Compras emergenciais durante pandemia são investigadas em 11 Estados e no DF
11 de maio de 2020 | 05h00
A pandemia de covid-19 pressiona prefeitos e governadores a agir de forma rápida para assegurar a aquisição de insumos necessários ao enfrentamento da doença. Respiradores, máscaras e demais equipamentos de proteção individual entraram para a lista prioritária de compras realizadas sem licitação em função do novo coronavírus. É uma guerra comercial, mas que revela implicações políticas e até policiais. Desde abril, investigações por mau uso do dinheiro público se espalharam por ao menos 11 Estados e o Distrito Federal.
Desde fevereiro, a legislação brasileira permite que gestores públicos comprem, sem fazer licitação, bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia. Os contratos passam a ser investigados quando Ministério Público e polícia notam indícios de irregularidades, como preços muito acima da média praticados por fornecedores ou demora para entregar mercadorias. Segundo o Ministério Público Federal, que atua nas investigações quando há repasse da União, há 410 procedimentos abertos de forma preliminar que podem originar processos criminais.
Em São Paulo, o Ministério Público Estadual instaurou um inquérito civil, desmembrado em cinco procedimentos, para apurar compras do governo João Doria (PSDB). A gestão fechou o maior contrato estadual até aqui: US$ 100 milhões (cerca de R$ 574 milhões) por 3 mil respiradores da China. Por enquanto, 150 unidades foram liberadas pelo governo chinês, que limita a entrega em lotes.
Segundo a administração tucana, a empresa chinesa foi escolhida após pesquisa de mercado por apresentar as melhores condições de volume e prazos. “A aquisição cumpriu as exigências legais e os decretos estadual e nacional de calamidade pública”, informou o governo. Na semana passada, Doria anunciou a criação de uma corregedoria para acompanhar compras relacionadas à covid-19.
No Paraná, o comitê de crise criado para a pandemia já tem entre seus participantes o controlador-geral do Estado, Raul Siqueira, que instituiu um conselho de aquisições públicas em parceria com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado.
Em outros Estados, investigações apuram situações em que os produtos não foram entregues, mesmo após o pagamento integral. São os casos de Rio de Janeiro e Santa Catarina, onde o governador Carlos Moisés (PSL) vai enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar se houve desvio de recursos na negociação dos respiradores. Anteontem, uma força-tarefa da Polícia Civil de Santa Catarina cumpriu 35 mandados de busca e apreensão em quatro Estados. A Operação O2 (símbolo do oxigênio) investiga a compra de 200 aparelhos por R$ 33 milhões.
O governo catarinense afirma que apoia as investigações e busca reparação aos cofres públicos por meio judicial em processo conduzido pela Procuradoria-Geral do Estado. Em nota, disse ainda que instaurou sindicância interna para apurar possíveis irregularidades e afastou preventivamente servidores. O secretário de saúde, por exemplo, deixou o cargo.
No Rio, o ex-subsecretário de Saúde Gabriell Neves e outros três suspeitos de obter vantagens em contratos emergenciais para a aquisição de respiradores foram presos na semana passada. O governo de Wilson Witzel (PSC) fechou contrato de R$ 9,9 milhões por 50 aparelhos. A investigação corre em sigilo. O governo informou que o subsecretário foi afastado e que os contratos são monitorados por auditoria permanente.
A origem do recurso empregado – via governos federal, estaduais, municipais ou uma mescla de todos – dificulta a fiscalização. Na Paraíba, a Operação Alquimia, da Polícia Federal, apura o desvio de verbas do Estado e da União em Aroeiras, na região de Campina Grande. A suspeita é que a prefeitura tenha usado parte dos repasses destinados à compra de insumos médicos para adquirir, por R$ 580 mil, cartilhas sobre o coronavírus oferecidas, de graça, no site do Ministério da Saúde. A prefeitura não foi localizada para comentar.
