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A necessidade não conhece princípios

A carga tributária brasileira tem crescido, desde 1996 (26,74%), de forma constante, salvo o pequeno hiato de 2009, estando, segundo os dados disponíveis da Receita Federal em 2013, no patamar de 35,95% do PIB. A OCDE publicou em dezembro do ano passado, para 2012, as cargas tributárias da maioria dos países, apresentando para Reino Unido (33,05%), Canadá (30,69%), Japão (29,5%), Turquia (27,61%), Austrália (27,2%), Coreia do Sul (24,76%), EUA (24,38%), Chile (21,39%) e México (19,59%) cargas menores que a do Brasil, que naquele ano, segundo a Receita, ficou em 35,86%. A carga tributária brasileira, portanto, encosta na da Alemanha (36,35%). Na maioria desses países, porém, os serviços públicos são de qualidade infinitamente superior à dos prestados no Brasil.

O alto peso dos tributos tem sido fruto da crise gestada por equivocada política governamental, com contração do PIB, aumento da inflação e do desemprego, concessão de seguidas moratórias objetivando fazer caixa, pressão dos órgãos fazendários para obter receita com a lavratura de duvidosos autos de infração, retirada de incentivos setoriais, alargamento das despesas públicas de custeio, mesmo em ano de ajuste fiscal, além de outros subterfúgios.

À evidência, um dos fatores da descompetitividade nacional em relação a outros países, desenvolvidos ou emergentes, é a irracionalidade dessa política tributária, pois sua imposição encarece todos os nossos produtos no mercado internacional, sobre afetar a concorrência no mercado interno. A queda das importações em meados de 2015 não decorreu da melhoria e da maior competitividade dos produtos brasileiros, mas da falta de dinheiro, do aumento do desemprego, da inadimplência do consumidor (54 milhões de brasileiros estão inadimplentes) e da fragilização do setor produtivo brasileiro.

Além de irracional, a carga tributária decorre de uma legislação mal feita, que exige, nas três esferas de governo, um imenso custo operacional das empresas para atender às imensas exigências burocráticas do governo. Nunca é demais lembrar o levantamento feito pelo Banco Mundial segundo o qual a média de horas perdidas, anualmente, pelas empresas nacionais para atender às exigências fiscais é de 2.600, ante menos de 400 nos EUA e na Alemanha. À nitidez, uma legislação complexa exige um quadro fiscalizatório enorme - entre fiscais, procuradores da Fazenda, auditores, membros do Ministério Público -, a ser pago pelo contribuinte.

Acresce-se, ainda, a denúncia feita pelo jornal O Estado de S. Paulo em 3/1/2015 (página A3), de que o Poder Executivo federal tem 757.158 cargos efetivos (concursados), 113.869 cargos de confiança e 20.922 contratos temporários de trabalho, sendo de responsabilidade direta da Presidência 23.008! Os próprios comissionados que foram concursados em outras áreas ganham mais em suas novas funções. Lembra o jornal que nos EUA os cargos de confiança estão em torno de 4 mil e na Alemanha, 600!

Se considerarmos, ainda, os encargos trabalhistas e o nível de juros a que estão os empresários brasileiros sujeitos - ambos entre os mais onerosos do mundo -, há de se compreender o que alertei em 1991, em artigo escrito para este jornal, sobre O custo político da Federação. Dizia à época - e lembro-me de que o saudoso amigo Ruy Mesquita se divertia a repetir a expressão - que “a Federação brasileira não cabia no PIB”, algo que, em recente artigo, o presidente do Senado repetiu, ao afirmar que “o Estado Brasileiro não cabe no PIB”.

Ora, neste quadro de recessão do PIB, aumento da inflação, elevação do nível de desemprego, pensar em elevar a carga tributária é, indiscutivelmente, retirar o pouco de competitividade que a sociedade empresarial brasileira ainda tem, pois se atingem os que podem gerar empregos e desenvolvimento, para inchar uma máquina burocrática esclerosada, em que, nos três Poderes, os ajustes de vencimentos este ano vão muito além da inflação. Mesmo sem CPMF, projetam-se aumentos.

Dizia o famoso jusfilósofo alemão Konrad Hesse que “a necessidade não conhece princípios”. E creio que a necessidade dos detentores do poder de nele se manterem está levando a esta louca tentativa de aumento de tributos, a qual afastará investimentos (grandes fortunas e transmissões), onerará os produtos e o custo do dinheiro (contribuição social sobre o lucro para os bancos), acenando-se, em contrapartida, com um corte de mil concursados entre os 113 mil e redução de ministérios, com o risco de apenas se mudarem os seus rótulos.

Não há, todavia, nenhum projeto efetivo de redução, senão uma agenda de propostas genéricas e não especificadas, num arrependimento tardio da presidente pelo descalabro econômico que causou e uma luta dos que estão no poder para não o deixar.

Neste quadro, compreende-se que o governo pense em aumentar ainda mais os tributos, como faziam os senhores feudais sobre os escravos da gleba, lembrando que a Magna Carta Baronorum (1215) resultou de uma revolução dos barões contra João Sem Terra por pretender aumento de arrecadação, a Revolução Americana (1776) nasceu para combater o aumento de tributos das Leis Townshend e o mesmo ocorreu com a Revolução Francesa (1789). Essas três revoluções geraram os três modelos de Constituição modernos (a Magna Carta, 1215; a Constituição americana, 1787; e a Constituição francesa, 1791).

Enquanto os nossos fracassados dirigentes pensarem em reproduzir as ultrapassadas fórmulas de um ajuste sobre a sociedade (aumento de tributos e juros), e não sobre o governo (corte real de despesas), teremos de concordar com o saudoso amigo Roberto Campos, que dizia: “Com esta mentalidade, o Brasil não corre nenhum risco de melhorar”.

*Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, CIEE/O Estado de S. Paulo, da ECEME, da ESG e da Escola de Magistratura do Tribunal Regional Federal - 1ª região / O ESTADO DE SP

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