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Entenda suposto esquema de desvios no Sistema S que tornou réus dois advogados de Lula

Italo Nogueira / FOLHA DE SP
RIO DE JANEIRO

A Polícia Federal deflagrou na manhã desta quarta-feira (9) a Operação E$quema S para investigar um suposto esquema de tráfico de influência no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no TCU (Tribunal de Contas da União) com desvio de recursos públicos do Sistema S.

De acordo com o Ministério Público Federal, os denunciados desviaram R$ 151 milhões do Sistema S, que inclui instituições como Sesc, Sesi e Senac, bancado em parte com dinheiro público, arrecadado com contribuição compulsória de empresas.

Entre os alvos de mandados de busca e apreensão estão os advogados do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, acusados de liderar o esquema, e parentes de ministros do STJ e do TCU, entre eles Eduardo Martins, filho do presidente do STJ, Humberto Martins.

Zanin e Teixeira já são réus em ação penal aberta sobre esses fatos pelo juiz Marcelo Bretas, da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.

Também é investigado por desvios no Sistema S o advogado Frederick Wassef, que defendeu a família do presidente Jair Bolsonaro até junho. Ele teria se beneficiado dos repasses por meio de um outro grupo que também atuava na Fecomércio RJ (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Sem vínculo com o Sistema S, a entidade é formada por 59 sindicatos patronais.

Parte da investigação foi baseada na delação de Orlando Diniz, presidente da Fecomercio, Sesc e Senac Rio por quase 20 anos. O empresário foi preso em 2018 na Operação Jabuti, sob acusação de participar da lavagem de dinheiro do ex-governador Sérgio Cabral.

Quais são as acusações contra os advogados? O Ministério Público afirma que os advogados Cristiano Zanin, Roberto Teixeira e Ana Teresa Basílio formaram o “núcleo duro” da organização criminosa que supostamente desviou recursos do Sistema S do Rio de Janeiro.

Os escritórios dos três eram contratados para atuar em favor dos interesses pessoais de Orlando Diniz na disputa jurídica pelo controle do Sesc/Senac Rio iniciada em 2012. Embora atendessem aos interesses particulares do empresário na briga do Sistema S, o MPF afirma que os contratos com os defensores eram assinados com a Fecomércio, que não tinha relação direta com o caso.

Fazer os contratos e pagamentos em nome da Fecomércio tinha como objetivo, segundo os investigadores, fugir da fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União) e da CGU (Controladoria Geral da União) em relação aos gastos do Sesc/Senac, que recebem verba pública.

Em razão disso, as duas entidades —chamadas de paraestatais pela Procuradoria— devem respeitar regras semelhantes às de licitações públicas, ainda que com exigências específicas.

Boa parte do dinheiro para custear os serviços advocatícios, porém, tinha como origem justamente os cofres do Sistema S, por meio de um acordo privado entre as três entidades para rateio de despesas. Na prática, Sesc e Senac bancavam a maior parte desses contratos, segundo a Procuradoria.

Isso foi possível porque Diniz comanda as três entidades desde 2004.

Um dos crimes, para o Ministério Público, é o uso do dinheiro público sem licitação e critérios para definição de preços.

Além disso, Zanin e Teixeira ofereceram, ainda segundo Diniz, uma “solução política” para o caso, sugerindo influência em decisões nos tribunais superiores. Essa atuação ocorreu, de acordo com a denúncia, através da contratação de outros escritórios ligados a ministros do STJ e do TCU.

Entre eles estão o ex-ministro César Asfor Rocha (STJ) e seu filho Caio Rocha, os advogados Eduardo Martins, filho do presidente do STJ, Humberto Martins, e Tiago Cedraz, filho do ministro do TCU Aroldo Cedraz.

Algum ministro recebeu propina? As investigações não indicam o recebimento de propina por parte de ministros. Há indicação apenas de corrupção de um servidor de carreira do TCU.

Os advogados são acusados de tráfico de influência e exploração de prestígio, que consiste no oferecimento de vantagens a uma pessoa por suposto acesso privilegiado a autoridades. Para o MPF, a interferência na decisão de um magistrado não precisa se concretizar para que o crime fique configurado.