Prejuízo
Denúncias também renderam ações da PF no Amapá, onde a Operação Virus Infectio apontou variações de até 814% no preço de máscaras compradas pelo fundo estadual de saúde. Se a irregularidade se confirmar, o prejuízo seria de R$ 639 mil. O governo de Waldez Góes (PDT) diz que a compra ocorreu no início da pandemia, quando os preços estavam “majorados”. O governo também justificou que possui uma conta específica dos gastos com a pandemia para facilitar a fiscalização dos órgãos de controle e que a operação policial mirou endereços ligados às empresas, e não à administração pública.
Respiradores chegam quebrados e falsificados
Assim como o avanço de casos da doença, denúncias de negócios supostamente superfaturados se alastram pelo País. Mas há situações em que a suspeita de irregularidades parte do próprio poder público. Na semana passada, a Prefeitura de Rondonópolis, terceira maior cidade de Mato Grosso, chamou a polícia após constatar que 22 respiradores comprados por R$ 4,1 milhões eram falsos.
O vendedor, que está preso, entregou monitores cardíacos em caixas “maquiadas” com adesivos e manuais dos produtos solicitados pela administração municipal.
No Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) se disse surpreso ao constatar que os primeiros 152 aparelhos de um total de 400 importados da China, por R$ 50 milhões, chegaram sem condições de uso.
A PF abriu procedimento para investigar, e Barbalho conseguiu na Justiça o bloqueio dos bens da empresa contratada, além da retenção dos passaportes dos sócios até que se forneçam equipamentos em condições de funcionamento ou que se faça o ressarcimento do valor empenhado. O Pará entrou em lockdown ontem. O Estado já soma mais de 650 mortes.
Em Roraima, o secretário da Saúde foi exonerado depois de comprar e pagar, de forma antecipada, respiradores que não foram entregues. “No nosso caso, o secretário não seguiu os ritos internos. Não comunicou sobre a compra à controladoria nem a mim. Não se trata de má-fé, mas de falha administrativa”, afirmou o governador Antonio Denarium (PSL), que diz ter aberto sindicância interna para apurar o caso.
Seis meses após deixar prisão, Lula não assume protagonismo na oposição a Bolsonaro
10 de maio de 2020 | 13h10
Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, em 8 de novembro do ano passado, lideranças partidárias avaliavam que, fora da prisão, ele poderia ajudar a organizar a oposição contra o presidente Jair Bolsonaro. Seis meses depois de deixar a prisão, porém, o petista não encontrou o protagonismo político que tinha no passado, mantém pouca interlocução com outros setores da oposição e praticamente não tem diálogo com segmentos da sociedade fora do campo da esquerda. Acostumado a tomar algumas das principais decisões do partido, Lula foi confrontado recentemente em uma escolha do PT em Pernambuco e não atuou para resolver impasse em torno da candidatura para a prefeitura de São Paulo.
“Foi paradoxal. O PT conquistou o que mais almejava, mas a libertação de Lula não despertou qualquer nova energia no partido. Para quem esperava um Lula capaz de articular-se com outras forças políticas, ampliando sua interlocução com a centro-esquerda e até com o centro, foi uma decepção. Ele não conseguiu - ou não quis”, avalia o cientista político Carlos Melo, do Insper. “Lula preso tensionava muito mais com a política do Brasil do que, agora, livre”, disse.
De novembro para cá, Lula não se reuniu nem com antigos aliados, como os presidentes do PDT, Carlos Lupi, e do PSB, Carlos Siqueira. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), chegou a publicar um texto no qual acusava Lula de dar uma canelada na sigla aliada. O ex-presidente José Sarney (MDB) e outros antigos parceiros políticos já reclamaram a interlocutores do que chamam de isolamento de Lula. Presidentes de centrais sindicais que não são ligadas ao PT também divulgaram texto reclamando da postura estreita do ex-presidente.
“Ele está bastante recluso, bastante contido, acho até que por orientação dos advogados. Não está aquele Lula de antigamente. Acho que ele está tentanto salvar a biografia e o principal instrumento que ele tem que é o PT. Ao mesmo tempo que faz isso, se isola”, disse Lupi, que foi ministro do Trabalho de Lula.
