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‘Gratificação faroeste’ restabelecida pela Alerj não pode prosperar

Editorial / A opinião do GLOBO

 

Na última terça-feira, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou, por 45 votos a 17, a volta de um bônus para policiais sintomaticamente apelidado “gratificação faroeste”. O texto aprovado estipula que um agente da Polícia Civil receba de 10% a 150% além do salário em caso de “neutralização de criminosos” — eufemismo para matar. Deputados já cogitam estender o mesmo benefício a policiais militares. Trata-se de um incentivo absurdo à letalidade policial, que não pode prosperar sob nenhuma circunstância.

 

Tal incentivo já foi tentado no passado e se revelou um equívoco. O aumento das mortes por policiais tirou a vida de muitos inocentes descritos falsamente como delinquentes. Também encorajou a execução sumária de criminosos, sem direito a processo nem defesa. Para piorar, não funcionou como estratégia de conter o crime. Os estados com forças policiais mais letais são os mais inseguros. A taxa de assassinatos no Brasil, medida por 100 mil habitantes, está em 20,8, de acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Amapá (45) e Bahia (40,6) apresentam mais que o dobro da média nacional. São, não por coincidência, os dois estados com as maiores taxas de mortes decorrentes de intervenção policial.

 

Ainda que fosse eficaz para conter o crime, a “gratificação faroeste” seria moralmente inaceitável. Num Estado de Direito, o Estado detém o monopólio do uso legítimo da força. Policiais arriscam a vida para preservar a segurança pública e precisam de instrumentos como armas de fogo para garantir a própria vida e a dos cidadãos. Mas seu uso precisa ser defensivo e seguir regras. Na terra sem lei, a polícia se torna também bandida. A máxima popular segundo a qual “bandido bom é bandido morto” viola princípios básicos de civilização.

 

Por fim, a “gratificação faroeste” foi restaurada pela Alerj num momento em que o Rio vem registrando queda nas mortes violentas. Nesse contexto, a letalidade policial no estado caiu de 8,3 por 100 mil habitantes em 2022 para 4,1 dois anos depois. A redução, porém, não tirou o Rio dos primeiros lugares no ranking nacional. São Paulo exibe índices inferiores à metade. Nenhuma polícia do Sudeste ou do Sul chega perto da fluminense em letalidade. Para enfrentar os desafios de segurança pública, Executivo e Legislativo estadual deveriam fortalecer políticas que já provaram ser eficientes, com uso de tecnologia e análises estatísticas para alocar a força policial, maior profissionalização, treinamento e equipamentos como câmeras corporais.

 

Na quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) notificou o governador Cláudio Castro (PL) afirmando que a “gratificação faroeste” é inconstitucional. No ofício, argumenta que ela não poderia ter sido estabelecida por iniciativa do Legislativo, descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF das Favelas e viola o direito fundamental à segurança pública. Antes de uma decisão da Justiça que na certa a derrubará, Castro deveria vetá-la.

 

Operação Overclean Polícia Federal

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