Combate a privilégio deveria ter sido foco inicial de Temer, diz economista
Combate a privilégio deveria ter sido foco inicial de Temer, diz economista
Rodrigo Capote/Folhapress | ||
O economista Nilson Teixeira, na sede do banco de investimentos Credit Suisse, em SP |
ALEXA SALOMÃO
EDITORA DE "MERCADO"
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
FOLHA DE SÃO PAULO
Seguindo uma prática recorrente entre as instituições financeiras, os técnicos do banco Credit Suisse não costumam fazer análises ou traçar cenários políticos. Neste ano, foram obrigados a abrir uma exceção, diz o economista-chefe da instituição financeira, Nilson Teixeira. No evento "Brasil - Cenário macroeconômico para 2018/2019", que ocorre nesta segunda-feira (11), o tema terá destaque. O relatório produzido para a ocasião, o maior em 13 anos, dá uma dimensão. Das 324 páginas, 55 são sobre política.
Os primeiros cenários do gênero produzidos pela instituição levam em conta coligações e seus tempos de TV e ramificações partidárias nos municípios, mas o efeito das redes sociais também está no radar.
"O país vai ter uma campanha muito diferente das anteriores. Como as regras de financiamento mudaram, haverá menos recursos; o horário livre na TV, as inserções, e as ramificações nos municípios serão bem mais importantes", diz Teixeira.
Uma extensa coletânea de gráficos, tabelas e suas respectivas análises destrincham os desafios que os políticos terão de enfrentar na economia: reformas da Previdência e tributária; abertura comercial; baixa produtividade, melhoria da eficiência no gasto e, por pior que seja, o aumento de impostos.
"Para reverter um deficit e transformá-lo em superavit de forma mais rápida, será preciso elevar impostos. Porque todas as outras medidas não serão aprovadas na amplitude necessária", diz Nilson Teixeira.
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Folha - Para fazer previsões para o ano que vem, é preciso traçar vários cenários, não?
Nilson Teixeira - Pela primeira vez estamos dando mais relevância a política em nossas análises. Fizemos cinco cenários de possíveis coligações e analisamos o tempo de TV, os recursos eleitorais e a presença nos municípios.
Rodrigo Capote/Folhapress |
O economista Nilson Teixeira, em entrevista |
Qual a conclusão?
A campanha de 2018 será muito diferente das anteriores, com as novas regras de financiamento. Com menos recursos, o horário livre e as inserções na TV e as ramificações nos municípios serão bem mais importantes.
Outro fator são as mídias sociais. Mas partimos do pressuposto de que as mídias sociais são mais capazes de atrapalhar determinados candidatos, com a exploração de notícias negativas, do que de construir imagem.
Diria que 2018 é um dos anos mais indefiníveis?
Previsões são difíceis em todos os anos. Sempre há incerteza.
Dos cenários, qual é melhor para a economia?
Alguns trarão mais volatilidade. Em meados do próximo ano, se os candidatos que estiverem à frente tiverem plataformas contrárias ao processo de reformas, haverá deterioração muito forte dos preços.
Quão forte?
Não dá para estimar, mas forte. Por outro lado, não vemos a possibilidade de que qualquer eleito não faça ajustes muito rigorosos. É crucial resolver a questão fiscal, e isso terá que ser feito logo no início do governo. A pressão dos preços levará o eleito a isso.
É só pressão do mercado ou seria inviável governar?
Quando começar a aparecer na capa da Folha o câmbio subindo, a Bolsa caindo, dia após dia, a TV falando em alta no preço dos alimentos, o presidente fica pressionado. E, mesmo que a atual reforma da Previdência seja aprovada, não será possível navegar pelos próximos quatro ou cinco anos sem outras reformas.
O eleitor está preparado para isso? Apesar de a reforma ser defendida por quem entende de políticas públicas, 71% da população é contra.
O custo para a sociedade de deixar essa reforma para 2019 é de 3,7% do PIB no acumulado de dez anos, até 2027. Só pelo atraso de um ano.
