Na contramão de críticas internacionais à política ambiental de Bolsonaro, China investe na relação com Brasil
BRASÍLIA — Alvo de ressalvas e provocações por parte do presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, no fim do ano passado, a China acabou se tornando um aliado importante para o Brasil sob o ponto de vista ambiental . Foi o primeiro país a defender o governo brasileiro dos ataques que partiram, principalmente, de países europeus, por causa das queimadas na floresta amazônica. Esse apreço poderá se traduzir em acordos importantes durante a visita de Bolsonaro a Pequim, no mês que vem, acreditam fontes do governo e do setor privado ouvidos pelo GLOBO.
BRASÍLIA — Alvo de ressalvas e provocações por parte do presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, no fim do ano passado, a China acabou se tornando um aliado importante para o Brasil sob o ponto de vista ambiental . Foi o primeiro país a defender o governo brasileiro dos ataques que partiram, principalmente, de países europeus, por causa das queimadas na floresta amazônica. Esse apreço poderá se traduzir em acordos importantes durante a visita de Bolsonaro a Pequim, no mês que vem, acreditam fontes do governo e do setor privado ouvidos pelo GLOBO.
Gelo quebrado
A declaração do diplomata chinês foi seguida, dias depois, por uma medida importante para o agronegócio brasileiro. Na semana passada, Pequim anunciou a expansão das compras de carnes do Brasil, por meio da habilitação de 25 frigoríficos nacionais. Na interpretação de uma fonte da área diplomática, a China, com seu pragmatismo voltado para a área econômico-comercial, assumiu um novo patamar nas relações bilaterais.
O cenário é bem diferente do que se previa no início deste ano. No fim de 2018, Jair Bolsonaro fez críticas diretas aos investimentos chineses. Disse que a China estaria “comprando o Brasil, e não do Brasil”. No início deste ano, havia incertezas entre os investidores daquele país em relação a projetos brasileiros de desenvolvimento que somente agora começam a ser dissipadas.
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Em outra ocasião, no período pré-campanha e na qualidade de deputado federal, Bolsonaro fez uma visita oficial a Taiwan, o que despertou indignação em Pequim. A ilha é considerada pela China como uma “província rebelde”, um tema de soberania nacional no qual não admite interferências externas.
Agora, Bolsonaro se prepara para viajar à China em outubro. Em novembro, será a vez de o presidente Xi Jinping vir a Brasília, para participar da reunião de cúpula de chefes de Estado dos Brics, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A avaliação em Brasília é que os frutos dessa espécie de revisão das relações bilaterais já estão sendo colhidos. Para quebrar o gelo, já estiveram na China o vice-presidente Hamilton Mourão e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, no primeiro semestre. Com a ida de Bolsonaro, são esperados acordos de redução de barreiras ao comércio e o aumento da presença chinesa em obras de infraestrutura, energia, petróleo e gás.
O Brasil atrai a China pela sua posição estratégica nas Américas, por sua abundância de recursos naturais e pelo fato de ser um dos maiores fornecedores de commodities do mundo. Para o governo brasileiro, as relações com a China, “desideologizadas”, levam em conta quatro vertentes: comércio, investimentos, transferência de tecnologia e defesa.
Desde o início do ano, várias reuniões envolvendo autoridades e empresários dos dois países já foram realizadas. As discussões que ocorreram no âmbito da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível (Cosban), que do lado brasileiro é presidida por Mourão, foram fundamentais para essa nova roupagem das relações bilaterais, comentou uma fonte ligada ao Palácio do Planalto.
— A China tem uma estratégia sofisticada em relação à América Latina. Deixa claro que, em hipótese alguma, vai se intrometer na política interna dos países. Os chineses, por exemplo, têm uma ótima relação com o Sudão, mesmo com o genocídio de Darfur — afirmou o professor de relações internacionais Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Diplomacia inteligente
Em sua opinião, a retórica anti-China que havia no início do governo não existe mais. Prova disso são os intensos contatos entre representantes dos dois governos.
— Conseguiram convencer o presidente Bolsonaro que o custo de uma briga com a China é muito grande. Bolsonaro não teria ganho político algum em atacar a China — destacou Stuenkel.
Para o presidente do Centro Empresarial Brasil-China, o embaixador aposentado Luiz Augusto de Castro Neves, a diplomacia chinesa foi inteligente e percebeu que o presidente da França, Emmanuel Macron, ao atacar o governo de Bolsonaro, o fez para evitar o fracasso total da reunião de cúpula do G-7, realizada na cidade francesa de Biarritz. Segundo Castro Neves, não havia um único ponto de destaque na agenda do evento.
— O evento fracassou e Macron começou a arranjar coisas externas, como a Amazônia. O bate-boca com Bolsonaro parecia uma briga do recreio da escola. A China, por sua vez, aproveita os espaços que surgem, sem abandonar o pragmatismo — disse Castro Neves.
Ele acredita que a visita de Bolsonaro à potência asiática será bem-sucedida. Esse sucesso, no entanto, também vai depender de como se portará o brasileiro na República Popular da China — uma nação governada por um partido único comunista.