Para Siqueira, os sinais de que Lula teria uma atuação menos ampla foram dadas logo em seu primeiro discurso após deixar a prisão, quando defendeu que o PT lance candidatos próprios em todas as grandes cidades brasileiras este ano. “Podia ter sido um discurso de unidade das forças de esquerda mas foi um discurso exclusivista, pensando no PT, como se estivéssemos vivendo a normalidade democrática”, disse ele.
A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, disse que começou a articular encontros de Lula com os presidentes das outras siglas de oposição antes da pandemia e deve retomar as conversas depois da quarentena.
Exceções nas agendas de Lula são encontros com Guilherme Boulos (PSOL), líderes de movimentos sociais e acadêmicos, intelectuais e especialistas em diversas áreas para debater questões como economia e saúde.
Lula passou um ano e meio preso, após ser condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. O processo já chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reduziu a pena a 8 anos e 10 meses. A análise de um recurso, marcada para a última terça-feira, foi adiada pela Corte. No dia 6, o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (TRF-4), a segunda instância da Lava Jato manteve a condenação do petista a 17 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro em outra investigação, a do sítio de Atibaia.
Depois que deixou a prisão, o ex-presidente se dedicou a resolver questões familiares e ao novo relacionamento com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja. Os dois alugaram uma casa onde vivem juntos em São Paulo. No final de ano, o casal viajou em férias.
Tambem têm tomado tempo de Lula as disputas internas do PT. No início do ano, ele participou de uma reunião para arbitrar a disputa entre o setor do PT de Pernambuco que defende o apoio a João Campos (PSB) e os que advogam pela candidatura própria da deputada Marília Arraes (PT-PE) para a prefeitura do Recife. Segundo relatos, Lula tentou impor o nome de Marília mas foi confrontado pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que defende a aliança com o PSB. A postura de Costa era inimaginável no PT dois anos atrás.
Além disso, o ex-presidente evitou tomar lado na disputa interna da corrente interna CNB pela tesouraria do partido, que durou meses, e também não tem se esforçado para evitar a virtual indicação de Jilmar Tatto como candidato a prefeito de São Paulo, embora já tenha dito mais de uma vez que o PT vai ser “esmagado” entre as duas candidaturas de esquerda (Boulos e Luiza Erundina pelo PSOL e Márcio França pelo PSB) caso Tatto seja o candidato.
Para lideranças petistas, são sinais de que Lula hoje depende mais do PT do que o partido depende dele, ao contrário do que ocorreu nos últimos 40 anos.
Na tentativa de ganhar protagonismo, Lula tem intensificado as transmissões ao vivo pela internet e entrevistas a rádios e jornais regionais e veículos do exterior. Segundo o ex-ministro Aloizio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo, o ex-presidente relutou muito em aceitar as novas tecnologias de videoconferências e reuniões on-line. “Ele resistiu mas agora está vendo que é imprescindível”, disse o ex-ministro.
Petistas avaliam que Lula tem fora do Brasil o protagonismo que ainda não conseguiu alcançar na política nacional. Em fevereiro, ele viajou para o Vaticano, onde se encontrou com o Papa Francisco. No mês seguinte, recebeu o título de cidadão parisiense na França. Gleisi afirma que não vê a atitude de Lula como isolamento, mas, sim, um novo posicionamento político, dadas as circunstâncias do momento.
Com relação às próximas eleições, auxiliares dizem Lula não descarta novas alianças para fora da esquerda, mas não está disposto e não vê condições para repetir a ampla conciliação com empresários e partidos políticos que o ajudou a se eleger em 2002. Os termos seriam outros. Um dos motivos é a adesão de grande parte da elite ao bolsonarismo. “Acho muito importante reestabelecer este debate mas uma parte do empresariado aderiu ao bolsonarismo, fez campanha para o Bolsonaro”, disse Mercadante.
