‘Deputados da internet’
Por Lauriberto Pompeu e Victoria Abel— Brasília / O GLOBO
Mesmo durante o recesso do Congresso, parlamentares bolsonaristas estão em Brasília. Eles se reuniram e decidiram apresentar uma lista de demandas e tentaram que as férias legislativas fossem canceladas, mas o pedido não foi atendido por Motta e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
— Isso (fazer sessão durante o recesso) é um absurdo. Como derrubo uma agenda com o prefeito de São Paulo? Não é assim, a gente tem uma programação. Dá para fazer por videoconferência, mas ir a Brasília é para deputado da internet. Deputado que trabalha não pode ir a Brasília a qualquer momento — disse o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), da ala do partido menos ligada ao bolsonarismo, mas próximo do presidente da legenda, Valdemar Costa Neto.
Deputados da oposição tentaram convocar sessões de comissões para aprovar homenagens a Bolsonaro. As reuniões foram canceladas por determinação de Motta, que justificou a decisão sob o argumento de que os encontros durante o recesso “restringem a participação dos demais componentes das referidas comissões” e que não haveria “heterogeneidade de ideias”.
Os reveses já vinham ocorrendo mesmo antes da fase mais aguda de desgastes. Um requerimento de urgência do projeto de anistia, que permite acelerar o texto e votá-lo direto em plenário, nunca foi votado mesmo tendo as assinaturas necessárias desde abril.
Outras medidas que restringem a ação do STF, aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no ano passado, quando o colegiado era presidido pela deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC), também nunca chegaram a ser pautadas pelo plenário.
Outra iniciativa, sem relação com o enfrentamento político de Bolsonaro com o Supremo, mas cara à direita na pauta de costumes, que é o projeto que restringe a prática do aborto legal após a 22ª semana de gravidez, também nunca foi pautada. O texto, do líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), já tem a urgência aprovada, o que permitiria pular as fases das comissões, mas a iniciativa nunca andou.
O cenário não é diferente no Senado, onde Alcolumbre resiste a colocar em votação pedidos de impeachment contra ministros do STF. O mais recente foi apresentado ontem pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) contra o ministro Alexandre de Moraes, mas não há perspectiva de ser colocado em votação. Alvo de críticas por ter saído de férias enquanto o pai está na mira do STF, Flávio antecipou o retorno e desembarcou ontem em Brasília.
Alcolumbre também atuou junto a Motta para tentar esfriar a pressão para pautar a anistia. Ele chegou a escalar o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e os senadores Sergio Moro (União-PR) e Alessandro Vieira (MDB-SE) para construírem uma versão reduzida da anistia, mas um projeto nunca chegou a ser apresentado nesse sentido.
‘Vida difícil’ para todos
Além disso, há dificuldades para achar uma solução para que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos Estados Unidos e é investigado por tentar articular medidas contra o STF e já disse que teme ser preso ao voltar ao Brasil, não perca o mandato por faltas. (leia mais na página 6)
Ainda que o cenário de momento seja conturbado para a oposição, líderes partidários ponderam que isso não necessariamente vai significar um clima mais ameno ao governo. Em meio a uma queda de braço envolvendo o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o veto que derrubou o projeto que aumenta o número de deputados, a tendência é que o Congresso também imponha novas derrotas à gestão Lula a partir de agosto, quando acabar o recesso.
— Hugo Motta está distante das demandas extremas. Isso é bom senso. Outras pautas e posições da direita foram respeitadas e votadas, como a derrubada do IOF, por exemplo. O governo vai continuar tendo vida difícil, porque optou pelo enfrentamento com o Legislativo — avalia o líder do PDT na Câmara, Mário Heringer (MG).