Não há lei que baste
O Estado de S.Paulo
18 Abril 2018 | 03h00
Não deveria ser tão difícil compreender a necessidade de retirar do Estado atividades que podem muito bem ser desempenhadas pelo setor privado. No caso mais recente, o da polêmica em torno da venda do sistema Eletrobrás, por exemplo, não se trata somente de atender a objetivos imediatos, isto é, fazer caixa para enfrentar o rombo fiscal e livrar-se de um sorvedouro de recursos públicos que poderiam ser usados para as verdadeiras prioridades nacionais. A venda da Eletrobrás, bem como da maioria das estatais, deveria ser encarada, antes de qualquer uma dessas importantes considerações, como a consequência natural da adoção da racionalidade econômica na gestão e no planejamento do governo, preservando os interesses do conjunto dos cidadãos, no longo prazo, em detrimento das conveniências políticas e materiais imediatas de grupos organizados de oportunistas que historicamente se servem dos haveres dos brasileiros.
Apesar dessa meridiana obviedade, boa parte da opinião pública do País ainda resiste às privatizações graças a uma sistemática campanha de desinformação e sabotagem levada adiante por partidos e movimentos que se apoderaram de pedaços do Estado e deles não abrem mão. Essa campanha foi bem-sucedida até aqui em convencer parte da opinião pública de que o Estado deve não apenas participar de diversas áreas nas quais a iniciativa privada atua, mas, se possível, deve exercer o monopólio dos setores considerados “estratégicos” – termo flexível o suficiente para caber em qualquer definição ao gosto ideológico do freguês. Pouco importa se há dinheiro suficiente para tamanha ambição, considerando-se os múltiplos deveres atribuídos ao Estado pela Constituição.
São tão insidiosas essas organizações de parasitas que nem mesmo as boas iniciativas tomadas com vista a pelo menos reduzir-lhes a influência nas estatais parecem funcionar. É o caso, por exemplo, da Lei das Estatais, aprovada em 2016 com o objetivo justamente de limitar a influência do mundo político nessas empresas, transformadas, em vários casos, em verdadeiras extensões dos partidos que lhes indicavam os diretores. Foi graças a essa sem-cerimônia que se construiu a estrutura do assalto à Petrobrás, mas esse caso, malgrado seu alcance singular na história, está longe de ser o único.
A Lei das Estatais impôs requisitos mínimos para o preenchimento dos cargos de administradores das empresas. Pretendia-se, assim, acabar com a indicação de apaniguados de partidos governistas, que ali trabalhavam apenas para atender aos propósitos eleitoreiros de seus padrinhos, quando não participavam de esquemas de desvios diversos. No entanto, mesmo com a nova lei em pleno vigor, os partidos continuam a ter voz na nomeação de diretores, como revelou recente reportagem do Estado a respeito da Eletrobrás.
Um levantamento do jornal mostrou que, em 13 das principais empresas do grupo, todos os dirigentes atendem aos requisitos exigidos pela Lei das Estatais, mas ainda assim estão lá como apadrinhados de parlamentares de partidos da base aliada. São justamente esses políticos que representam hoje o principal obstáculo à privatização da Eletrobrás.
Em ano eleitoral, nenhum desses partidos ou parlamentares pretende abrir mão de seus feudos dentro de uma estatal que está presente com força em todo o País, numa área crucial. Há várias formas de utilização política da Eletrobrás. Uma delas é a atuação como patrocinadora de eventos esportivos e culturais, que dão visibilidade a seus promotores. Outra é a antecipação de obras sem urgência, mas com potencial para render votos.
Essa turma se considera dona da Eletrobrás e de outras estatais, razão pela qual não aceita vendê-las. Como explicou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, “essas empresas já estão privatizadas há muito tempo pelos políticos e sindicatos”.
É essa força retrógrada que flexiona seus poderosos músculos sempre que o governo se dispõe a reduzir seu butim estatal – e parece não haver lei boa o suficiente para lhe conter o apetite.