Embora diga sempre que uma possível candidatura não é o centro de suas preocupações, amigos apostam que Lula pensa em voltar à Presidência da República. Mas para isso precisa, antes, recuperar seus direitos políticos. O ex-presidente foi enquadrado na lei da Ficha Limpa ao ser condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio em Atibaia.
Justiça bloqueia bens de sócios que venderam respiradores com 'problemas técnicos' no Pará
Ana Paula Niederauer, O Estado de S.Paulo
O governador do Estado do Pará, Helder Barbalho (MDB), anunciou em vídeo, na tarde deste domingo, 10, que o Tribunal de Justiça paraense bloqueou os bens dos sócios da SKN do Brasil Importação e Exportação Eletroeletrônicos LTDA, empresa que vendeu os respiradores com problemas técnicos para o Estado, além da retenção dos passaportes para que eles não possam sair do Brasil.
Os Ministérios Público Federal e Estadual e a Polícia Federal investigam a compra de 400 equipamentos, que foi feita sem licitação, para o tratamento de pacientes com o estado mais grave do novo coronavírus.
O primeiro lote com 152 respiradores apresentou falhas técnicas durante o processo de instalação e ainda não pode ser usado. A remessa dos aparelhos chegou na última segunda-feira, 4, junto com mais 1.580 bombas de infusão. Cada respirador custou R$126 mil aos cofres do governo estadual.
O governador Helder Barbalho garante que já entrou em contato com a fornecedora chinesa para que o problema seja solucionado.
“Só há dois caminhos: ou [os sócios] nos entregam os respiradores como nós compramos, funcionando com qualidade para salvar a vida das pessoas ou irão ter que ressarcir o Estado do prejuízo causado. Aqui estamos tratando com seriedade e transparência”, declarou Helder Barbalho.
“Se lesarem o Estado, irão sofrer as devidas repreensões e ações judiciais. Quero agradecer a justiça do Estado do Pará, que, em plantão, neste domingo, decidiu a favor do Estado”, disse Barbalho.
'Que fazer?' J.R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
É curioso o que está acontecendo hoje no Brasil. A cada dia que passa, o presidente da República faz alguma coisa que parece desenhada sob medida para tumultuar o seu próprio governo, como se tivesse certeza de que o pior desastre que pode lhe acontecer é viver quinze minutos de paz. (Neste momento de confusão extrema, acredite se quiser, conseguiu achar espaço para arrumar uma briga com a sua ministra-secretária da Cultura, a atriz Regina Duarte, cuja relevância no meio das calamidades atuais oscila ao redor do zero. Justo agora? Não poderia ficar para um pouco mais tarde? Não: ninguém aqui vai perder uma oportunidade para sair no braço.) Ao mesmo tempo, as forças que querem tirá-lo de lá antes da hora prevista na Constituição parecem cada vez mais incapazes de armar uma ação coerente, lógica e eficaz para conseguir isso.
É a velha história da vida política: quando todo mundo diz que “agora não dá mais” e, ao mesmo tempo, não se faz nada de concreto além de falar, é sinal de que ninguém está conseguindo agir no mundo das coisas práticas. Se realmente não “dá mais”, então por que continua dando? Não se trata de falta de vontade – é falta de meios. Como tantas vezes ao longo da História, a questão se resume na inesquecível pergunta de Lenin: “Que fazer?” O Revolucionário Número 1 de todos os tempos sabia muito bem que, sem responder a essa pergunta, o Czar continuaria sentado até hoje no trono da Rússia. Em sua volta, todos faziam os discursos mais devastadores, ano após ano - e continuavam no exílio. Lenin, em vez disso, só pensava em sair do exílio e ir para o governo. Não queria ficar indignado. Queria agir.
