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Sem reforma, ninguém receberá pensão no futuro

A Previdência Social está praticamente quebrada. Este ano terá um déficit de R$ 181 bilhões, maior do que os R$ 143 bilhões de 2016. A previsão é que daqui a dez anos, o sistema não consiga se manter em pé e as pensões previdenciárias corram o risco de não serem pagas. A não ser que o governo aumente a carga tributária em 10%, transformando-a em estratosférica, já que hoje ela é uma das mais altas do mundo. Ou, então, que corte gastos em setores essenciais. É o que diz à ISTOÉ o secretário nacional da Previdência Social, Marcelo Abi-Ramia Caetano. Segundo ele, a proposta de reforma do governo enviada ao Congresso, e que deve ser aprovada até o final do ano, prevê equacionar o sistema e permitir que o governo cumpra o que prometeu, ou seja, pagar as aposentadorias. Ele alerta, contudo, que a reforma ainda não vai zerar o déficit, apenas controlá-lo.

A Previdência terá este ano um déficit de R$ 181 bilhões. A previsão é que, se isso continuar, em 2030 a Previdência quebra e ninguém mais receberá aposentadoria. Como fazer para estancar essa sangria?

Esses números altos agora são resultado de fatores conjunturais e acontecem porque a economia está em decréscimo. Mas nesse ritmo, se nada for feito, temos a questão estrutural que é pior ainda, que é o envelhecimento populacional. A população envelhece num ritmo muito elevado e se a gente não fizer nada agora, no futuro o sistema quebra e vamos ter que fazer uma reforma lá na frente muito mais forte do que a que estamos propondo agora. Ou seja, ninguém recebe mais pensão. Ou então temos alternativas para manter os pagamentos: vamos ter que aumentar a carga tributária para manter os gastos com a Previdência. Outra opção é que os gastos com a Previdência vão se tornar tão altos que vamos ter que sacrificar gastos em outras áreas. Mas quando a gente vê alguns Estados, tem gente que pergunta: mas em que ano o sistema vai quebrar? Ora, o Governo Federal está pagando, mas quando se olha para alguns Estados, está havendo dificuldade até para se pagar a folha de pagamento.

A reforma proposta pelo governo prevê zerar esse déficit quando? Com a reforma aprovada, todas as pensões serão pagas sem risco de “apagão” no sistema?

Como disse, alguns estados já chegaram nesse limite. A reforma proposta agora não vai acabar com o déficit, mas impedir que a despesa venha a crescer muito rapidamente e tenha-se uma relação das despesas com o PIB mais estável nas próximas décadas. Para manter o regime previdenciário, vamos ter que fazer a reforma. E ela tem que ser abrangente. Não pode ser só um item ou outro. Porque aí vamos precisar de outra reforma mais para a frente. Não vamos zerar o déficit. Para zerá-lo, deveríamos propor regras de acesso com idades ainda mais altas, fórmulas de cálculos, de benefícios mais rígidas, mudanças nas regras de pensão por morte que reduzisse ainda mais os valores pagos. Então seria uma reforma muito dura. E isso não vai acontecer agora. Mas tem a questão do envelhecimento populacional. Só o fato de você conseguir manter as despesas estáveis na relação com o PIB, você está contrabalançando nisso aí uma perspectiva de envelhecimento populacional que é muito acentuada. É por isso que é difícil acabar com o déficit.

Para que o sistema se viabilize daqui para a frente, o governo quer aprovar na Câmara este ano medidas importantes. O trabalhador vai perder direitos?

Eu interpreto de outra maneira. O trabalhador fica com a garantia maior de que a pensão prometida será cumprida. A chance de se cumprir aquilo que se promete é muito maior. Na situação atual, você tem uma despesa previdenciária que, em razão do envelhecimento populacional, cresce num ritmo muito acentuado. Em função disso, vai ser muito difícil sustentar o regime previdenciário com as regras atuais. A gente está fazendo uma reforma para que a pessoa consiga ter uma maior garantia de receber aquilo que se promete. Do jeito que as coisas estão hoje, a probabilidade de se cumprir aquilo que se promete não é muito alta.

Hoje, o trabalhador pode se aposentar com idade mínima de 53 anos, desde que tenha trabalhado 35 anos. A reforma proposta prevê idade mínima de 65 anos e 49 anos de contribuição. Ou seja, o cidadão tem que começar a trabalhar aos 16 anos. Isso significa que não vai conseguir estudar. É isso mesmo?

Não é isso não. A regra está propondo é que exista uma idade mínima de 65 anos e um tempo de contribuição mínimo de 25 anos. Para a pessoa ter acesso ao benefício terá que ter 25 anos de contribuição e não 49 anos. Os 49 anos é para quem deseja receber a integralidade, os R$ 5,5 mil do teto.

Ou seja, 49 anos de contribuição só para quem vai receber o teto de R$ 5,5 mil?

