Pagamento de advogados por empresas para candidatos gera dúvidas na categoria
Com as novas regras eleitorais, o pagamento de honorários de advogados por candidatos se tornou uma preocupação. Como empresas não podem mais doar dinheiro para campanhas, mas gastos com a defesa “não caracterizam gastos eleitorais”, como decidiu em março o Tribunal Superior Eleitoral, a possibilidade de pessoas jurídicas pagarem honorários advocatícios se tornou uma grande incógnita das eleições deste ano.
De acordo com o chefe da Assessoria de Contas Eleitorais e Partidárias do TSE (Asepa), Eron Pessoa, empresas podem pagar os honorários dos candidatos, mas não dos advogados do partidos. “Gasto com advogado não é gasto eleitoral, portanto, pessoas jurídicas podem arcar com eles. Mas o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a presença do dinheiro de empresas em partidos, sob qualquer forma”, disse, em entrevista àConJur.
Eron é o coordenador da área da Justiça Eleitoral que analisará todas as prestações de contas de todos os candidatos e partidos. Por isso, está por dentro de todas as regras relacionadas ao tema. E ele não tem dúvidas de que as empresas podem bancar os gastos dos candidatos com suas defesas jurídicas.
Mas só dos candidatos. Segundo ele, a decisão do Supremo de que o financiamento empresarial de campanhas é inconstitucional também diz que partidos não podem receber nenhum tipo de dinheiro de pessoas jurídicas. “O partido não vai declarar isso como gasto eleitoral, mas vai ter de dizer na prestação de contas anual que uma empresa pagou os honorários do advogado que o representou durante a campanha, e isso o Supremo proibiu”, analisa.
Regras
Quando diz que os gastos dos candidatos com defesa não são gastos eleitorais, Eron se refere à Resolução 23.470/2016 do TSE. Ela altera aresolução de 2015 que trata do financiamento eleitoral para dizer que os serviços de consultoria jurídica e de contabilidade “deverão ser pagos com recursos provenientes da conta de campanha e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos”.
Já os honorários de advogados e contadores “relacionados à defesa do interesse de candidato ou de partido em processo judicial não poderão ser pagos com recursos de campanha e não caracterizam gastos eleitorais”. O registro dessa movimentação deve constar da prestação de contas anual, diz a resolução.
Foi uma solução encontrada pelo TSE para não prejudicar o direito de defesa dos candidatos que precisem ir à Justiça, já que agora os gastos das campanhas são limitados. Pelas regras estabelecidas para as eleições deste ano, as campanhas para prefeito de municípios com menos de 100 mil habitantes só podem gastar até R$ 100 mil. As campanhas de vereador, R$ 10 mil.
“O princípio da decisão que originou a resolução do TSE foi o de que a defesa não pode ser limitada”, explica o ministro Henrique Neves, membro da corte desde 2013. Ele lembra que, na época da discussão, alguns ministros levantaram a hipótese de escritórios de advocacia serem usados para lavar dinheiro.
Mas a decisão não isentou os candidatos de declarar os gastos em suas prestações de contas nem os advogados de reportar o recebimento do dinheiro e de recolher o imposto, explica o ministro. “Se o candidato pagou com dinheiro que não tinha, é algo que a Receita vai ter de examinar. Até para não ficar na coisa do ilícito eleitoral, em que se paga uma multa e pronto, resolvido.”
E embora a resolução deste ano fale sobre a defesa do “candidato ou partido”, a Resolução 23.464, de dezembro de 2015, retira dos partidos essa permissão. A norma diz, no artigo 12, que partidos não podem receber, “direta ou indiretamente, sob qualquer pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro” de “pessoa jurídica”, conforme completa o inciso II.
“A única conclusão possível desse dispositivo é que dinheiro de empresa não pode entrar em partido”, comenta Eron Pessoa. “Se pessoas jurídicas quiserem pagar advogados de partido, não podem.”
Fronteira
No entanto, embora no âmbito eleitoral a questão esteja aparentemente resolvida, especialistas ouvidos pela ConJur não recomendam os advogados a ir com tanta sede ao pote. Isso porque, mesmo não sendo competência da Justiça Eleitoral o problema dos honorários pagos por empresas, ainda pode ser enquadrado como arrecadação ilícita, lavagem de dinheiro ou até em investigações por causa das relações entre a empresa e o candidato.
“O ideal é que o pagamento seja feito pela pessoa física mesmo, porque isso pode ser uma tentativa de criar uma brecha na decisão do Supremo”, analisa a advogada Gabriela Rollemberg. “E aí o candidato correria o risco de ter seu registro cassado, pois não saberia a origem do dinheiro daquela empresa.”
A preocupação de Gabriela é que os escritórios acabem em esquemas de lavagem de dinheiro sem saber, “ainda mais neste momento em que se discute se o advogado deve saber a origem do dinheiro que recebe”. “A licitude do recurso não passa pela seara da prestação de contas, mas aí a discussão passa a ser ‘por que a empresa está pagando os honorários dos seus advogados?’”
Ex-ministro do TSE, o advogado Marcelo Ribeiro até reconhece que empresas poderiam pagar os honorários da defesa jurídica, “mas é uma questão muito delicada”, diz. “É difícil afirmar se pode ou não, é um tema complexo. O ideal é que haja um pronunciamento do tribunal.”
Segundo ele, o que o Supremo decidiu foi que não pode ter doação empresarial. “Portanto, em tese os honorários não entrariam nisso porque não são considerados gastos de campanha. De toda maneira, quem tem de pagar os advogados é o candidato ou o partido, e não uma empresa. O advogado que faz isso tem de ter noção do risco de estar colocando seu escritório a serviço de um rolo”, diz Ribeiro.
Psiquiatras
Também ex-integrante do TSE na vaga destinada a advogados, Carlos Eduardo Caputo Bastos defende a possibilidade de empresas pagarem honorários advocatícios. “Esse assunto não tem nada a ver com a Justiça Eleitoral. A resolução é categórica quando diz que o gasto com advogado não tem natureza de gasto eleitoral. Inclusive, se o candidato quiser dar um recibo de que gastou tantos reais com seus advogados e registrar isso como gasto da campanha, não pode”, comenta.
A discussão que pode haver depois, segundo o advogado, é por que a empresa está pagando o advogado de determinado candidato. “Se o dono da empresa pode doar até certo limite para um candidato, mas pode pagar o advogado dele o equivalente a mil vezes a doação, a empresa também pode pagar esses honorários. Então, se o dono pode, a empresa também pode”, afirma.
“Se a empresa é regular, em funcionamento, presta serviço, paga seus impostos em dia e vem me contratar, eu, advogado, não posso perquirir os interesses dela. ‘Ah, mas e se tiver interesse, corrupção, tráfico de influência?’ Aí já é psiquiatria jurídica, como diz o ministro Sepúlveda Pertence.”
A ressalva que ele faz é que “precisamos ter consciência” de que, de fato, advogados e contadores não são gastos da campanha e, portanto, não são gastos eleitorais. Para Caputo Bastos, o problema é se isso, depois, se estender a marqueteiros, gastos com publicidade, com viagem de avião etc. “Aí, sim, seria esvaziar a decisão do Supremo.”
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico,