Truque com meta fiscal não engana ninguém
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O Tribunal de Contas da União (TCU) subiu o tom na semana passada ao deixar claro que a estratégia adotada pelo governo Lula da Silva de perseguir o piso em vez do centro da meta de resultado primário desrespeita as normas fiscais. O plenário da corte de contas optou por “dar ciência” à equipe econômica sobre a irregularidade dessa prática, o que é praticamente um conselho para que o procedimento seja revisto antes que os envolvidos acabem por ser responsabilizados.
Para o TCU, a banda deveria ser utilizada para acomodar situações atípicas, como a ajuda emergencial para enfrentamento das enchentes no Rio Grande do Sul e dos incêndios no Norte e no Centro-Oeste, o auxílio aos exportadores prejudicados pelo tarifaço imposto pelos Estados Unidos e a regularização do pagamento dos precatórios.
A meta fiscal para este ano é de déficit zero, mas o piso permite um saldo negativo de até R$ 31 bilhões. Como busca o limite inferior em vez do centro, não há espaço no Orçamento para acomodar qualquer tipo de imprevisto, e o Executivo precisa da autorização do Congresso ou da boa vontade do Supremo Tribunal Federal (STF) para contabilizar gastos adicionais fora da meta.
A questão é que essas despesas não apenas não desaparecem como elevam a dívida bruta, o que expõe a fraqueza do arcabouço fiscal, cujo objetivo é estabilizá-la na proporção do Produto Interno Bruto (PIB), algo que os indicadores mostram que não tem acontecido nem deve ocorrer no médio prazo. Essa, aliás, é uma das razões que explicam o elevado nível de juros no País.
O governo vai recorrer da decisão do TCU, e enquanto o recurso não for julgado, seus efeitos estão suspensos. Haddad, no entanto, não parece estar preocupado, muito embora precise convencer a corte de contas de que a meta é uma banda – e não um ponto – e que o cumprimento de uma decisão como essa pode paralisar a máquina pública.
Caso tenha de cumpri-la, o governo terá de contingenciar R$ 30,2 bilhões em despesas, além dos R$ 12,1 bilhões já bloqueados, ou encontrar novas fontes de receitas para arrecadar esse valor ainda neste ano. E em 2026, tudo o que o Executivo quer evitar é ter de congelar gastos em um ano no qual o presidente Lula da Silva deve concorrer à reeleição.
Haddad pretende se escorar no fato de que o Congresso recusou uma proposta do governo Lula para flexibilizar as despesas do Orçamento – e que, segundo ele, se aprovada, daria condições ao Executivo para buscar o centro da meta fiscal. É uma explicação capciosa, pois foi o próprio governo quem propôs, no texto que criou o arcabouço fiscal, que a meta seria cumprida se o piso fosse atingido.
Não é apenas o TCU que cobra do governo que persiga o centro da meta fiscal. Essa é uma análise compartilhada pela maioria dos economistas e especialistas em contas públicas. Fato é que Haddad se aproveita da profusão de emendas constitucionais, leis complementares e leis ordinárias que envolvem a área fiscal para obter a interpretação mais favorável possível ao governo, que sabidamente resiste a cortar gastos tanto de maneira definitiva, via reformas, quanto temporária, com bloqueios e contingenciamentos.
Por outro lado, a agenda de recuperação de receitas defendida por Haddad tem esbarrado nos limites do Congresso. O governo ainda precisa que o Legislativo aprove a medida provisória que acaba com a isenção de títulos como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e que amplia a tributação das bets, enviada em junho.
Até o fim de novembro, quando haverá uma nova revisão bimestral do Orçamento, o País saberá se a decisão do TCU será levada a sério pelo governo ou se será apenas mais um jogo de cena às vésperas das eleições presidenciais. Enquanto isso, Haddad continuará a dizer que o governo busca o centro da meta, embora todas as suas práticas apontem para o piso. Foi por isso, afinal, que Lula da Silva engoliu o arcabouço fiscal proposto pelo ministro: porque sabia que ele funcionaria assim, na exata medida de suas necessidades eleitorais.