Sim. São duas coisas diferentes. Uma coisa é o acesso ao benefício, que não precisa ter 49 anos de contribuição, mas nesse caso basta ter 25. O tempo de contribuição será até menor do que o atual, que é de 35 anos para homens e 30 para mulheres. Mas teremos uma regra de transição. Homens de 50 anos ou mais e mulheres de 45 anos ou mais têm regras de transição. Temos uma reforma com 20 anos de transição da regra atual para a regra nova. E um terceiro ponto importante. Nas regras que tínhamos antes, na fórmula 85/95, até metade de 2015, as pessoas se aposentavam por tempo de contribuição aplicando o fator previdenciário, que ainda se aplica a várias aposentadorias. Se aplicarmos o fator hoje, varia muito de caso a caso, mas isso dá uma média de 70% de reposição.

Ninguém conseguirá se aposentar com os 100% do teto?

Com a fórmula que estamos propondo agora, não se repõe totalmente, claro, como a 85/95, mas é maior do que o fator previdenciário. Na comparação internacional, pelo mundo afora, não é comum que as pessoas reponham tudo aquilo que ganharam, no último salário por exemplo. No Brasil com o fator previdenciário também não é assim. Então, na média, vamos repor mais do que em outros países. Isso em termos proporcionais. Não em termos absolutos, porque dependendo do País se ele é mais rico a aposentadoria é maior também.

Lideranças de deputados da base aliada dizem que essa idade mínima de 65 anos não passa na Câmara. O senhor teme que o projeto seja retalhado pelos deputados e o efeito da reforma seja perdido?

Vivemos num ambiente democrático. Mas o que fizemos até agora foi sintetizar o trabalho de uma equipe técnica bem ampla, que fez articulação boa com o setor político. Propusemos uma reforma com o intuito que permitisse que o Pais não precisasse passar por uma sequência de reformas no futuro. Nós fizemos a reforma numa perspectiva do núcleo técnico, com o apoio do núcleo político. Mas como vivemos numa democracia, o que acontece é que o Executivo propôs uma Emenda Constitucional da reforma, mas o Congresso é soberano para indicar qual é a velocidade da tramitação – a gente espera que venha a ser aprovada este ano – e também é soberano para decidir o que será aprovado. Como é emenda constitucional, nem veto ou sanção presidencial ocorre.

Esta reforma acaba com cantilena de tempos em tempos de que precisamos de reforma da Previdência?

É evidente que quando nós encaminhamos essa proposta, o fizemos com a perspectiva de que vamos conseguir fazer uma reforma sem que o País precise passar por outras reformas em pouco tempo. Se a gente for analisar o histórico, vamos ver que houve até aqui um seqüencial de reformas que, apesar de terem sido importantes, foram insuficientes. Ocorreram reformas em 1998, em 1999, outra em 2003, em 2013 e em 2015. Várias reformas na direção correta, mas insuficientes.

No que o governo aceita negociar e o que considera inegociável?

Isso é pouco complicado responder agora. Quando se apresenta uma reforma, ela é baseada num conjunto de elementos. Temos elementos da regra de acesso, das pensões por morte, elementos sobre fórmulas de cálculo, benefícios não contribuitivos. Então, temos que analisar o conjunto da reforma como um todo. E quando começarem a aparecer as contrapropostas dos parlamentares, teremos que ver o que elas alterarão. O ponto central é que se alterarem substancialmente o que estamos propondo, o certo é que em 2019 surgirá um novo grupo de pessoas que proporá uma nova reforma, provavelmente ainda mais forte do que a atual.

Por que a reforma vai manter privilégios? Por que os militares ficarão de fora da reforma? O governo tem medo da reação deles?

Quando se faz uma reforma, nunca se faz com a perspectiva estritamente técnica. Você mescla aspectos técnicos, com aspectos de decisão superior. Essa questão dos militares é uma decisão de natureza superior.

A reforma vai ter medidas amargas para o trabalhador. Mas se a sociedade não aceitá-la, a situação pode ficar pior e o país quebrar em termos de seguridade social?

O Congresso volta agora em fevereiro e depois da eleição do novo presidente da Câmara deve se criar a comissão especial e vamos ver como se dará o debate em torno da reforma. A questão central é que a gente não tem a opção de não fazer nada. Se não fizermos nada, teremos dificuldade de pagar as pensões. Ou então vamos precisar de aumento da carga tributária, de pelo menos mais 10% do PIB. Hoje o INSS gasta 8% do PIB. Em 2060, terá que subir para 18% do PIB.

O projeto não pode aumentar a impopularidade do governo Temer? Ou isso vai reforçar a tese que seu governo é reformista?

Quando analiso a reforma, não a vejo como um projeto do governo Temer apenas, mas uma proposta ousada, corajosa, de Estado. A administração atual puxou para si o ônus político da reforma, porque acho que vai ter um debate intenso envolvendo a sociedade, mas os benefícios maiores não se darão para 2018, mas para administrações posteriores.
 ISTOÉ

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