A revolta contra o sistema elege centrões e influencers que pioram o sistema
Vinicius Torres Freire / FOLHA DE SP
Em algumas pesquisas eleitorais qualitativas, a intenção de votar em Pablo Marçal (PRTB) para prefeito de São Paulo aparece como revolta contra governos, "políticos" e pobreza; também como espírito de porco juvenil, um niilismo periférico.
"Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba", dizia a personagem central de o "Bandido da Luz Vermelha", filme de 1968 de Rogério Sganzerla (1946-94). Há também identificação com o candidato, uma admiração pela figura que parece ter vindo do nada, do interior, sem capital, formação ou amigos importantes, que se fez na vida como tantos influencers.
Não é novidade. Quem dá uma olhada em redes sociais reconhece essa atitude faz mais de década, com a popularização dos celulares com internet, em torno de 2010, ou com a ascensão e engorda da dita "classe C". Cientistas sociais e estudos variados dos colapsos políticos desde 2013 também já explicaram em parte como uma nova direita e um espírito "antissistema" se valeram das redes. A questão é como sair disso que se tornou um lamaçal.
Esse ambiente social, político e tecnológico facilitou também candidaturas de criminosos descarados. Partidos agenciam candidaturas, é óbvio. A multiplicação de partidos no país, a maioria negocista, difundiu a prática de alugar legendas, empreendimento que pode ser muito rendoso, dada a dinheirama pública cada vez maior destinada ao financiamento partidário. Engajar o influencer certo é ganhar na loteria. Vide o sucesso dos proprietários do PSL, veículo de Jair Bolsonaro em 2018.
As redes continuarão a produzir ídolos, líderes e influenciadores de qualquer coisa. Trata-se de profissão ou empresa para centenas de milhares de pessoas em um mundo de emprego cada vez mais precário, se algum. A multidão influencer é um múltiplo enorme das dúzias de figuras midiáticas tradicionais de TV e rádio que embicavam para a política. Mas são escolhidas muito mais diretamente pela massa, com alguma mediação dos algoritmos.
Os partidos se tornaram, quase todos, parte de uma massa indistinta de variantes de centrão, defensores do status quo ou de um sistema que vão modificando, para seu uso. O conflito a respeito das emendas parlamentares trata disso. É uma ironia que a grande e difusa revolta contra o "sistema" que explodiu em 2013 tenha resultado no fechamento do sistema político em si mesmo, apesar das aberturas para candidaturas estelares rendosas, de "outsiders" que não o são.
O sistema político captura mais verbas para si (fundos eleitorais, partidários, emendas ruins do Orçamento), concede favores (isenções tributárias e subsídios) para as cracas empresariais e corporativas desse sistema, domina a maioria das prefeituras e o Congresso. Vai dar grande contribuição para tornar o país ingovernável, para arruinar de vez o Orçamento e malversar os postos-chave de governo.
Um Estado mais inviável será capaz apenas de redistribuir algumas rendas e benefícios sociais (capacidade que chegou quase ao fim). Não terá recursos para grandes projetos. Loteia o resto de autoridade técnica entre os centrões.
Esse Estado, que já causa muita revolta por cobrar impostos sem dar retorno e é visto como um empecilho para o pequeno empreendedor, será cada vez menos capaz de implementar programas que atendam necessidades e façam a política ter algum sentido para a maioria da população. Causará mais revolta.
O povo revoltado contra o "sistema" leva ao poder os centrões que o solidificam. Elege ou ameaça eleger "outsiders" que apenas esculhambam a máquina pública viciada, mas também a ela se associando e dela tirando rendas.
Parece um círculo vicioso, um caminho para desastre ou estagnação podre.