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Delator implica Cunha, e Lava Jato avança sobre "campeãs nacionais" da era petista

Ao deixar o emprego no banco Itaú, o executivo Fábio Cleto passou a operar, em 2011, um fundo de investimentos próprio. Conhecia do mercado financeiro Lúcio Funaro, um operador de fama ruim, acusado de operações ilícitas e envolvido no escândalo do mensalão. Sabia que Funaro era, também, próximo do deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro.

Não sabia que naquele momento, em Brasília, políticos tinham dificuldades para emplacar alguém numa cobiçada vice-presidência da Caixa, em razão das exigências técnicas feitas pelo Ministério da Fazenda. Três nomes já haviam sido barrados. Cleto não sabia, mas era o homem certo, na hora certa. Sem qualquer conhecido em Brasília, foi o escolhido para ocupar aquele naco do Estado destinado aos políticos. O emprego era obra de Lúcio Funaro, que o recomendara a Cunha – que, por sua vez, avalizara a indicação com o então líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves. Estava feito. Cleto nem sequer encontrara Cunha. Mas sabia, por Funaro, que haveria benefícios no cargo – leia-se, propina. 

Eduardo Cunha e Joesley Batista (Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO, Marcelo Min/Fotogarrafa / Editora Globo)

No mesmo dia que sua nomeação foi publicada no Diário Oficial, 7 de abril de 2011, sob a assinatura da presidente Dilma Rousseff e do ministro Guido Mantega, Funaro telefonou e chamou Cleto para uma reunião em seu escritório, em São Paulo. Não era para comemorar. Ao chegar ao local, Cleto foi abordado por um carro e recebeu um envelope. Continha três folhas, com um documento no qual Cleto comunicava sua renúncia ao cargo que nem assumira na Caixa. Cleto foi obrigado a deixar o documento assinado com Funaro. Caíra numa armadilha. Caso não seguisse as ordens, Funaro apresentaria a carta e ele perderia o cargo. Uma semana depois, Cleto teve a primeira reunião com Eduardo Cunha. O deputado foi objetivo: tinha interesse em projetos apresentados por empresas ao Conselho do FI-FGTS, um fundo bilionário, formado com dinheiro dos trabalhadores, e que investe em infraestrutura. Como vice da Caixa, Cleto seria uma das pessoas a decidir sobre a liberação de milhões de reais mediante pedidos das empresas. Cunha deu três ordens a ele: sempre informar quais eram as empresas interessadas no fundo, votar como ele mandasse e, por fim, encontrá-lo semanalmente todas as terças-feiras, às 7h30 da manhã, em sua casa; conversas, apenas pelo aplicativo BBM do celular BlackBerry. Cleto tornara-se escravo dos interesses econômicos de Eduardo Cunha em Brasília, sob o chicote de Funaro. 

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Em troca de um acordo de delação premiada, Fábio Cleto contou aos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato tudo o que fez de ilegal durante quatro anos sob as ordens de Eduardo Cunha. Na sexta-feira, dia 1º, os frutos do que ele disse apareceram nas ruas. A Polícia Federal deflagrou a Operação Sépsis, uma nova etapa da Lava Jato. Prendeu Lúcio Funaro, entre outros, e fez buscas e apreensões de provas das irregularidades em diversas empresas. No episódio mais rumoroso da operação desta semana, a polícia esteve em São Paulo na casa do empresário Joesley Batista, sócio da holding J&F, proprietária da JBS, da marca de carnes Friboi, e na sede da empresa. Os agentes buscaram documentos que ligam uma subsidiária da J&F, a Eldorado Celulose, às fraudes operadas por Cleto no FI-FGTS. Desse modo, por meio da Sépsis, a Lava Jato chega ao mundo ainda inexplorado das campeãs nacionais, empresas que cresceram nos últimos anos não tanto pelo tino capitalista de seus gestores, mas por sua capacidade de relacionar-se com quem tinha as chaves dos cofres públicos nos governos Lula e Dilma. As gestões petistas deram aval para que fundos e bancos públicos investissem nessas empresas – muitas vezes em relações promíscuas, pautadas mais pelo critério da geração de propina do que pela viabilidade econômica, como se vê pela investigação. O FI-FGTS fatalmente levará a Lava Jato a investigar financiamentos dados por bancos públicos. Muitas empresas que ainda não surgiram na Lava Jato aparecerão em breve. Os empresários experimentarão aquela sensação de instabilidade que atormenta os políticos há dois anos. Esta semana foi apenas o começo disso.

O ex-vice presidente da Caixa,Fábio Cleto (Foto: ABR)
Cópia do contrato da J&F (Foto: Reprodução)

No período em que Cleto diz ter agido a mando de Cunha, entre 2011 e 2015, o FI-FGTS investiu R$ 11,7 bilhões em empresas. ÉPOCA teve acesso à delação de Fábio Cleto, na qual ele relata com detalhes um punhado de projetos nos quais atuou e que renderam dinheiro sujo ao esquema. Entre eles está uma propina paga pelo maior grupo privado em receita do Brasil, a holding J&F.  A Eldorado Celulose recebeu R$ 940 milhões do FI-FGTS em um projeto de celulose em Mato Grosso do Sul, chamado Eldorado Brasil. Pelo mecanismo oficial, após o projeto ser aceito, o FI-FGTS comprava as debêntures das empresas, títulos de dívida com rentabilidade fixa. Para empresas, trata-se de uma alternativa comum para obter crédito e mais vantajosa que o crédito bancário para bancar investimentos. Cleto afirma que tratou da questão da Eldorado diretamente com Joesley, o presidente da J&F. Constrangimento para o governo Michel Temer, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, era presidente do banco Original, controlado pela J&F.

