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Tasso diz que redução do Bolsa Família no Nordeste pode causar rompimento da região com governo

Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo

06 de março de 2020 | 20h54 

BRASÍLIA - A redução da participação do Nordeste nas novas concessões de benefícios do Bolsa Família despertou a reação de parlamentares e órgãos de controle. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) alertou que o fato pode significar o rompimento da região com o governo federal. Já o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) pediu a abertura de uma auditoria para verificar a regularidade das concessões do programa.

Tasso, que foi relator da reforma da Previdência e é considerado alinhado à agenda de reformas da equipe econômica, divulgou um vídeo em suas redes sociais chamando a menor distribuição de benefícios para o Nordeste de "extravagância perversa". A região que concentra o maior número de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza no País.

"Isso pode significar o rompimento do Nordeste com o governo federal", avisou. A bancada do Nordeste tem 151 deputados e 27 senadores.

Como revelou o Estado, o governo priorizou, em janeiro, famílias das regiões Sul e Sudeste, que ficaram com 75% das novas concessões, em detrimento das famílias do Nordeste, que responderam por apenas 3% das inclusões.

O senador diz ainda que vai pedir a convocação do ministro da CidadaniaOnyx Lorenzoni, ao Congresso Nacional para dar explicações sobre as concessões do programa social. Quando um ministro é convocado, ele é obrigado a comparecer. Do contrário, comete crime de responsabilidade.

O subprocurador-geral do MP-TCU, Lucas Rocha Furtado, que pediu a abertura da auditoria, alerta que uma “política discriminatória” no programa, se confirmada, configurará “flagrante desvio de finalidade pública”.

Antes de ter sua fatia nas concessões do Bolsa Família reduzida a 3% em janeiro de 2020, o Nordeste vinha respondendo por 35% a 39% dos novos benefícios ao longo de 2019, segundo levantamento feito pela reportagem.

A queda na participação da região ocorreu justamente em janeiro, mês de desrepresamento de pedidos, com 100 mil novas concessões. A liberação maior veio após sete meses de freio no programa social, em que a média de inclusões ficou em torno de 6 mil ao mês.

Em fevereiro, quando houve novo freio nas concessões, o Nordeste voltou a responder por uma fatia maior de novos benefícios: 39,5%. Nesse mês, foram apenas 4,8 mil novos contemplados, 1,9 mil deles nordestinos.

O Ministério da Cidadania diz em nota que “são priorizadas as cidades que apresentam menor percentual de cobertura do programa frente à estimativa de famílias em situação de pobreza”. Mas a pasta não detalhou as razões para a fatia do Nordeste ter caído mais de dez vezes justamente num mês de maior liberação de benefícios.

A região permanece como a mais atendida pelo programa social no País, com 6,8 milhões de famílias recebendo o benefício. No entanto, o Nordeste também é o recordista em número de famílias em condição de pobreza ou extrema pobreza que ainda não foram contempladas pelo Bolsa Família: 1,3 milhão.

Especialistas ressaltam que a taxa de pobreza é de 22% na região, o dobro da média no País. Além disso, o Nordeste foi a região que teve uma das maiores perdas na renda das famílias com a crise econômica.

“Cresceu o número de pessoas que voltam a passar fome, se tornam pedintes, cresceu o número de pessoas de rua”, diz o governador do Piauí, Wellington Dias (PT). Os governadores do Nordeste se articulam para acionar a bancada da região no Senado em busca de apoio na cobrança do governo por explicações.

“O crescimento do desemprego, o emprego precário e a porta fechada para acesso a um programa emergencial como o Bolsa Família aumentam nosso desafio de sustentar uma rede de proteção aos mais pobres", afirma Dias.

A polêmica em torno do atendimento à fila de espera do Bolsa Família abriu outra frente de debates sobre o encolhimento do programa num momento de ajuste fiscal. O professor Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem dito que o enxugamento do Bolsa Família representa um “ajuste em cima dos pobres”.

Os critérios de concessão também estão na berlinda. Segundo informação do próprio Ministério da Cidadania, são priorizadas as cidades que apresentam menor percentual de cobertura do programa na comparação com a estimativa de famílias em situação de pobreza. Só que essa estimativa leva em conta o Censo Demográfico de 2010 – que já não retrata fielmente a renda das famílias nas regiões, sobretudo num momento após crise econômica. Com isso, a cobertura nas regiões poderia estar superestimada nos Estados mais pobres, que já contam com maior número de benefícios concedidos, mas ainda têm uma longa fila que não é levada em consideração nas novas concessões.

O pesquisador Luis Henrique Paiva, que já foi secretário Nacional de Renda de Cidadania e hoje atua no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia ser difícil ter havido direcionamento intencional nas concessões dos benefícios. Para ele, o mais provável é que a combinação de um represamento de benefícios com a menor cobertura em municípios das regiões Sul e Sudeste (considerando os dados do Censo de 2010) tenha resultado na divisão. “Mas isso não pode desviar de um contexto maior de que de fato o programa não parece ter os recursos orçamentários adequados”, diz.

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Tasso Jereissati (PSDB-CE) foi relator da reforma da Previdência no Senado e defendeu a PEC Paralela Foto: Dida Sampaio/Estadão

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