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De alma lavada - ÉPOCA

Sou carioca com muito orgulho e autocrítica. A Olimpíada comprovou que o Rio de Janeiro é predestinado a sediar grandes eventos. Devemos desculpas – todos os que previram que os Jogos aqui seriam uma tragédia, um vexame, um foco de epidemias, que a abertura seria uma cafonice e nada daria certo. Houve problemas como em todo o mundo, mas está na hora de celebrar nossas conquistas. Aí vai uma pequena seleção do que nos lavou a alma. Obviedades, surpresas e lições da Rio 2016.

A hospitalidade de nossa gente. A última pesquisa oficial revelou que 98,6% dos estrangeiros aprovaram a hospitalidade do povo anfitrião. Existe uma espécie de “mob-love” carioca. A qualquer pergunta ou hesitação na rua, o turista costuma ser cercado por cariocas ansiosos em ajudar e orientar. Copacabana, nessas horas, suplanta todas as outras praias. A supremacia da Avenida Atlântica foi confirmada no circuito alternativo. Uma integração nos quiosques de sons, rocks, blues, MPB, hip-hop coreano, frevo, maracatu, pimenta biquinho, picanha de carne de sol, caipirinhas de kiwi, sangrias e red pilsen, sucos orgânicos, bolo de rolo com gelatos italianos e até arroz com feijão. A princesinha do mar ganhou medalha de ouro.

A beleza estonteante da Cidade Maravilhosa vista de fora e de dentro, do alto e de baixo. Foram raros os intervalos de vento e chuva. A luz que banha tudo e torna as noites agradáveis é a moldura ideal para as paisagens radicais de montanha e água do Rio.

O exemplo dado pelas Forças Armadas, no patrocínio aos atletas. Essa foi uma boa surpresa. No início, houve um desconforto provocado por atletas batendo continência para o Hino Nacional. O investimento em milhões de reais é muito pequeno diante do benefício para os atletas e para a imagem do Brasil. Empresas privadas, mirem-se no exemplo das Forças Armadas brasileiras.

Rafaela, Isaquias, Thiago, Robson e a superação das adversidades. A judoca de ouro da Cidade de Deus, negra, pobre e homossexual, Rafaela Silva, nos brindou com seu orgulho, seu choro e o nacionalismo expresso até no aparelho verde e amarelo nos dentes. O remador Isaquias Queiroz perdeu um rim na infância ao cair de uma árvore, seu corpo foi queimado por água fervendo da panela. O atleta Thiago Braz foi criado por avós com sacrifício após ser abandonado quando bebê pela mãe adolescente. O boxeador de ouro Robson Conceição carregava caixas de frutas nas feiras da Bahia pela madrugada. São todos exemplos.

O novo Porto. O encantamento do carioca com a nova Zona Portuária, idealizada pelo prefeito Eduardo Paes, foi talvez maior que o do estrangeiro. Recuperamos uma parte da cidade linda e antiga. A demolição do Elevado da Perimetral foi decisiva. Ponto para o prefeito e a ajuda federal. Precisamos insistir em mudar todo o conceito de mobilidade do Rio. O VLT, o BRT e o metrô funcionaram. Com problemas, com limitações. Mas o transporte público digno é o único futuro para esta cidade.

O milagre das águas. A Baía de Guanabara ficou navegável, o mar ficou transparente. A poluição continua extrema e inaceitável, precisamos de saneamento básico e investimento sem desvio na despoluição da Baía e das lagoas de Marapendi, mas tudo ficou sob controle no período e no espaço das competições.

A irreverência e o humor nas redes sociais. A “invasão” de um grupo de moças com uma “noiva” num estúdio da BBC na praia. Elas festejavam uma despedida de solteira e gritavam Bi-bi-ci. Só no Rio de Janeiro. E, dentro desse climão, as vaias aos adversários, que não devem ser elogiadas, não precisam ser crucificadas. Por mais que me solidarize com o vaiado atleta francês Renaud Lavillenie, não posso crer que tenha perdido para Thiago por causa da torcida contra. O Rio é diferente de Londres, que é diferente de Pequim. Somos passionais. Nous sommes Biscoito Globo.

A mentira e a arrogância dos nadadores olímpicos americanos, que expuseram ao mundo o preconceito com o Brasil e levantaram nossa autoestima. A segurança reforçada e a onipresença das câmeras deram certo. O Comitê dos Estados Unidos se desculpou com o Brasil. Especialmente pelo protagonista Ryan Lochte, com 12 medalhas olímpicas, considerado em seu país “o idiota mais sexy da América”. Tanto o mundo quanto nós mesmos demos crédito a eles na história fantasiosa do assalto. E, quando surgiu a versão dos seguranças, pensamos em extorsão. O benefício da dúvida era sempre dos americanos, nunca de nosso Rio violento. Queimamos todos a língua. E Lochte e seus cúmplices passaram a personificar, para seus conterrâneos, o pior do americano, “the ugly american”, o prepotente que acha que tudo pode. 

Vamos em frente. Porque o Brasil tem muitas lutas para lutar.

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