Decisões do STF não bastam para moralizar emendas
FOLHA DE SP / EDITORIAL
Nos últimos anos tem havido esforços para ao menos moralizar as emendas apresentadas por deputados e senadores ao Orçamento, que alcançaram volumes descabidos.
Decisões do Supremo Tribunal Federal impuseram critérios mínimos de transparência na apresentação e na execução desses gastos, enquanto a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal deram início a apurações diversas de malversação do dinheiro do contribuinte.
Nada disso, no entanto, muda o contexto político que deu origem à hipertrofia das emendas —o enfraquecimento do Executivo federal desde Dilma Rousseff (PT), há cerca de uma década, e o avanço de um Congresso Nacional dominado por partidos especializados em se apropriar de recursos da máquina pública.
Em tal cenário, controlar a avidez parlamentar se torna algo semelhante a tapar com os dedos as rachaduras de um dique.
Assim se vê com o arranjo no Ministério da Saúde, revelado pelo UOL e recém-esmiuçado pela Folha, por meio do qual deputados e senadores orientam o envio de verbas para seus redutos eleitorais sem a necessidade de apresentação formal de emendas, driblando exigências do STF.
Fora a identificação transparente do padrinho da despesa, todo o restante transcorre como numa emenda individual. O parlamentar trabalha pela destinação de dinheiro a uma cidade, em geral para uma obra paroquial, conforme tratativas com políticos e gestores municipais.
As distorções desse modelo são conhecidas. Os recursos são pulverizados em uma miríade de pequenos projetos, atendendo aos interesses dos grupos locais de poder —ou também, nos piores exemplos, a negócios de parentes e aliados. Mas a pasta da Saúde assevera que todos os repasses estão seguindo critérios técnicos.
Podem-se imaginar os fabulosos critérios técnicos que levam deputados e senadores —já donos de exorbitantes R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano, em emendas individuais e coletivas— a se engajarem nas minudências de investimentos do ministério e receberem os créditos pelas verbas nas redes sociais.
Há muito a Saúde, que dispõe de R$ 60 bilhões anuais para gastos discricionários, é alvo da cobiça das legendas fisiológicas associadas ao centrão. Esse foi um dos fatores de pressão sobre a ex-ministra Nísia Trindade, substituída em fevereiro por Alexandre Padilha, até então responsável pela articulação política do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A coalizão frágil de Lula deixa poucas escolhas ao Planalto além de se submeter à voracidade do Congresso. Não por acaso, a Câmara deu nova mostra de desfaçatez nesta quarta-feira (13), ao aprovar, em votações-relâmpago, a destinação de R$ 10,5 bilhões em emendas de comissão, sem debate nem transparência.
Mais que de ordens do STF, a correção dessa anomalia dependerá de um longo trabalho de reequilíbrio político e institucional.