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Mais um teto para ser furado

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

O avanço de propostas inviáveis no Congresso quase sempre se deve a uma certa ingenuidade, puro desconhecimento ou mera hipocrisia por parte dos parlamentares. Alguns senadores, portanto, deveriam explicar qual dessas alternativas está por trás do Projeto de Resolução do Senado 8/2025, por meio do qual pretendem estabelecer um teto para a dívida bruta da União. Trata-se de ideia tão simples quanto equivocada, não só no conteúdo como na forma, e que certamente não resolverá os problemas fiscais que se acumulam há anos.

 

Em princípio, quem defende a responsabilidade fiscal enquanto princípio não teria motivos para se colocar contra a proposta, haja vista que o arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não foi capaz de estabilizar a trajetória da dívida pública, situação que retroalimenta juros elevados.

 

Juros elevados, por sua vez, encarecem o crédito para o setor privado, diminuem a atratividade de investimentos em infraestrutura e reduzem a expectativa para o crescimento da economia. É provável que tenha sido nesse contexto que surgiu a ideia do teto para a dívida.

 

De qualquer forma, na justificativa da proposta, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) argumenta que foi a Constituição que deu ao Senado a competência de fixar limites globais para a dívida consolidada da União, Estados e municípios, mas que eles têm sido aplicados somente para os entes subnacionais.

 

Originalmente, Renan sugeriu que a dívida pública se limitasse a quatro vezes a Receita Corrente Líquida (RCL) da União, mas o relator, Oriovisto Guimarães (PSDB-PR), propôs que ela não ultrapasse 6,5 vezes a RCL e que não supere o nível de 80% do Produto Interno Bruto (PIB).

 

Que bom seria se todos os desafios nacionais fossem resolvidos com base no que está escrito em lei. Mas, como lembrou ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles em sua coluna no Estadão, o País já conta com um arsenal de leis suficiente para orientar a política fiscal. O diabo está nas exceções que se criam ao longo do tempo para fugir do cumprimento delas. “O que pode ser aprimorado é a execução da política fiscal, sem novas exceções ao sabor do momento”, disse Meirelles.

Também em sua coluna neste jornal, o economista e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman lembrou que o projeto em discussão no Senado padece dos mesmos erros do antigo teto de gastos e do atual arcabouço fiscal: não atacar os gastos obrigatórios, que se expandem em um ritmo acima do crescimento sustentável do PIB. “Fracassam porque tentam conter o sintoma, não sua causa”, definiu.

 

Exatamente por não resolver a dinâmica do gasto público, o projeto estabeleceria mais um teto para ser furado em tempo recorde. Isso porque a dívida bruta do governo geral já estava em 77,5% do PIB em agosto e deve ultrapassar o nível de 80% do PIB em breve.

 

O governo fez chegar aos senadores que a proposta poderia paralisar a máquina pública, gerar um choque recessivo e até mesmo levar a um calote, enquanto o BC sinalizou que o projeto imporia dificuldades adicionais à condução da política monetária e à estabilidade financeira.

 

O mais grave é que, por ser um projeto de resolução do Senado, o texto, uma vez aprovado, entraria em vigor de maneira imediata, sem jamais ter passado pela Câmara e sem estar sujeito a vetos presidenciais. Ora, seria um disparate se um tema de tamanha importância e impacto para as contas públicas fosse decidido apenas pelo Senado.

 

Após apresentar seu parecer, Oriovisto disse que está disposto a discutir o projeto com o governo e o BC antes que ele seja deliberado e, felizmente, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) decidiu adiar sua votação para debater seus impactos em uma audiência pública com integrantes do Ministério da Fazenda e da Casa Civil.

 

O melhor mesmo é que o Senado desista de uma vez desse projeto. Afinal, criar uma regra que só serviria para bagunçar ainda mais um conjunto de normas fiscais já bastante confuso e que já nasceria com um prazo de validade curto é tudo de que o País não precisa neste momento.

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