Governo ajuda a torpedear Estatuto do Desarmamento
Mais uma vez, o Estatuto do Desarmamento está sob fogo cerrado. Na base da canetada, ou seja, por meio de portarias e decretos, sem passar pelo Congresso Nacional, o governo federal tem modificado partes substanciais da legislação sobre controle de armas. Numa dessas medidas, o prazo de validade do registro foi ampliado de três para cinco anos. E o atestado de capacidade técnica, que era exigido em todas as renovações a cada três anos, agora só precisará ser apresentado de dez em dez. A certidão de antecedentes criminais e o teste psicológico continuarão obrigatórios.
Mas, em relação ao teste psicológico também houve flexibilização: militares da reserva e profissionais aposentados que têm porte de arma terão de apresentar o documento a cada cinco anos — antes o prazo era de três anos.
Outra mudança diz respeito ao destino de armas apreendidas pelas forças de segurança. Pela nova regulamentação, essas armas, que antes eram destruídas, podem ser encaminhadas às polícias e às Forças Armadas, desde que o Exército e o Ministério da Justiça autorizem.
Essas alterações na lei, que passam ao largo do Legislativo, atendem à bancada da bala, que tem o Estatuto do Desarmamento como alvo preferencial. Para Julio Jacobo, autor do Mapa da Violência, as mudanças podem parecer pequenas isoladamente, mas, no conjunto, “poderão tornar o Estatuto praticamente inócuo”.
Não bastassem as mudanças já efetivadas para desfigurar ainda mais o Estatuto, outras estão em maturação. Deputados da bancada da bala apresentaram ao ministro da Justiça, Osmar Serraglio, proposta para que a Polícia Federal conceda o acesso à arma sem que o cidadão precise justificar a sua necessidade, bastando apenas apresentar os documentos exigidos.
De acordo com o Mapa da Violência 2016, o Brasil registrou em 2014 (último dado disponível) o assombroso número de 44.861 homicídios por armas de fogo, o que representa 123 por dia, ou cinco a cada hora. A taxa de mortalidade por armas de fogo é de 22,4 por cem mil habitantes.
Estudos feitos por Jacobo comprovam que se o controle de armas não conseguiu reduzir o número de mortes por armas de fogo no país, ao menos pôde frear o seu crescimento, o que não é desprezível em se tratando de vidas humanas. Estima-se que, desde 2003, quando entrou em vigor o Estatuto, pelo menos 133.987 vidas foram salvas.
Uma pesquisa do Instituto Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 78% dos entrevistados acreditam que quanto mais armas em circulação, maior o número de mortes.
Mas o que a bancada da bala tem feito — e agora com a ajuda do governo, que usa portarias e decretos como artifício para modificar a lei — é impor ao Estatuto do Desarmamento uma morte lenta. Assim, vai-se eliminando aos poucos a esperança de o país estancar esse número vergonhoso de homicídios por armas de fogo. O GLOBO