Mau exemplo do Refis
O Estado de S.Paulo
06 Março 2018 | 03h00
Não demorou para que maus contribuintes contumazes exibissem mais uma vez seus hábitos perniciosos para a higidez do sistema tributário do País. Eles se valem das vantagens oferecidas pelos programas de refinanciamento de dívida tributária federal lançados nos últimos anos, e que ficaram conhecidos como Refis, mas logo deixam de cumprir as obrigações que assumiram na renegociação. Desta vez, as consequências desse comportamento parecem ter surgido mais depressa. O mais recente programa de refinanciamento de dívidas tributárias federais – oficialmente chamado de Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) – foi criado por lei em outubro, modificado por medida provisória em novembro e já registra um calote de R$ 3,1 bilhões. É o valor que os beneficiários do Pert se comprometeram a recolher aos cofres da Receita Federal, mas não o fizeram no prazo acordado, como mostrou reportagem do Estado.
Esses caloteiros são chamados de “viciados em Refis” pelos técnicos da Receita. A prática é antiga e justifica a designação. O primeiro Refis foi criado em 2000 e desde então houve pelo menos oito semelhantes. A certeza de que em algum momento haverá algum benefício para contribuintes em atraso estimula o não recolhimento de tributos.
Há decerto contribuintes que, por dificuldades inesperadas, deixam de honrar regularmente seus compromissos com o Fisco. Mas os grandes beneficiários desses programas são os que deliberadamente atrasam os recolhimentos, à espera de um novo programa que permitirá a renegociação vantajosa de sua dívida.
A Receita Federal, em recente levantamento realizado a pedido do Estado, calculou em R$ 176 bilhões a renúncia fiscal decorrente do perdão de juros e multas concedido por esses programas. É dinheiro do qual o governo abriu mão para obter algum ganho imediato. No início da vigência desses programas, de fato, a arrecadação cresce, como vem ocorrendo como efeito do novo Refis. Só em janeiro, como informou a Receita, a arrecadação devida ao último programa de parcelamento de débitos alcançou R$ 7,938 bilhões.
É uma receita expressiva, mas que implicou a renúncia definitiva de outras, em razão dos grandes benefícios oferecidos pelo Refis. No caso do Pert, que permitiu a renegociação de dívidas tributárias vencidas até 30 de abril do ano passado, foram oferecidas três modalidades de benefícios. Uma delas permitia a renegociação com pagamento em dinheiro de 20% do valor devido e a liquidação do restante com a utilização de créditos de prejuízo fiscal ou de outros créditos relativos a tributos federais.
A segunda opção era o pagamento em 120 prestações, com valores reduzidos nos três primeiros anos. A terceira combinava as anteriores, com pagamento à vista de 20% e o restante com a quitação do saldo em parcela única, com desconto maior de juros e multas, ou em 145 ou 175 parcelas, com redução menor de juros e multas.
Além das facilidades de pagamento e de redução de juros e multas, os contribuintes em atraso que se valem de programas desse tipo obtêm um atestado de regularidade fiscal que os habilita a firmar contratos com o setor público. Muitos, porém, tão logo obtêm o documento, deixam de recolher as parcelas devidas. Eles são excluídos do programa pela Receita.
Segundo a Receita, 1.320 contribuintes (entre os maiores devedores) já foram notificados por terem deixado de recolher as parcelas decorrentes da renegociação de sua dívida de acordo com as regras do Pert. Até agora, apenas 211 dos notificados regularizaram sua situação. O número de inadimplentes deve crescer, pois a Receita prepara uma operação pente-fino entre os que aderiram ao último Refis.
A despeito desses resultados e do mau exemplo desses programas para os demais contribuintes – que, com tantas vantagens para os maus pagadores, têm motivos para se sentirem punidos por cumprir suas obrigações –, eles continuam sendo editados com lamentável regularidade.