Cortes viram principal vitrine para Marçal, Boulos, Datena e Tabata
Gustavo Zeitel / FOLHA DE SP
Ao som de um batidão, Pablo Marçal (PRTB) diz que Guilherme Boulos (PSOL) deve se mudar para o interior, porque não será prefeito de São Paulo. Um par de raios sai dos olhos do influencer, como se ele se transformasse num super-herói.
Em outro vídeo, Boulos questiona Ricardo Nunes (MDB) se o prefeito põe em dúvida a lisura do sistema eleitoral, assim como Jair Bolsonaro (PL), seu apoiador. Já Tabata Amaral (PSB) diz ter mais experiência do que os seus adversários playboys.
Em comum, os três vídeos descritos acima têm, no máximo, um minuto, foram compartilhados por contas oficias das campanhas e correspondem à maior visibilidade que os candidatos tiveram nas redes sociais até agora na campanha.
Eles se enquadram no que se convencionou chamar de cortes, trechos curtos que mostram cenas momentosas de candidatos em podcasts ou em debates. O formato virou o mais eficiente e utilizado na campanha para a Prefeitura de São Paulo.
O formato surgiu na indústria do entretenimento, como um modo de se fazer uma seleção de longas transmissões de games ou de entrevistas em podcasts. No Youtube, os canais de podcasts têm, em geral, um outra conta que funciona como repositório dos cortes. É uma forma de adequar a comunicação à audiência dos dias atuais, a cada dia mais dispersa.
Os números confirmam a eficiência do formato na política. Seis das publicações mais populares de Marçal são vídeos curtos e somam 5,4 milhões de interações. Boulos também teve seis entre as mais virais (553 mil). Tabata (359 mil) e Datena (56 mil) têm cinco cortes entre as dez postagens com maior interação.
"O embate funciona bem nas redes, e os cortes retroalimentam a polarização", diz André Eler, diretor técnico da Bites. Ele ressalta que essas edições não exigem muito trabalho e podem ser feitas em aplicativos no telefone celular. Ele conta que, num contraste com os vídeos roteirizados, os políticos aparecem, nos cortes, com um comportamento mais natural.
Para se ter ideia, a audiência do debate da revista Veja no Youtube teve 2 milhões de visualizações, e o debate da Band atingiu 783 mil televisores. Marçal, que acumula o maior número de seguidores nas redes, chegou a atingir 14 milhões de pessoas num único corte, diz Eler.
Não por acaso, afirma o especialista, os debates têm sido usados como matéria-prima para edições replicadas na internet, meio em que as cenas continuam a ser exibidas por semanas a fio.
A pesquisa Datafolha publicada na semana passada só deve aumentar o número de edições, sobretudo entre os candidatos que estão distantes de um possível segundo turno.
"Os cortes ajudam muito, porque a Tabata, por ser mulher, sofre com certa dúvida por parte do eleitorado, e nós conseguimos mostrar como ela vai bem nos debates", afirma Pedro Simões, marqueteiro da campanha do PSB.
Segundo o Datafolha, a deputada tem 8% das intenções de voto. Com os cortes, Simões não vê, porém, a necessidade de mostrar uma Tabata mais espontânea e sem o didatismo, criticado na internet.
"Ela é uma pessoa que fala baixo e é mais comedida. É o jeito dela, não tem nada para mudar", conta.
Luis Fakhouri, diretor de estratégia da Palver e colunista da Folha, alerta, no entanto, que as edições podem favorecer a desinformação.
"É um recorte da nossa realidade e os políticos podem moldá-la como eles desejarem", afirma Fakhouri.
Ele cita como exemplo o caso de Marçal, que, suspeito de pagar apoiadores para difundir seus cortes, teve as contas suspensas pela Justiça. Em um dos vídeos derrubados, Marçal edita duas falas, uma de Jair Bolsonaro e outra de seu filho, Eduardo, para dar a impressão de ter o apoio da família do ex-presidente.
"Tem a figura nova do Paulo (sic) Marçal que fala muito bem, uma pessoa inteligente, que tem suas virtudes", diz Bolsonaro, no vídeo, logo tendo a voz cortada por um funk. Nunes recebeu apoio do ex-presidente, que tem previsão de participar de agendas com o candidato do MDB.
"Se você pensar no conceito mais amplo de desinformação, é possível dizer que os cortes favorecem a disseminação das fake news na internet", afirma Fakhouri.