A delação de Orlando Diniz foi analisada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) antes de ser enviada à Justiça Federal do Rio de Janeiro. A PGR entendeu que os elementos ali descritos não indicavam provas de corrupção de ministros do STJ ou do TCU, o que exigiria trâmite no STF, em razão do foro especial atribuído a esse cargo.

Como a exploração de prestígio foi provada? Os procuradores afirmam que Zanin e Teixeira concentraram a articulação de outros advogados para, de acordo com o MPF, influenciar decisões em tribunais superiores.

Além disso, alguns dos escritórios indicados pela dupla receberam valores milionários sem ter uma atuação efetiva em processos judiciais, segundo o MPF.

A falta de atuação foi apontada pelos procuradores através de checagem das informações prestadas pelos escritórios à auditoria interna feita pela Fecomércio.

Em alguns casos, as respostas foram consideradas vagas, sem a indicação de processos em que houve atuação. Em outros, a única movimentação em nome do advogado é a inclusão de uma procuração ou atos assinados junto com outros colegas que, de acordo com a investigação, de fato atuaram.

Eles apontam ainda indícios, com base em trocas de emails e documentos de processos, que os contratos eram assinados com a Fecomércio apenas após os pagamentos para dar cobertura aos repasses. A assinatura se dava, segundo os investigadores, com data retroativa.

O volume pago pelos serviços também foi considerado excessivo pelo MPF, indicando um repasse para cobrir além dos serviços advocatícios. Essa conclusão se deu a partir da comparação do valor pago pela Fecomércio aos escritórios com os demais clientes dessas firmas.

Em 14 dos 15 escritórios investigados, a entidade se tornou o principal cliente das bancas no período em que estiveram a elas vinculada. Em alguns casos, o valor pago representava mais de 90% do faturamento da banca advocatícia.

Também chamou a atenção dos investigadores o fato de o escritório do advogado Sérgio Bermudes, que atuava em favor de Diniz antes da chegada de Zanin e Teixeira, ter recebido R$ 195 mil entre 2011 e 2012. O valor é bem menor do que o pago nos anos posteriores.

A atuação extrajudicial também foi indicada em email de Diniz a seus advogados após uma derrota nos tribunais. “Estamos perdendo no Judiciário e na política de goleada.”

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Foi usado dinheiro público no suposto esquema? O Sesc e o Senac são financiados por meio de contribuição compulsória de empresas com base num percentual sobre a folha salarial. O recolhimento e fiscalização sobre o pagamento é feito pela Receita Federal e repassado diretamente para o Sistema S.

As entidades não são públicas, mas são consideradas paraestatais pelo Ministério Público Federal por serem bancadas por uma contribuição compulsória fiscalizada por um órgão público federal.

Decisões anteriores de tribunais têm entendimento semelhante, impondo inclusive que o sistema siga regras semelhantes ao poder público. Entre elas está a necessidade de licitação, ainda que com regras mais flexíveis, para a contratação de serviços.

A Procuradoria afirma que, inicialmente, Diniz repassou aos escritórios de Zanin e Teixeira e outros por eles indicados valores do caixa da Fecomércio, sem vínculo com Sesc/Senac. Como recursos dessa entidade começaram a acabar, foi criada uma estrutura legal para que dinheiro do Sistema S fosse escoado para a Fecomércio para fazer frente aos gastos que cresciam.

Isso foi possível porque Diniz comandava tanto Sesc/Senac como a Fecomércio.

O que motivou a contratação de tantos escritórios? De acordo com o Ministério Público Federal, os escritórios foram contratados para atuar na briga jurídica provocada pela disputa do comando do Sistema S no Rio de Janeiro.

A gestão Orlando Diniz, iniciada no fim da década de 1990, passou a ser alvo de intensa fiscalização do Conselho Fiscal do Sesc Nacional, culminando com um relatório de 2011 que provocou seu afastamento do cargo no ano seguinte. Entre as irregularidades apontadas estavam o superfaturamento e desvio de finalidade nos convênios e patrocínios firmados pela regional.