Mas deve-se começar pelos privilégios. A elite tem muitos privilégios, em todas as ramificações. Abatimento de despesas médicas e de educação no Imposto de Renda são R$ 17 bilhões. Metade do Bolsa Família. É correto taxista não pagar imposto na compra do carro? Só rico anda de táxi.
É razoável água mineral ter algum tipo de abatimento de imposto? Quem bebe água mineral? Só rico.
Quando o teto de gastos públicos corre risco de ser descumprido?
Em 2019, o risco já é grande de descumprir o teto e a meta.
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Nilson Teixeira, do Credit Suisse |
Há quem fale em 2018. É exagero?
Em 2018 há devoluções do BNDES e receitas não recorrentes. Obviamente há risco: fundos exclusivos não serem aprovados, não subir de 11% para 14% a contribuição dos funcionários públicos e os reajustes salariais concedidos pelo presidente Temer não serem postergados.
Há ainda grande incerteza sobre a elasticidade da arrecadação frente ao crescimento, e por isso a receita administrada também é um fator de risco.
A retomada deste ano, que já é fraca, fica em risco?
2018 será melhor que 2017. Estimamos 2,5%. Mas no curto prazo 0,5 ponto numa previsão tem pouca relevância. 0 que um analista pode dizer é que é muito improvável que o país acelere e cresça 4%.
O consumo das famílias consegue puxar o crescimento por quanto tempo?
O consumo das famílias é um processo que dificilmente acelera muito. Nos investimentos, trabalhamos com alta de 5% no ano que vem. Mas, se houver uma turbulência, do lado político ou do cenário global, é difícil essa aceleração. E não dá para dizer que, se aumenta a confiança, os investimentos voltam. Não é automático.
Como a eleição afeta a confiança?
É prematuro dizer qualquer coisa, ainda mais com os desdobramentos da Lava Jato.
As decisões de segunda instância [que podem inviabilizar a candidatura de Lula]?
Não há dúvida. O presidente Lula é líder em todas as pesquisas. Se ele não for candidato, por qualquer razão, e não transferir votos para um candidato de seu partido, o cenário do segundo turno fica ainda mais difícil de prever.
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O economista-chefe, na sede do Credit Suisse |
O fato de ministro da Fazenda admitir a possibilidade de ser candidato atrapalha o ajuste?
Não vejo que ajude, mas também não atrapalha. Um ministro com tanta experiência não vai tomar decisões contra o interesse do país.
E a reação oposta, de o Congresso deixar de aprovar pontos que favoreceriam a candidatura do ministro?
Colaborar para o ajuste é fundamental.
Na cabeça dos economistas. Mas e na dos políticos?
Não precisa ser economista, basta saber olhar um pouco para os números.
Pelas conversas que você vem tendo, o governo aprova a reforma da Previdência?
Será uma votação apertada. Cabe ao governo se empenhar.
O que o país está passando agora é um grande aprendizado para o próximo presidente.
Uma proposta gradualista como foi a buscada pelo presidente Michel Temer não se mostrou a melhor alternativa.
A mensagem é: aproveite os primeiros cem ou 180 dias, o primeiro ano de mandato para aprovar todas as medidas necessárias, mais duras.
Gradualismo foi ter esperado para colocar a Previdência?
Sim. A equipe do Ministério da Fazenda sabia o que precisava ser feito. Demorou muito.
É uma negociação política, uma decisão do presidente, no fim das contas.
Mas a opção de ir primeiro com a regra do teto pressupunha uma trajetória tranquila, o que na minha análise das últimas décadas não existe.
É sempre muito volátil, muito incerto, por isso precisa fazer no começo, quando se é capaz de construir a maioria.
Quanto mais tempo leva, mais difícil.
Rodrigo Capote/Folhapress |
O economista aponta gráfico feito por sua equipe |
O governo falhou na comunicação?
Vejo muitos políticos argumentando que o caminho seria a redução dos privilégios. Acho mais fácil convencer a sociedade.
Nunca é fácil convencer sobre corte de vantagens e benesses. Todos nós temos, de uma forma ou de outra, e todos achamos justos.
Mas os funcionários giram a máquina do governo, são os que fazem o governo funcionar. Como começar por eles sem parar o governo?
