento cruzado”, diz Vilaça, que presidiu por anos a Agência Nacional de Transporte Ferroviário (ANTF). “Isso coloca uma ótica mais moderna sobre esses contratos, com melhor aproveitamento das atuais concessionárias e da iniciativa privada, enquanto a agência regula e o governo se concentra no suporte para avançar com o licenciamento ambiental, as desapropriações e demais autorizações.”

No fim do dia, o modelo preserva os cofres públicos, ainda mais depauperados pela crise econômica aprofundada pelo  novo coronavírus. “A ideia é que, em vez de abastecer o Tesourocom essas outorgas de concessões ( valores pagos pelas empresas para renovarem seus contratos), possamos aplicar esses recursos diretamente no setor”, diz Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura. “A empresa fará isso contando com seu conhecimento na construção de ferrovias, com a agilidade e a praticidade próprias da iniciativa privada.”

A Vale, por meio de suas empresas de logística, vai construir o primeiro trecho da Fico, mas não será a dona do traçado. Quando concluí-lo, vai entregá-lo ao governo, que então poderá licitar essa nova ferrovia a qualquer companhia interessada em explorá-la comercialmente. Na prática, isso vai gerar uma nova concessão que pode trazer, como contrapartida, a exigência de se construir mais uma extensão da malha. “É assim que vamos viabilizar uma expansão ferroviária sem precedentes na história recente do País, sem um centavo de recurso público”, afirma o ministro.

Até 2025, os 383 quilômetros da Fico devem estar plenamente operacionais, bem distantes da Cordilheira dos Andes.

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