A fiscalização sobre a gestão provocou o afastamento de Diniz do cargo no Sistema S, iniciando a briga jurídica em torno do comando das entidades. Em paralelo, novas investigações do TCU apontaram irregularidades no Sistema S e, posteriormente, no uso da Fecomércio para realizar gastos com dinheiro público.

O amontoado de processos sobre o comando das entidades e fiscalizações foi usado como subterfúgio, segundo Diniz relatou aos procuradores, para que Zanin e Teixeira apresentassem constantemente novos escritórios para serem contratados.

O MPF afirma que houve exploração de prestígio e tráfico de influência na apresentação desses novos advogados.

O ex-advogado de Jair Bolsonaro tem alguma relação com os defensores do ex-presidente Lula? As investigações não apontam conexão direta entre os fatos apurados sobre eles.

Zanin e Teixeira são acusados de organizar o grupo de advogados na batalha jurídica que, segundo o MPF, desviou ilegalmente R$ 151 milhões do Sistema S. Eles e outras 23 pessoas já são rés em ação penal aberta no mês passado pelo juiz Marcelo Bretas.

O advogado Frederick Wassef, que defendeu a família Bolsonaro até junho, é investigado porque recebeu R$ 2,7 milhões indiretamente da Fecomércio, por meio do escritório da procuradora aposentada Luiza Eluf, que firmou contrato com a entidade.

A contratação de Eluf se deu, segundo Diniz, por indicação de Marcelo Cazzo, inicialmente responsaável pela publicidade da Fecomércio.

Cazzo passou a influenciar a estratégia jurídica a partir de 2016. Nesse período, Zanin e Teixeira começaram a se afastar do ex-presidente da Fecomércio e não tiveram relação com a ex-procuradora.

O que dizem os advogados investigados? Cristiano Zanin disse em nota que o valor recebido por seu escritório se deve ao volume de trabalho da causa.

Ele afirmou que possui um laudo elaborado por auditores independentes que comprovam atuação do escritório em favor da Fecomércio. De acordo com ele, entre 2011 e 2018, o trabalho envolveu 77 profissionais, 12.474 horas de trabalho e cerca de 1.400 petições.

Declarou também que o caso em que atuou teve “grandes proporções, classificado como uma
'guerra jurídica' por alguns veículos de imprensa à época, entre a Fecomércio/RJ e a
Confederação Nacional do Comércio (CNC), duas entidades privadas e congêneres de
representação de empresários e comerciantes”.

“Cada uma delas contratou diversos escritórios de advocacia para atuar nas mais diversas frentes em que o litígio se desenvolveu”, disse.

O ex-ministro César Asfor Rocha disse, em nota, que "as suposições feitas pelo Ministério Público em relação a nosso escritório não têm conexão com a realidade".

"Jamais prestamos serviços nem recebemos qualquer valor da Federação do Comércio do Rio de Janeiro, tampouco de Orlando Diniz", diz o ex-ministro.

O filho de Asfor, Caio Rocha, declarou que seu escritório jamais prestou serviço para a Fecomercio.

"Procurados em 2016, exigimos, na contratação, que a origem do pagamento dos honorários fosse, comprovadamente, privada. Como a condição não foi aceita, o contrato não foi implementado. O que se incluiu na acusação do Ministério Público são as tratativas para o contrato que nunca se consumou", disse o advogado.

Wassef declarou, em nota, que nunca foi contratado ou pago pela Fecomércio.

"Fui contratado por um renomado escritório de advocacia criminal de São Paulo que tem como dona uma conhecida procuradora do Ministério Público de SP [Luiza Eluf]. Sua biografia é um exemplo de integridade, retidão e honestidade, além de ter dedicado sua vida no combate ao crime como atuante promotora e procuradora de justiça que foi", disse ele.

O escritório Basilio Advogados afirmou que atuou entre 2013 e 2017 em mais de 50 processos da Fecomercio, tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal. "Todos os nossos advogados trabalham de forma ética e dentro da legalidade. O escritório confia na Justiça e está à disposição para qualquer esclarecimento".

Martins e Cedraz não comentaram o caso até a publicação desta reportagem.

 
 
 

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