Quem trouxe as propostas relacionadas à Previdência foram funcionários públicos. O Marcelo Caetano [da Previdência Social do Ministério da Fazenda], o Marcos Mendes [chefe da assessoria especial da Fazenda]. Todos funcionários públicos. Todos beneficiados. Creio que, se dependesse só deles, eles fariam essa reforma, mas houve uma decisão política, que ultrapassa muito a questão técnica.
A reforma tributária ficou marginal nessa discussão.
Os números mostram quão necessária ela é e o quão difícil é implementar.
Mais que a Previdência?
Sim. Mais difícil.
Por afeta agentes poderosos?
Mais que isso. A carga tributária no Brasil é alta. Numa reforma alguém vai perder. Não dá para achar que todos vão ganhar.
Se fosse questão de aumentar de 20% para 23% ou de 15% para 19%, todos ganham, todos os Estados, e está resolvido. No Brasil é mais difícil, os municípios não querem, os Estados não querem e o governo federal precisa cortar as despesas primeiro.
As empresas acham que pagam muito imposto. As pessoas físicas também. Temos um problema
A mudança no sistema tributário americano tem efeito no Brasil?
É cedo para saber. Nosso time lá fora diz que elas fazem a economia americana expandir mais 0,2% a 0,4% no curto prazo.
O outro lado da história é que pode elevar o deficit fiscal nos EUA.
O fato é que a economia global é favorável. A expansão da Europa e dos EUA pode ajudar países emergentes com economia mais aberta que a do Brasil.
O Brasil tem uma economia muito fechada. Se fosse mais aberta, o país teria um crescimento potencial maior.
Olhando a produtividade total dos fatores, a eficiência da economia, o Brasil está entre os piores, se não estiver no pior cenário depois da recessão.
Ou seja, não adianta só o Brasil fazer sua própria lição de casa, porque os rivais estão avançando muito mais.
Sim, já estão fazendo a deles. O Brasil crescer 2,5% pode ser bom, mas se os outros estão crescendo muito mais
Rodrigo Capote/Folhapress |
Nilson Teixeira, na sede do banco, em SP |
A grande reforma é promover a abertura?
A grande reforma é a abertura. Suponha que o Brasil tivesse a abertura comercial de Hong Kong. O crescimento adicional seria de 39 pontos percentuais em dez anos.
Se tivesse a abertura comercial da África do Sul, um país pobre como a gente, o crescimento potencial sairia de 2% para 2,4%, ou de 1,5% para 1,9%.
Por que o Brasil continua um país fechado?
Por causa de lobbies, e da crença de que precisamos proteger o produtor nacional para que em alguns anos eles possam competir.
Proteções ad eternum não cabem. Vários setores têm proteção há muito tempo e não cresceram nem se tornaram competitivos.
Os lobbies causam prejuízo para o equilíbrio fiscal?
Não há dúvida. Veja o lobby do funcionalismo público. É justo fazê-lo, mas isso tem que ser arbitrado.
As renúncias tributárias também.
E uma parte importante da receita está atrelada a fundos federais que não se sabe que benefícios trazem para o país.
Qual a solução? Reforma da Previdência, avaliar todos os programas sociais, todas as transferências, todas as renúncias tributárias. Se fizer tudo isso o país consegue resolver o desequilíbrio fiscal.
O que aprendo com os políticos é que mais difícil que aumentar impostos é cortar gastos, e mais difícil ainda é cortar renúncias tributárias, porque são os grupos mais organizados, que conseguem se defender.
Resultado: para resolver a questão fiscal o próximo presidente vai ter que elevar impostos.
Não há como escapar do aumento de impostos?
'Não há como escapar' não sei se é o termo. Mas, para reverter um deficit e transformá-lo em superavit de forma mais rápida, será preciso elevar impostos. Porque todas as outras medidas não serão aprovadas na amplitude necessária.
Aumentar imposto é sempre ruim para a produtividade e o crescimento, mas um trabalho que fizemos comparando 40 países mostra que um ajuste fiscal bem-sucedido se sobrepõe aos efeitos de um aumento de impostos.