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Na delação, Cleto afirma aos procuradores que foi apresentado a Joesley por Lúcio Funaro, em meados de 2011, no apartamento do operador, em São Paulo. O delator afirma que teve diversos encontros com Joesley, inclusive em uma viagem ao Caribe, para mostrar que tinha influência dentro da Caixa para viabilizar os negócios. O delator narra que, como fazia sempre nas reuniões semanais, informou a Eduardo Cunha da operação. Recebeu o sinal verde para atuar em favor da Eldorado. O roteiro seguiu como combinado, e Cleto foi então comunicado que receberia R$ 680 mil a título de propina. Detalhe importante: segundo Cleto, foi o próprio Cunha quem lhe avisou do valor. Cleto mantinha um registro e colocou em uma planilha o nome “Eldorado”, a data “1/11/2012” e os valores “R$ 940 milhões” e “R$ 680 mil”. Aos investigadores, Cleto explicou que a data na tabela não era, necessariamente, quando houve o pagamento, mas quando ele tinha a confirmação de que o projeto fora acertado. E recebeu dele, como propina, R$ 680 mil depois que conseguiu jogar dinheiro dos trabalhadores, do FGTS, na Eldorado. A partir daí, é possível chegar a cerca de R$ 13 milhões de propina para Cunha só nessa operação, já que, segundo Cleto, o deputado ficava com 80% e ele com 4%. As negociações de Joesley Batista prosperaram, e a Eldorado Celulose conseguiu R$ 940 milhões do FI-FGTS.

Cleto conta em sua delação que, cerca de um ano após a emissão das debêntures, a Eldorado pediu para descumprir parte dos “covenants” pré-acordados, cláusulas contratuais que protegem o credor – no caso, o FI-FGTS. Isso aconteceu, segundo o delator, porque a empresa precisava descumprir o combinado, ainda que temporariamente. O tal “covenant”, de acordo com a delação, impedia a empresa de fazer uma dívida superior à indicada no contrato. De novo, segundo Cleto, houve uma ordem clara para dar apoio à demanda da Eldorado, mesmo que fosse incomum alterar esse tipo de cláusula numa operação financeira tão complexa e, em último caso, colocar o fundo sob o risco de perder dinheiro. Cleto disse que foi informado que receberia R$ 1 milhão pela mudança, mas que não chegou a ver o dinheiro. Registros da Junta Comercial acostados à delação mostram, de fato, as alterações.

O empresário Henrique Constantino,da família  proprietária da Gol (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

A Sépsis é arrasadora para Eduardo Cunha. Os relatos de Cleto mostram o presidente afastado da Câmara como chefe do esquema, no comando direto das operações, arbitrando tarefas e informando aos comparsas sobre o fluxo de propina. Cunha fazia isso nos encontros de terça-feira de manhã com cleto em seu espaçoso apartamento na 311 Sul, em Brasília – depois que o parlamentar se tornou presidente da Câmara, passaram a ser na residência oficial, no Lago Sul. O objetivo do encontro era vazar informações das reuniões internas da Caixa e antecipar operações financeiras sigilosas de empresas com o Fundo. O verdadeiro chefe de Cleto era Eduardo Cunha. Por ele, Cleto contrariou todos os acordos de confidencialidade que teve de assinar ao assumir o cargo na Caixa. Era a Cunha que Cleto devia lealdade, era de Cunha que recebia ordens para dificultar – ou facilitar – a vida das empresas interessadas nos investimentos do FI-FGTS e a quem prestava contas. Simples: sob as ordens de Cunha, Cleto mandava às favas os critérios técnicos e liberava dinheiro público a empresas que pagassem propina. Seu papel era dar o verniz técnico às ordens de Eduardo Cunha e repassar uma espécie de mapa do achaque.

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Os projetos citados por Cleto em sua delação premiada passam de R$ 6 bilhões. Como chefe do esquema e responsável pela indicação de Cleto na Caixa, Cunha tinha direito à maior parte, 80% do valor arrecadado. A fatia de Cleto era infinitamente menor, de 4%. Aos procuradores, ele admitiu que ganhou pelo menos R$ 1,8 milhão pelo trabalho. Feitas as contas aos procuradores, Cleto estima que Eduardo Cunha recebeu mais de R$ 36 milhões de propina por sua atuação. Os valores, contudo, podem ser maiores, uma vez que Cleto nunca teve acesso aos acertos do deputado com os empreiteiros. Segundo ele, era Cunha quem definia com as empresas o valor da propina. Por isso, na delação, Cleto também não soube dizer aos investigadores quem eram os operadores nas empresas ou qual o total arrecadado pelo esquema. Além de Cunha, o delator afirma que o resto da propina ficava com os responsáveis pela parte financeira do negócio – entre eles, Lúcio Funaro, operador de Cunha. época

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