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Crise econômica leva meio milhão de famílias de volta ao Bolsa Família

BRASÍLIA — Pouco mais de um ano foi o tempo suficiente para Rosimaria Rodrigues de Santana Amorim deixar o programa Bolsa Família. Há quase uma década, ela deu “baixa” no cartão porque conseguiu emprego como auxiliar de serviços gerais. O marido, Wagner Amorim, também passou a trabalhar de ajudante de pedreiro com carteira assinada. A renda do casal que mora em Planaltina de Goiás, mais conhecida como “Brasilinha” devido à proximidade de 60 km com a capital federal, permitiu financiar uma casa popular, comprar móveis modestos, ter eletrodomésticos e fazer um agrado vez por outra para os dois filhos, que adoram pizza e sonham com um tablet.

 

Após o nascimento do mais novo, Enzo, de três anos, que tem crises de asma e fica frequentemente internado, Rosimaria saiu do emprego para cuidar do menino. O setor de construção e reforma ainda estava em alta e o salário do marido, em torno de R$ 1 mil, era suficiente para as necessidades da casa. Em 2014, porém, a firma onde Wagner trabalhava fechou. A família continuou vivendo dos bicos que ele arranjava com frequência. Mas, no fim do ano passado, até os serviços temporários sumiram. O jeito foi recorrer novamente ao Bolsa Família.

 

— Nunca pensei que a gente ia passar por essa situação. A crise chegou mesmo aqui em casa. O Bolsa Família é a nossa única renda desde setembro — conta Rosimaria.

 

Apesar da perplexidade, Rosimaria não está sozinha. No Brasil, mais de meio milhão de famílias que haviam saído do Bolsa Família até 2011 reingressaram no programa apenas no ano passado. Foram, mais exatamente, 519.568 retornos em 2016. O número é superior ao de 2015, quando houve o primeiro salto, com a reinclusão de 423.668 famílias. Antes disso, o movimento de volta ao programa era bem menos intenso: 104.704 famílias em 2014, 186.761 em 2013 e 164.973 em 2012, segundo dados inéditos do Ministério do Desenvolvimento Social obtidos pelo GLOBO.

 

Para o sociólogo Elimar Nascimento, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador na área de políticas públicas e desenvolvimento sustentável, a explosão do desemprego a partir de 2015 é o principal responsável pelo retorno da população à pobreza.

 

— Nos últimos dois anos de recessão, o desemprego explica por que as pessoas estão voltando ao Bolsa Família, que é um paliativo, não resolve o problema da pobreza. Só com a retomada do crescimento esse movimento pode ser superado, não existe mágica a ser feita — afirma o pesquisador.

Celiane da Silva Neves saiu de São Luiz (MA) com o filho Hyago. Desempregada, vive da ajuda de vizinhos no bairro Jardim das Palmeiras, em Planaltina de Goiás, enquanto aguarda o Bolsa Família - André Coelho / Agência O Globo

Os dados gerais, sem distinção entre quem já foi ou não beneficiário do programa, mostram que a demanda pelo Bolsa Família cresceu 33% nos dois últimos anos. Em 2015, 1,2 milhão de famílias foram habilitadas a receber o benefício por atender aos requisitos de baixa renda, ou 105 mil famílias por mês. Em 2016, a média mensal bateu 141 mil, totalizando 1,6 milhão de famílias cadastradas ao longo do ano.

 

A fila de espera para o Bolsa Família chegou a janeiro deste ano com 463,9 mil famílias. Na última semana do mês, o governo anunciou ter conseguido incluir quem aguardava. O saldo de habilitados hoje conta com 1.898 famílias.

 

Essa diminuição significativa da fila só foi possível por causa do pente-fino feito no segundo semestre do ano passado e o reforço nas fiscalizações de rotina, que culminaram no desligamento de milhares de famílias do programa. Ao longo de 2016, 3 milhões de famílias tiveram o benefício cancelado, por não atender aos requisitos exigidos, ao mesmo tempo em que 2,4 milhões foram contempladas. Por isso, sem aumentar a cobertura de 13,5 milhões de famílias atendidas no total, o governo chegou perto de zerar a fila.

 

O governo estuda dar um reajuste no benefício com base na inflação medida entre julho de 2016 e julho de 2017, que deve oscilar de 4% a 5%. O valor médio pago às 13,5 milhões de famílias atendidas hoje — que reúnem cerca de 50 milhões de pessoas — é de R$ 182. A quantia pode ser maior ou menor conforme a renda da família, o número de dependentes, entre outros fatores.

 

519,5

Dependência cresce

CRESCIMENTO DE

22,6%

Demanda pelo Bolsa Família acelera

423,6

REINGRESSOS

AO PROGRAMA

Nº de famílias, em milhares, que deixaram o programa até 2011 e retornaram

186,7

164,9

104,7

2012

2013

2014

2015

2016

CADASTRO

APROVADO

1,271

2015

Para receber a transferência de renda, em milhões de famílias

VARIAÇÃO

33,4%

1,696

2016

APROVAÇÃO MENSAL

105 mil

141 mil

Média

mensal

em milhares de famílias

em 2015

em 2016

2015

2016

190

152,6

149,4

151,4

136,2

128,3

116,1

103,9

103,7

105,3

99,7

93,8

86,4

85,6

Jan

Mar

Mai

Jul

Set

Nov

Dez

POR

REGIÃO

SUDESTE

Nordeste e Sudeste reúnem

36,75

NORTE

demanda do programa, em %

10,35

75%

NORDESTE

38,32

SUL

8,94

da demanda

pelo Bolsa

Família*

CENTRO-OESTE

5,63

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social *Dados de dezembro de 2016

Com o benefício mensal de R$ 341 que recebem do programa, Rosimaria, de 30 anos, e Wagner, de 25, se desdobram para pagar as contas básicas, como água e luz. A família recebe ajuda de parentes para a alimentação. A mulher até brinca com o fato de há meses não frequentar um supermercado: — Acho que vou até me perder quando entrar num mercado de novo. Minha despensa hoje só tem o básico e tudo é dado pelos parentes.

 

A preocupação maior do casal, no momento, é garantir o pagamento do financiamento da casa popular que compraram num programa habitacional do governo. O pai de Wagner, pensionista, auxilia como pode. Mas a 55ª e 56ª parcelas — de um total de 300 — devidas para a Caixa Econômica estão atrasadas. O valor da prestação é de aproximadamente R$ 500. Com o extrato nas mãos, Wagner explica por que a dívida tira o sono dele: — Se atrasar três parcelas, tomam a casa da gente. Eu nunca passei por um tempo tão difícil para arranjar serviço.

 

Se a casa se tornou a maior preocupação do casal, ela é o motivo de eles não terem retornado para Socorro do Piauí, cidade natal dos dois.

— A gente lutou tanto para ter essa casa que a gente não quer deixar isso para trás — diz Rosimaria.

Rosa por fora e verde por dentro, a habitação de três quartos é modesta mas confortável. A cobertura de cerâmica do piso do quintal está pela metade. Depois que o orçamento apertou, Wagner não teve como comprar a argamassa. Na janela de um dos quartos, repousam as botas encardidas usadas para trabalhar em obras.

— Já faz tempo que estão aí, paradas — comenta Wagner, com ar desolado. O GLOBO







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