É o que está faltando hoje para as múltiplas camadas de opositores do presidente Jair Bolsonaro: saber com precisão o que devem fazer para ele sair do Palácio do Planalto antes de 1º. de janeiro de 2023, quando acaba o seu mandato legal na presidência. Nada parece funcionar. Havia muita esperança, por exemplo, no depoimento do ex-ministro Sergio Moro no inquérito que apura as circunstâncias de sua demissão. Mas depois de oito horas de declarações, o que realmente sobrou de concreto foi a afirmação de que ele, Moro, nunca disse que Bolsonaro cometeu algum crime nos quinze meses de relacionamento que tiveram no governo. Um ministro do STF proibiu Bolsonaro de nomear um diretor para a Polícia Federal; ele nomeou outro, igual ao primeiro, e ficou por isso mesmo, pois não dá para continuar vetando todos os nomes que o presidente escolher. Esperava-se que o Supremo se unisse para acertar alguma maneira legal de deter ou depor Bolsonaro; mas os ministros não estão de acordo entre si.
A questão, no fim das contas, não é estabelecer, numa escala de zero a dez, o quanto Bolsonaro é um mau presidente; seus inimigos acham que é onze. A questão é saber quantos dos 513 deputados federais e 81 senadores, exatamente, vão votar a favor de um impeachment – o único caminho disponível para depor o chefe de Estado sem violar a Constituição, coisa que requer força armada e não é possível neste momento no reino das realidades. A “sociedade” não tem voto aí. Ninguém mais, além dos parlamentares, está autorizado a julgar o presidente: ou dois terços dos membros do Congresso concordam em depor o homem, ou ele não sai.
Para quem não quer mais a situação que está aí, a prioridade talvez devesse ser outra - em vez de ficar tentando tirar Bolsonaro agora, que tal começar a trabalhar de verdade para que ele não seja reeleito? O fato é que vai ser preciso ganhar uma eleição em 2022. Se vierem com candidatos parecidos com os de 2018, vamos continuar na mesma.
Por que o Brasil se tornou campeão mundial da desordem na quarentena
Infelizmente, cumpriu-se o prognóstico de que o Brasil se tornaria um dos epicentros globais da pandemia. Na última quinta, 7, o país contabilizava cerca de 130 000 contaminados e havia superado a barreira das 9 000 mortes, a sexta maior marca de letalidade do planeta no ranking macabro da Covid-19. Com um governo hesitante e desorganizado no combate à doença, chegamos ao ponto crítico da crise sem conseguir aplicar até agora o único remédio capaz de conter a expansão rápida do coronavírus: o rigoroso isolamento social. Nessa questão, aliás, o Brasil já pode se considerar o campeão mundial da bagunça, tendo na liderança um presidente que nega desde o início o tamanho do problema e, de forma irresponsável, não perde a oportunidade de conclamar a necessidade de as pessoas voltarem às ruas. Depois de um começo promissor em março, a média de respeito à quarentena em território nacional vem caindo ao longo das semanas e, na terça passada, 5, o índice de adesão bateu em 42,4%, segundo dados da Inloco, plataforma de geolocalização que coleta informações de uma base de 60 milhões de celulares (veja quadro na pág. 48). Vale lembrar, o patamar recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para “achatar” a curva da Covid-19 é de 70%. Recorrendo-se a uma metáfora médica, o Brasil é como o paciente que interrompe precocemente o tratamento de antibióticos ao primeiro sinal de melhora, mas depois precisa aumentar a dose para ser curado, o que prolonga o tempo de agonia diante de uma grave enfermidade. Como se não bastasse, o efeito colateral da paralisação estendida nas contas do país é de uma recessão que pode levar a uma queda de quase 4 pontos no PIB em 2020. “Estamos no pior dos mundos: a adesão ao isolamento social é baixa e os negócios estão fechados. Não se têm nem os benefícios de um nem de outro”, afirma o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Enquanto a maior parte do Brasil ainda caminha no escuro, sem saber quando poderá voltar à normalidade, alguns estados à beira do colapso no sistema de saúde têm sido obrigados a decretar o chamado lockdown, política que bloqueia e limita drasticamente o trânsito de pessoas e veículos e suspende atividades não essenciais, estipulando punições severas para o descumprimento das regras. Desde o fim do mês passado a capital e três cidades do Maranhão estão sob esse regime. Pará e Ceará engrossaram recentemente essa lista. Nos últimos dias, o governo do Rio de Janeiro recebeu um pedido do Ministério Público para que estude a possibilidade de decretar a medida. “Consideramos que a situação é muito grave e a única possibilidade de segurar esse processo é uma radicalização do isolamento, isso é para ontem”, diz o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que integra o comitê científico fluminense de combate à Covid-19. Amazonas e Pernambuco também dificilmente escaparão do mesmo caminho, pois se encontram com a capacidade hospitalar praticamente esgotada. Em São Paulo, epicentro da pandemia no país, o governo de João Doria (PSDB) decretou o uso obrigatório de máscara a quem sair às ruas (as multas variam de 276 reais a 276 000 reais, além de detenção por um ano), mas ainda não discute chegar ao lockdown. Na capital do estado foram feitos testes durante dois dias com bloqueios parciais de trânsito para desestimular as pessoas a sair às ruas e avalia-se limitar a circulação de ônibus. Na sexta, 8, Doria prorrogou a quarentena no estado até o próximo dia 31. Organizadores de grandes eventos, como a tradicional festa de rodeio de Barretos, realizada anualmente em agosto no interior paulista, discutem agora se mantêm ou não o calendário (a estátua de 27 metros de altura de um peão que fica na entrada da arena em Barretos ganhou, na terça 5, uma máscara contra a Covid-19). O problema é que qualquer liberação neste momento envolve uma conta complexa e arriscada. “Não há como prever o pico da doença, o que temos são números concretos que dizem que ela está aumentando a cada semana”, afirma Paulo Lotufo, professor de epidemiologia da USP. “Já passamos a Alemanha e caminhamos para chegar ao mesmo patamar de França e Espanha.”
O resultado das auditorias internas da Oi sobre falcatruas com Lulinha
Na mira da Lava-Jato por causa da mesada milionária paga a Lulinha e sua Gamecorp durante os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, a Oi fez duas auditorias internas para mapear falcatruas e — surpresa! — nenhuma “ilegalidade” foi encontrada.
A Lava-Jato em Curitiba, até onde lhe foi permitido investigar o caso — agora em São Paulo –, descobriu que a história tinha de tudo, menos ausência de “indicativos de ilegalidade”.
Em dezembro, a operação divulgou 168 páginas de falcatruas envolvendo velhos conhecidos de um dos episódios mais rumorosos do governo Lula: o milagre da conversão de Lulinha em empresário de sucesso. Em um resumo simples, o papelório da Operação Mapa da Mina mostrou como a Gamecorp de Lulinha e dois amigos, Jonas Suassuna e Kalil Bittar, uma empresa de amadores, sem funcionários nem reputação de mercado, passou a faturar milhões de reais da noite para o dia junto a tubarões do setor de telefonia como a Oi — a história foirevelada por VEJA na célebre capa do “Ronaldinho”.
Foram os contratos milionários de Lulinha, Suassuna e Bittar com a tele que, segundo a Lava-Jato, bancaram o recanto de Lula nas montanhas de Atibaia,revelado por VEJA em 2015. O raciocínio para sustentar essa acusação é simples: a Oi, uma multinacional com interesses no governo Lula, pagou 132 milhões de reais em propinas a Lulinha e seus sócios. O dinheiro supostamente sujo era depositado na mesma conta bancária de onde saiu o dinheiro para a compra do sítio em Atibaia. Como VEJA revelou, Suassuna e Fernando Bittar, irmão de Kalil, são os donos formais da propriedade, comprada por 1,5 milhão de reais.
O pacote de evidências foram, na ocasião, acompanhado por 146 anexos. São extratos de depósitos bancários, e-mails, mensagens de celular, depoimentos, contratos empresariais… Reunida em ordem cronológica, a papelada fornece um poderoso cenário sobre movimentações financeiras de Lulinha e sua turma com grandes empresas. O cheiro de que há, de fato, algo muito podre na história está presente. VEJA